⚠️ AVISO DE GATILHO: Cicatrizes
Prossiga com cuidado!"Por aqui, todo mundo me conhece como Rato. Sabe, olhos em toda parte, prefere o submundo... Asqueroso."
'Rato' riu, seguindo na frente de Leo e guiando o caminho por uma rua residencial mais iluminada comparado a que estavam antes, um "atalho" até o dito bar. Leo continuava com o canivete em mãos, não esboçando emoção para as investidas do outro em puxar assunto.
"Acho um apelido um pouco degradante, mas ninguém vai querer negociar com um cara chamado Minduim ou Quindim."
Houve uma pausa, como se Rato lembrasse de alguma situação não muito divertida.
"Negociar?"
Leo não conteve a curiosidade, franzindo as sobrancelhas.
"Ah, é. Coisa de 'abatedor de carteiras'"
Rato praticou uma voz fina, querendo imitar o modo que Leo lhe chamara minutos antes. O menino não respondeu, voltando a fitar as costas do delinquente mais velho, seu casaco surrado modelo de aviador, mãos nos bolsos e jeito malandro de andar, como se a rua lhe pertencesse.
"Rato, hm?"
Repetiu baixo, enrolando a língua ao analisar cada letra e sonoridade do apelido.
"E o seu nome é...?"
O maior perguntou, olhando para trás brevemente.
"Com certeza não é Rato."
Leo respondeu em tom seco, levando o canivete à luz do poste de luz mais próximo quando passaram por este, finalmente enxergando a inscrição em prata: "Santiago"
"Ei, eu falei que isso aí é pessoal, menino."
Rato sorriu, lançando um olhar rápido por cima de seu ombro. Leo continuou mudo, abaixando o olhar para o chão onde pisava alguns passos após o mais alto passar.
Se tivesse de lhe descrever da maneira mais objetiva possível, poderia comparar o garoto a um Menino Perdido, com as roupas sujas vários números acima de seu tamanho, cabelos bagunçados e olhar cansado, quase selvagem.
Rato sorriu mais uma vez, voltando o rosto para frente. Via muito de si em Leo.
"Ali, ó, moleque. Já vou avisando que não é nenhum jantar à luz de velas!"
Leo se manteve em silêncio, apertando os olhos para enxergar apropriadamente a placa do local.
O nome "Burgão do Tio Chris" era iluminado por contorno amarelo neon, algumas letras falhando e tornando a frase em "Bu gão do Tio Ch is", o que dificultou ainda mais sua leitura.
Não comentou a aparência decadente do boteco, a mesa de sinuca capenga com bolas faltando nem o mofo nas paredes, afinal, comida grátis sempre seria comida grátis.O cheiro de fritura atiçou seu estômago, visão parcialmente ofuscada pela luz branca refletida nos azulejos frios do chão. Assim que entraram, um homem de meia idade e rede protetora nos cabelos, absolutamente não compensando seu bigode grosso, acenou para ambos da pequena janela por trás do balcão de pedidos e bebidas.
"Ei, Tio, tudo bem?"
Rato exclamou, sorrindo grande ao cozinheiro, que pareceu igualmente contente em lhe ver.
"Não vai me falar que vai dar uma de Otto?"
O homem perguntou, apontando para Leo com uma espátula grotescamente engordurada. O menino encolheu os ombros e desviou o olhar para seus pés, expressão vazia.
"Nah, esse aqui é passageiro, nem olha na minha cara."
Rato deu de ombros, afagando as costas de Leo de maneira exagerada e desconfortável."Quem é Otto?"
Perguntou em tom seco quando ambos se acomodaram em uma das mesas de plástico amarelo e vermelho.
"Qual seu nome?"
Rato disparou de volta, sorriso malicioso.
"Uma pergunta por outra, a gente joga assim."
Completou.
"Você não precisa saber."
Leo sibilou, olhando Rato de baixo para cima sem qualquer brilho, negando qualquer permissão para explorar seu interior, alcançar seu afeto.
"Não, mas ia ser melhor do que ter que te chamar de 'guri' e 'moleque', eu acho."
Rato balançou os ombros em indiferença, como quem diz "Ah, poxa, eu tentei."
Leo encarou o mais velho em silêncio por alguns segundos antes de suspirar.
"Meu nome é Juno."
Mentiu.
"Quem é Otto?"
Repetiu sua pergunta.
"Isso aí é nome de menina!"
Rato exclamou, gargalhando enquanto Leo sentia suas bochechas corarem. Lembrava-se de gostar do nome ao ouvir Thiago contar sobre algum livro que estivesse lendo anos atrás, tinha quase certeza de que a personagem era extremamente poderosa e genuinamente não possuía problemas com o gênero original vinculado à palavra.
"Teu nome é Rato, babaca!"
Retrucou irritado, vendo Rato limpar uma lágrima imaginária.
"Válido, ok, princesa..."
Ele ainda sorria, segurando o riso.
"É o pior nome falso que eu já ouvi."
"Quem é Otto?"
Leo ignorou, encarando Rato diretamente, cabeça levantada.
"'Cê é ranzinza demais, Deus... Otto é só um cara que eu conheço."
Deu de ombros, levantando um cardápio molenga e manchado.
"Não é só isso."
Leo se queixou, mordendo suas bochechas por dentro.
"Não, mas aí você me responde outra pergunta, né?"
Rato sorriu por trás do cardápio, abaixando-o e passando para Leo através da mesa.
"Eu recomendo o 'Calabacon', é o mais lotado de porcaria e dá uma boa energia."
Apontou para a opção de nome questionável.
Leo considerou cada sanduíche do cardápio, e, apesar de não parecer apetitoso, sabia que a sugestão seria aquela a lhe manter de pé por mais tempo.
"É. Ok."
"'Cê não tem idade pra beber não, né?"
Perguntou Rato, levantando-se para fazer os pedidos.
"Não quero bebida sua."
"Criatura desconfiada, cacete..."
Reclamou, seguindo até o balcão do caixa, onde uma senhora de meia idade anotava e cobrava o jantar, bochechas rechonchudas avermelhadas e olhos azuis gentis, como os de uma antiga professora de Leo.Rato voltou e se sentou em silêncio, observando o garoto por demorados e desconfortáveis segundos, apesar de não sorrir maliciosamente como sempre fazia. Apenas encarava, como se analisasse opções, vantagens e desvantagens em sua mente.
Novamente, o olho esquerdo brilhava em tom mel quase dourado, diferente do oposto, que parecia fitar o vazio, esbranquiçado e sem vida.
O garoto levou as mãos ao balcão, apoiando-as sobre o canivete ainda vigiado e protegido mesmo em público onde, teoricamente, Rato não poderia lhe machucar se assim quisesse.
O mais alto notou no breve momento em que suas mangas escorregaram pelos braços, as gazes, faixas e curativos até a altura do pulso. A partir dali, as mãos possuíam feridas recentes e mais pálidas do que a pele negra clara, manchando as costas destas até alguns dedos, repletos de bolhas e descascados.
Finalmente desviou o olhar para baixo, franzindo o cenho.
Leo observava cada movimento na mesma desconfiança e frieza que não reconhecia em si.
"...Olha, Juno."
Ele pronunciou o nome de maneira errada, mesmo que não de propósito. O olho cor de mel adquiriu um brilho pensativo, quase melancólico.
Abriu e fechou os lábios em diversas tentativas de verbalizar o que sentia, por fim dando espaço ao silêncio.
Tinha certeza de que nada dito seria bem recebido, já estivera na mesma situação de desconfiança e medo que via tão presente na postura do outro.
"Eu só vou comer e te devolver essa merda. E a gente vai cada um pra um lado."
Leo estabeleceu, levando o olhar ao canivete e delicadamente passando os dedos pelo relevo frio do nome gravado.
"Então, que tal eu te dar duas perguntas pra cada uma que eu fizer?"
Rato sorriu, arqueando as sobrancelhas em expressão divertida, perdendo qualquer resquício do antigo semblante agitado.
"Você é um-"
A senhora do caixa chamou por Rato, que levantou, batendo duas vezes com os dedos na mesa de plástico ao passar.
"Pensa nas suas perguntas, ô Princesa."
"Esquisito."
Leo sibilou, mostrando os dentes para as costas do outro, que ria ao receber uma bandeja de plástico com os sanduíches, duas latas de refrigerante e um saco reciclável de batatas fritas.
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No próximo inverno
Romance⚠️ HIATUS INDEFINIDO ⚠️ Esta história, apesar de ainda estar em produção, vai ser inteiramente revisada antes da sua finalização, tendo em vista que começou a ser escrita há mais de dois anos atrás! Por isso, estando ainda disponível para a leitura...