Virose, ressaca e mágoa

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Auto depreciação, consumo de álcool, menção de suicídio, problemas com os pais;

Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡

>> Tenha uma boa leitura:)


"Voltando mais cedo pro Brasil, peguei uma virose. Eu aviso quando chegar."

"Eu... Prefiro não tomar."
Thiago respondeu com um sorriso torto.
Leo deu de ombros, novamente virando a garrafa furtada do armário de licores de seus pais.
"Eu não bebo."
Disse de repente, arqueando as sobrancelhas, com olhos perdidos por trás dos óculos.
"Eu sei que você não bebe."
Thiago assegurou.
"...É."
Leo deu mais uma longa golada.
"Isso não é forte...?"
Thiago perguntou baixo, preocupado.
"Não sem umas duas cartelas de anti depressivos, Thiago. E eu tenho preguiça de ir pegar no quarto."
Leo respondeu, deixando a garrafa pela metade na mesinha de centro. Pegou o controle da TV e suspirou, navegando entre diversos canais desinteressantes.
"Ah. Sim."
Thiago assentiu, bochechas avermelhadas.

"...'Cê pode ir."
O outro disse de repente, fechando os olhos ao recostar a cabeça contra o sofá com um suspiro.
"Você não... Me convidou.
Eu vim porque tô preocupado."
Thiago gaguejou, mesmo que decidido a ficar.
"...Eu não vou me matar."
Leo retirou seus óculos, deixando-os pousados sobre o colo.
Os cílios eram escuros e longos, apesar dos olhos pequenos.
Havia uma pinta abaixo do olho esquerdo.
Castanha e redonda, como a que se localizava ao lado de uma narina e diferente da perto de sua sobrancelha. A que parecia um coração.

Ele voltou a fitar o teto, silencioso.
"'Cê pode ir."
Repetiu com mais firmeza.
"...Eu não vou."
Thiago respondeu sem desviar o olhar.
"...Sabe, Thigo, você é um amorzinho muito teimoso."
Reclamou, coçando o nariz com a palma da mão.
"'Cê vai aprender, por bem ou por mal, a largar o osso quando 'cê não tem chance de ganhar. Um dia."
Adicionou.
"Você também."
Thiago retrucou, sorrindo para o amigo, que riu fraco.

Fechou os olhos na aterrissagem, suspirando uma prece de agradecimento silenciosa.
Thiago bocejou e então estremeceu de dor, sentindo os pontos em seus lábios fisgarem por baixo da máscara preta que cobria ambos nariz e boca.
Mais uma vez repreendeu a si mesmo:
Certos movimentos ainda não lhe eram permitidos.
A aeromoça que lhe acompanhava legalmente tocou seu ombro, confusa.
Thiago dispensou a ajuda, olhos úmidos pela dor aguda rastejando por todo o rosto.
Devagar, tirou a bolsa estilo carteiro debaixo do banco de trás, tateando por sua moeda em contraste ao tecido. Sorriu, aliviado, quando sentiu o formato familiar contra a ponta dos dedos.
"Tudo bem, a gente pode ir."
Murmurou para a assistente, que sorriu e assentiu, afagando ambos seus ombros mais uma vez.

Leo sorriu para o teto, novamente encostado contra o sofá.
"'Cê não acha estranho o quão incerta a vida é?"
Thiago suspirou com uma risada, levando o olhar para a mesma direção que Leo fitava.
"É, é assustador, Leo."
Concordou.
"Um dia 'cê pode só acordar e toda a sua vida tá diferente por uma coisa que você não controla.
'Cê pode um dia acordar milionário, ou sem nada. Isso por... Por quinhentas coisas que ninguém controla.
Tipo a natureza ou, sei lá, um curto-circuito numa tomada."
Leo elaborou, voltando a garrafa aos lábios.
"Não ter controle é assustador."
Thiago afirmou, voz suave e paciente.
"Eu sei.
... Controle do futuro é uma coisa muito...- Até do presente, se 'cê pensa, tudo é... Eu não sei o que eu quero falar."
Leo desistiu de se explicar, parando de falar por alguns sólidos segundos.
Thiago observou em silêncio enquanto Leo bebericava o licor mais uma vez.
Possuía cheiro enjoativo de mel e limão, tom marrom escuro.
Leo não parecia gostar.
"Outra coisa que eu odeio?
Escuro. Ah, cara..."
Riu, passando novamente a mão pelo rosto, ainda sem seus óculos.
"...Você tem medo do escuro...?"
Thiago franziu as sobrancelhas, confuso.
"Quer... Quer dizer, eu não sabia."
Completou.
"Não é medo, é quase pânico. Medo é fraco pra uma coisa tão... Irracional."
Leo refletiu, bebendo mais uma vez.
"Meus pais ficam putos que... Que eu durmo com o abajur aceso. E às vezes eles passam no meu quarto e desligam enquanto eu durmo.
... Então pra não... Acordar em pânico, eu durmo de janela aberta. Aí entra a luz do poste da frente.
Isso é uma coisa que eu... Controlo.
O medo não.
... Nem os meus pais apagando a porra do abajur."
Explicou, sem reclamar quando Thiago retirou a garrafa de suas mãos, colocando-a no chão perto dos próprios pés.
"Quando a gente dorme na casa do Dani você... B-Bom, você nunca nem falou disso."
Thiago relembrou.
"É, mas é diferente.
É horrível, só que não dá pra atrapalhar três pessoas dormindo com a lanterna ligada.
...Além disso, ter companhia deixa menos assustador."
Leo sorriu, olhos sonolentos.
Afagou as orelhas de sua cadela, que saltitou para longe, apenas de passagem.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora