⚠️ AVISO DE GATILHO: Menção de auto mutilação, pensamentos suicidas;
Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡
"Quase dois meses, e talvez comece a escrever essas "cartas" nas notas do celular. Se for pra gastar tinta e papel, prefiro desabafar em algo visualmente bonito do que riscar e rabiscar palavras que não chegam nem perto de expressar toda essa dor.
Não que eu vá te mostrar qualquer desenho ou texto quando você voltar.
Você não precisa de mais um peso, eu tenho certeza que te dói tanto quanto em mim.Eu não sinto raiva.
Não a que eu vejo o Daniel crescer e alimentar cada dia mais dentro dele, nem aquela dolorida que estourou as mãos do Thiago num muro aqui perto.
Eu não sei se sinto qualquer coisa além de saudade, e isso talvez seja pior do que o ódio que te deixa vazio depois de descontar verbal ou fisicamente em algo... Ou alguém.
Eu não tenho como desabafar, como matar essa saudade, como arrancar essa dor, justamente porque a única pessoa que pode fazer qualquer coisa contra ela é você.
No começo do ano eu provavelmente iria me machucar de algum jeito, berrar no travesseiro, e aí te ligar pra chorar no telefone.
E se eu não tenho como fazer dois terços dessas coisas por uma promessa besta pra mesma pessoa que não tá mais aqui pra eu ligar, o que eu faço pra dor parar?
Eu só quero que você esteja bem, que as suas pernas funcionem e que a sua cabeça lembre do caminho de volta pra nossa casa, sua casa.
Eu sei que você sabe o número do Daniel de trás pra frente. E eu sei que lembra do nosso endereço também.
Você não quer voltar por algum motivo que eu sinceramente não entendo, e isso me assusta.
Eu sempre entendi você.
E acho que por te conhecer até mais do que eu conheço a mim mesma, eu confio em você. Eu sei que se acontecer de precisar deixar isso tudo nas suas mãos, como já tá acontecendo, eu vou deixar.
Pela primeira vez em anos, eu não te entendo.
E mesmo assim eu tenho certeza de que você tá criando alguma merda mirabolante pro bem de todo mundo, você é assim.
Tirar o próprio bem estar de lado é o que você sempre fez.
E eu não aceito qualquer outra explicação.
Você vai voltar.
E quando voltar, eu vou te beijar inteiro, abraçar forte, chorar, berrar, bater em você e aí fazer tudo isso de novo e de novo pra compensar quase dois meses (e contando) sem ouvir a sua risada.Eu quero crescer, assistir vocês três patetas crescerem junto comigo, ver você arrumar coragem pra usar lente em vez de óculos, ver seu cabelo crescer do jeito que você gosta, te comprar roupa legal no shopping quando finalmente puder usar alguma coisa que acha bonito sem ter que trocar cinco minutos depois.
Eu quero ser madrinha dos três filhos que você cisma em dizer que vão existir, quero que você me encha o saco pra colocar mais azul em desenhos que não tem onde botar só porque é a sua cor favorita desde que viu os olhos do Daniel.
Eu quero você aqui pra me acordar de madrugada e contar histórias de outras vidas inventadas, quero tomar sol no parque e reclamar das aulas de exatas.
Quero as sextas de filme ruim, o forte de almofadas na frente da TV e o sorvete chocomenta nas férias de julho.
Queria ter te procurado duas semanas mais cedo do que eu levei pra perceber que precisava de tudo isso pra poder respirar direito, Leo.
E você tem que voltar antes de acabar o oxigênio."Daniel murmurava o ritmo que já levava quase um mês para compor, curvado sobre o violão para enxergar e anotar no caderno surrado enumerado vinte e um na capa.
A letra da música evoluía, apesar de Maia não entender muitas palavras através dos resmungos do irmão de coração.
"Ele me mandou um gif de gato chorando, Daniel."
A garota exclamou, aborrecida. Acordara com um sentimento ruim apertando sua garganta, aquela troca de mensagens preocupantes com certeza não lhe ajudaria com a sensação.
O outro suspirou, esfregando o rosto com a mão.
"Ele sempre manda esses gifs cringe, Maia."
Sibilou em sua voz de "Você atrapalhou minha concentração."
"Não é isso, o ponto é outro... É diferente.
Ele não...- Fala sério, ele nunca voltou mais cedo das férias, Niel.
É estranho, no mínimo. Eu não tô sentindo coisa boa..."
Explicou, angustiada.
Daniel bagunçou os próprios cabelos em irritação.
"Ok, Má, o que o seu instinto das estrelas diz então?"
Reclamou o irmão, deixando o instrumento de lado.
"Eu disse que vou lá levar uma canja ou sei lá. Eu vou... Ver o que tá estranho. Porque ele com certeza não vai contar."
Maia se levantou, parecendo desnorteada. Daniel fechou os olhos e suspirou.
"A gente devia pedir pra ele vir pra cá..."
Murmurou.
"Ele não vai ver a gente se tiver a escolha. É assim que a ansiedade dele funciona, ele se tranca no quarto e afoga as suculentas da janela sem nem perceber que tá regando."
Maia rebateu, marchando até a estante próxima da entrada da cozinha e caçando um dos livros antigos que Helena mantinha ali.
"É a prateleira de cima."
Daniel apontou. Logo se levantou e pegou o livro favorito de Thiago, localizado onde Maia não alcançava.
"Eu não posso ir. Você sabe que eu iria."
Disse baixo, entregando-o para a irmã.
Era um livro clássico de suspense e investigação. A única diferença deste e das outras três cópias na casa de Thiago seria a capa na versão estrangeira original de 1934, tão apreciada pelo amigo.
Helena planejava lhe presentear quando voltasse, tendo em vista que Thiago pedia o romance emprestado pelo menos uma vez por mês há dois anos inteiros.
"...Ah."
Maia respirou fundo.
Pensou nas menções de Thiago sobre a casa que nunca visitaram. Todas as câmeras, empregados fofoqueiros e regras estritas.
Então, pensou em Daniel "passável" como um garoto cis ou não, com suas roupas pretas repletas de correntes e coturnos sujos de terra seca.
"Esqueci."
Desculpou-se.
"E eu acho melhor você não ir também."
O outro sugeriu.
"Principalmente se o pai dele não tá em casa. Vai parecer que... Ele chama meninas pra ir lá quando tá sozinho."
Adicionou em voz trêmula.
Maia passou a mão pelos próprios cabelos já perceptivelmente fora do corte, suspirando.
"Eu não quero deixar ele... Sofrer em silêncio."
Murmurou.
"...'Cê mandou mensagem no grupo ou no privado?"
Daniel se sentou novamente, buscando o celular de capa protetora azul escuro.
"No privado. Você tinha... Pedido."
A amiga respondeu, ainda de pé.
"Nunca vai... Aparecer que todo mundo visualizou as mensagens, e isso me deixa maluco. Se você puder não mandar, seria bom, porque eu não preciso de mais um detalhe me dando agonia nisso tudo."
Foi o que Daniel lhe dissera uma ou duas semanas atrás.
"Eu vou mandar mensagem também então. Eu falo pra ele passar aqui, não custa tentar."
O mais velho disse, mordendo o interior das bochechas habitualmente doloridas pelo ato.
Maia fechou os olhos e aguardou.
Como todos os dias há quase dois meses, respirou fundo e deixou que o tempo resolvesse os problemas fora de seu controle."A gente podia ficar assim pra sempre..."
Leo disse de repente, sorrindo para o teto com o braço sobre os olhos.
Maia assentiu. Aquele sorriso torto, o diastema aparecendo nos dentes da frente, era seu favorito.
"...É, podia, né?"
Ela riu, deixando a mão encostada levemente na de Leo, ambos dividindo a cama do amigo em mais uma tarde ensolarada.
"Tudo bem. Você tá aqui. E tudo só vai continuar assim.
Nós dois, no seu quarto ou naquele pedaço de grama seca do parque que você adora. Tomando sol, fingindo que o mundo parou no tempo e que a gente tem todo o tempo do mundo."
A própria voz disse em sua cabeça, mesmo não se recordando de ter o pensamento na época.
"Ô, Má."
Leo chamou, ainda sorrindo. Os óculos estavam pousados sobre seu peito, subindo e descendo conforme respirava.
"Não dá pra parar o tempo, né... Não dá pra só continuar aqui e fingir que nada acontece lá fora. Que a gente não cresce e que as coisas não mudam."
Afirmou como se lesse seus pensamentos. A amiga assentiu.
"E viver é um porre.
E... Se eu não posso desistir pra não te deixar triste, você não pode pra não me deixar também."
Continuou, seus óculos escorregando para o chão quando se levantou. Ele os colocou, andando até a escrivaninha em frente à cama.
"Lá vem..."
Maia suspirou com um sorriso, sentando-se para observar os movimentos do outro.
Leo andava para lá e para cá pelo quarto, raciocinando com tamanha intensidade que Maia poderia ouvir cada uma das engrenagens construindo dentro de sua cabeça aquilo que as mãos produziam em silêncio.
Em poucos minutos, Leo sentou ao lado da amiga.
Ele puxou seu pulso com cuidado ao amarrar o que lhe pareciam dois pedaços de fita rosa e verde trançados para sustentar um pingente.
"Eu que te dei isso!"
Exclamou Maia, aborrecida.
"É, mas eu fiz a pulseira, então vira uma coisa nova."
Leo reclamou de volta, terminando o laço.
"...É pra usar isso aí até eu casar e você virar madrinha dos meus três filhos. Ou a fita arrebentar. O que acontecer antes.
Todo dia que tiver aí, é a nossa promessa de continuar... Respirando."
Ele sorriu e acariciou o pulso da outra, contornando a marca de um corte ainda cicatrizando.
"Tá apertado?"
Perguntou sem levantar seus olhos. Maia negou com a cabeça, quieta.
Leo estendeu uma cópia da primeira pulseira, sem o pingente em formato de sol.
"Você não tem pingente, tem que ser igual."
Ela se queixou.
"Não, eu não posso usar coisa bonita assim, 'cê vai ter que usar pra gente."
Respondeu o outro enquanto Maia finalizava um nó duplo em seu pulso esquerdo.
Calaram-se por alguns segundos, aproveitando a harmonia do silêncio entre os dois.
"...Três filhos? Você não cuida nem da Anitta..."
Maia retomou o assunto e então gargalhou conforme as bochechas de Leo esquentavam.
"Escuta aqui, a Anitta é uma vira-lata caramelo de pedigree puro, inteligente e independente, ela não precisa de ninguém."
Ele brincou, abrindo mais um sorriso brilhante.
"...Agora 'cê tá presa comigo. Quando arrebentar, a gente renova isso."
Prometeu após observarem um ao outro por alguns segundos confortáveis.Ouviram batidas fracas na porta da frente ao mesmo tempo que Daniel terminava sua mensagem.
O garoto suspirou, espreguiçando-se.
Maia engoliu com dificuldade. Os dedos acariciaram sua pulseira, fitas já desfiadas e mais frouxas do que meses antes.
"Mãããe..."
Daniel chamou em voz preguiçosa, seguindo Maia com o olhar sonolento.
Os pés sem meias se arrastavam pelo chão de madeira, gradualmente aumentando a velocidade como um trem à vapor que acelera conforme sua caldeira aquece.
A irmã marchou até a entrada do apartamento, seu coração batendo tão forte que poderia sentir a pulsação enlouquecedora retumbando contra a própria garganta.
Os olhos cor de mel estavam arregalados, a mão gelada contra a maçaneta. Ela pausou e engoliu mais uma vez, tentando respirar através da angústia que lhe sufocava.
"...Má, não é o Thiago, ele ainda nem chegou do aeroporto. Eu acabei de mandar a mensagem. Deve ser conta."
Daniel disse delicadamente, observando-a encontrar a correspondência deixada no tapete por algum vizinho gentil.
Seu rosto pálido expressava mais do que confusão, quase uma espécie de derrota após acordar do transe.
Odiava o barulho da porta abrindo.
Odiava batidas, sons de chave, sapatos no tapete de boas-vindas, aquela saudade sufocante.
Separou os lábios devagar e os umedeceu com a língua ainda dormente.
"...É sexta de filme. Não é o Thiago que vem em sexta de filme, Niel."
Murmurou em tom vazio ao recolher os envelopes do chão.
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No próximo inverno
Romantizm⚠️ HIATUS INDEFINIDO ⚠️ Esta história, apesar de ainda estar em produção, vai ser inteiramente revisada antes da sua finalização, tendo em vista que começou a ser escrita há mais de dois anos atrás! Por isso, estando ainda disponível para a leitura...