O começo do inverno

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Era como se, mesmo que parecesse um sonho distante, um pesadelo contínuo, Daniel não pudesse receber um chacoalhão que lhe acordasse daquela realidade.
Não era do tipo de se enganar com palavras positivas falsas ou esperanças forçadas, mas parecia impossível de simplesmente se fazer acreditar que Leo estava sumido havia duas semanas sem tentar arranjar qualquer desculpa como tudo ser apenas uma elaborada pegadinha de mau gosto pregada pelo Grande Palhaço da turma.
A ausência de Leo na sala era visível mesmo após um tempo relativamente curto: os alunos se dispersavam cada vez menos, acabavam apenas prestando atenção na aula, os dias ficavam cinzas e monótonos, sem ninguém para desenhar uma bomba na lousa e organizar um grito de "BUM!" coletivo.
Seu celular não recebia mensagens, as ligações iam para a caixa postal e os professores pareciam esconder algo.
Na hora da saída de sexta, Daniel agarrou Thiago e Maia pelos braços e o arrastou ambos para a sala da Coordenação, inconformado com a falta de informação fornecida sobre o desaparecimento de Leo, como se o amigo existisse apenas em uma memória cada vez mais distorcida e distante.
Aquele foi o primeiro alarme.
Duas semanas se passaram, e a partir da primeira, a maior parte dos colegas desistiu de perguntar sobre a ausência de Leo.
"Cara, isso não vai funcionar..."
Thiago murmurou para Daniel, tentando impedir o amigo de bater na porta, parecendo desconcentrado, aéreo, conforme o tempo progredia sem Leo.
"Eu também tô preocupada, mas acho que iriam avisar caso qualquer coisa acontecesse... Quer...Quer dizer, somos os melhores amigos dele, Daniel."
Maia apertou o ombro ossudo de Daniel, dando um sorriso terno, mesmo que nervoso.
"Niel, se tão escondendo algo, seria mais fácil ir na casa dele direto, não?"
Assim que a sugestão foi formada e processada, Thiago se arrependia de abrir a boca e Daniel já puxava os dois pela saída, querendo tirar toda a situação a limpo de uma vez.
Leo era o que morava mais perto da escola, mas ainda sim o caminho durava uns bons quinze minutos de torturantes pensamentos intrusivos.
Deviam ter vindo antes?
Algo estava errado, definitiva e terrivelmente errado.
Ninguém ficava duas semanas sem olhar o celular.
Nenhum estudante sumia tão perto das provas finais do trimestre.
Tudo apontava para a catástrofe, como poderiam ter demorado tanto para ir atrás do amigo?
Leo seria o primeiro a procurar por qualquer um.
Thiago parou de andar ao notar que Daniel não estava mais ao seu lado, Maia parando logo em seguida e, olhando para trás, perceberam o garoto observando o lado oposto da calçada.
Seguindo seu olhar, notaram um pequeno mercadinho, com uma bancada de frutas velhas, uma placa enorme coberta pelos fios do poste localizado na frente do estacionamento sem uso, dizendo "Valmar's - Mini mercado e bar".
Não era difícil saber o que atraía a atenção de Daniel naquele lugar decadente com apenas dois senhores bebendo pinga e jogando damas na mesa amarela e vermelha de plástico barato. Assim, encostando a mão levemente no ombro do amigo, Thiago disse com a voz mais suave que pôde fingir:
"A gente pode comprar algumas porcarias pra levar pra ele... Se é nisso que 'cê tá pensando."
Maia sorriu levemente, a garganta apertada.
Era boa com intuições, porém com Leo estas sempre lhe pareceram extremamente mais intensas, e isso a preocupava.
Não sentia absolutamente nada.
Daniel assentiu fracamente, os olhos parecendo cada vez menos azuis e mais um cinza-tempestade, claramente perturbado.
"Quando foi que a gente parou de vir pra cá?"
A voz falhou, tentando traçar sua memória até a última vez em que foram passar o fim de semana na casa de Leo.
"Não faz tanto tempo, não deixa a sua cabeça te sabotar..."
Thiago respondeu baixo, envolvendo Daniel e Maia em um abraço por trás ao cruzar a rua vazia fora da faixa, praticamente lhes arrastando.
Logo, estavam despejando salgadinhos, latas de energético, barras de chocolate com amendoim e quatro dos sorvetes mais caros do freezer no balcão do caixa, como sempre faziam em quarteto no caminho da casa do amigo desaparecido.
"Ele pode ter perdido o celular... Você sabe, uma vez ele não respondeu por uma semana e acabou por estar entre as almofadas do sofá."
Thiago tentou levantar o clima, sorrindo torto para Daniel, oferecendo para segurar uma sacola.
"A gente só sabe disso porque ele ficou essa semana inteira reclamando sobre não poder checar o Twitter... Ele estava sem celular, mas na escola. ...Nada disso faz sentido."
O outro retrucou baixo, expressão séria, a franja novamente caindo sobre os olhos ao andar com o rosto voltado para baixo. Claramente desconfortável, Thiago desviou de um buraco grande no cimento com um pênis desenhado em volta, uma tentativa para agilizar o processo de manutenção da calçada. Não ficaria surpreso se conhecesse o autor do desenho.
"Vamos saber quando chegarmos lá. Eu deixo você esganar ele na minha vez."
Maia cutucou Daniel com carinho, o amigo forçando o canto dos lábios para cima, sem dizer mais nada.

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