Uma nova cicatriz

60 14 73
                                    

⚠️ AVISO DE GATILHO: Sangue, violência doméstica;

Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡
>> Tenha uma boa leitura:)


Thiago sorriu de maneira discreta ao folhear o livro de poesias em inglês, suas luvas de tecido vermelho escuro produzindo um barulho acolhedor quando rasparam contra as páginas ásperas.
"A Maia sempre fala dessa autora, eu reconheço esse poema aqui."
Pensou consigo, escolhendo a cópia de capa dura e um marcador de páginas engraçadinho para a amiga.
"Tem o do Daniel, agora só falta..."
Pausou, engolindo com dificuldade. Do outro lado da sala em que estava, uma pilha de comics em promoção especial pelo lançamento bem sucedido se destacava sobre um estande pequeno e habilidosamente decorado.
Aproximou-se e observou a arte da capa, evitando tocar nos volumes quase como se temesse acordar algum sentimento ainda nem perto de estar enterrado.
A história parecia contar sobre um mundo distópico, retratando rebeldes, governos corruptos e deuses superpoderosos.
Definitivamente não estava em sua lista de prioridades ou temas favoritos, mesmo com a fixação de Leo por franquias do tipo.
Após um tempo, aprendera a apreciar os desenhos e arte geral para ter algo sobre o que comentar nos longos monólogos onde o amigo tagarelava animada e ininterruptamente.
Sorriu com a memória e logo censurou tal expressão, balançando a cabeça.
"...É pra mim..."
Mentiu a si mesmo, selecionando um dos grossos exemplares antes de se dirigir ao caixa.

Na fila, observou os arredores mais uma vez. Estava em uma das livrarias mais antigas e bem preservadas da cidade.
Apesar de não ter tanta habilidade com a tecnologia, manejou tirar diversas fotos como Maia lhe pedira.
Estendeu o celular para o alto e fotografou a escadaria dupla que levava ao segundo andar, franzindo seu nariz quando percebeu o dedão cobrindo parte da foto.
Ouviu uma risada fraca, levantando o olhar para perceber que era o único sobrando na fila do caixa, tamanha distração. Uma garota perto segurou o riso e voltou a enfiar o rosto em seu livro quando Thiago a encarou, envergonhado.
Ele piscou algumas vezes, suas bochechas vermelhas ao seguir a faixa separadora até o balcão, entregando o livro de poesias de Maia, caderno pautado com capa bonita para Daniel, marcador de páginas e o grosso volume da comic futurística.
"...Você é bem eclético, né?"
Thiago saltou para o lado, assustado pela garota estrangeira que agora espiava atrás de si, avaliando sua sortida seleção de compras.
Murmurou um pedido de desculpas em português antes de cair em si, rindo tremulamente.
"São... São presentes."
Respondeu em espanhol, bochechas queimando.
"Você é do Brasil!"
A garota exclamou, sobrancelhas grossas levantando em animação.
"Só pelo sotaque?"
Ele riu, acostumado com a reação.
"Você falou português também, mas é."
Thiago sorriu torto, mais uma vez envergonhado pelo seu jeito atrapalhado.
"Eu ainda quero viajar pro Brasil, tá na minha lista!"
Ela exclamou vendo Thiago agradecer timidamente o caixa depois de receber as compras embaladas em papel estampado.
"Ir pro Brasil?"
Thiago pareceu confuso, quase achando graça nas palavras da garota.
"É, todo mundo fala tão bem! Futebol, samba... Rio de Janeiro..."
Ela abraçou o livro em seus braços, abrindo um sorriso maior quando Thiago segurou a risada para sua resposta.
"Deixa isso pros filmes e clipes de música, é o meu conselho..."
Coçou seus cabelos, mais acanhado do que deveria se sentir.
"Eu tenho cara de hétero?"
Pensou, ajeitando as sacolas de presentes embalados nos braços.
"Eu tenho cara de idiota."
Concluiu, franzindo o cenho. A garota ainda falava animadamente sobre experimentar cada estereótipo que o país poderia oferecer.
"Você tá ficando onde? Tem família aqui?"
Ela perguntou, tirando Thiago de seu transe.
"Não, na verdade. Eu venho todo ano, mas não. Eu e o meu pai ficamos no hotel da... De uma das ruas com nome de pássaro, agora eu não lembro."
Riu, mãos molhadas por dentro das luvas.
"Bom, quando você descobrir o nome do pássaro, me chama e a gente dá uma volta lá."
A garota convidou, estendendo um post-it em formato de pata de gato com seu número de telefone. Thiago encarou por alguns segundos, confuso ao imaginar por quanto tempo a garota estaria com o contato pronto para ser entregue.
Ainda sorrindo, ela grudou o post-it no casaco de Thiago.
"Meu nome é Lia. A gente se vê por aí, menino do Brasil!"
Ela piscou e deu a volta, deixando-o sozinho com suas sacolas e post-it queimando desconfortavelmente por cada camada de roupa até o peito.
Thiago encarou Lia se afastar, resgatando na mente o significado de seu nome. Sabia que provavelmente era uma variação de "Léa".
"Aquela que tem olhos doces."
Pensou enquanto guardava o post-it em segurança no bolso por pura educação.
"Ou vaca selvagem."
Repreendeu o pensamento, sufocando o riso ao enfrentar o frio do lado de fora.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora