Distribuindo memórias, cartazes e curativos

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Luto, depressão, menção de pais negligentes e menção de bullying;
Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡

>> Tenha uma boa leitura:)


⚠️ Conteúdo sensível, colocarei outro sinal quando terminar! ⚠️

"Eu tô saindo, ok? 'Cê tem certeza de que não quer vir junto...?"
Maia perguntou uma última vez, tom suave, encostada na porta do quarto de Daniel. Todas as luzes estavam apagadas, o rosto do amigo era iluminado apenas pela tela de seu notebook, que passava novamente pela terceira temporada de sua série de conforto.
Daniel estava enrolado em seus cobertores, privado da luz do sol há pelo menos uma semana inteira, assistindo diversos programas e parando apenas para ir até o banheiro ou buscar comida na cozinha.
Ele não respondeu, sem levantar os olhos do computador.
"Ia ser bom você respirar um pouco lá fora... E eu acho que me ajudar ia te fazer se sentir útil."
Maia explicou, dando tapinhas em sua bolsa para enfatizar o peso de estar repleta de cartazes de Desaparecido prontos para serem espalhados pela cidade mais uma vez.
Daniel continuou em silêncio.
"Eu também tenho vontade de ficar assim o dia inteiro, todo dia. Mas não vai me fazer sentir melhor."
Ela estendeu o monólogo por mais um tempo.
"Já tive um mês inteiro comendo sorvete chocomenta, você viu isso..."
"Então me deixa ter o meu mês."
Daniel respondeu em voz rouca, sem tirar os olhos da tela.
Maia se calou, desviando o olhar para o espelho, que era emoldurado por diversas fotos antigas do grupo de amigos, coladas com fita adesiva estampada. Pelo que julgou ser um truque de luz, o rosto de Leo parecia estar riscado em uma delas.
"Eu volto no fim da tarde, a gente pode assistir isso aí junto. Se você ainda não tiver enjoado, porque até eu já decorei todas as falas."
Ela sorriu, esperando qualquer reação.
"Me manda mensagem se precisar, eu venho correndo."
Daniel assentiu coçando seu nariz com a manga do moletom antes preto, agora uma mistura de cores pela lã e tecido de seus cobertores.
"E vê se almoça."
Maia ordenou, fechando a porta novamente em um suspiro.

⚠️ Sinalização! Já é seguro pra ler! ♡ ⚠️

Andando pelo corredor dos quartos, naquele apartamento que era uma cópia inversa do seu, observou as paredes repletas de retratos e desenhos infantis enquadrados, na companhia do grande quadro de cortiça contendo bilhetes semanais de Helena para os dois, um rabisco antigo feito por Maia à mãe de coração e a foto onde apareciam bebês no colo de sua avó.
Alguns dos post-its coloridos deixados por Helena traziam variedades de frases inspiracionais, lembretes domésticos a Daniel e listas de compras, estrelando os frequentes:
"Daniel, para de deixar as suas meias na sala!! Eu achei três pares diferentes debaixo do sofá ontem!" junto de uma carinha não muito feliz desenhada em caneta vermelha;
"Manteiga, bisnaguinhas, ovo, suco (Laranja natural - Maia), Bala de canela" o último item escrito com a letra de Daniel;
Além de múltiplas frases bregas ditas por autores que Maia não recordava os nomes.
Provavelmente brancos, e mortos.

"E aí?"
A voz de Helena veio do fim do corredor, sorrindo tristemente ao segurar uma grande caneca de chá entre as mãos.
Era uma mãe jovem, Maia sabia que a moça tivera de amadurecer muito mais rápido do que qualquer um deveria, e admirava isso de certa forma.
Helena sempre seria sua mãe de coração, seu modelo parental. Criara Maia tanto quanto sua avó Inês o fez durante todos os fins de semana e férias de visita, até o dia em que a menina se mudou definitivamente ao apartamento da frente para viver com Inês ao invés dos pais.
Passou então os próximos cinco anos dormindo mais no quarto de Daniel do que no próprio, frequentando almoços, feriados e programas da família Méndez. Ela sabia que mesmo com a criação rasa, problemática e negligente dos pais biológicos, cada minuto da infância que compartilhara com o amigo não poderia ter sido melhor, mais genuíno ou repleto de amor.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora