Dezessete

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Ansiedade, Transfobia, auto mutilação, família abusiva;
Prossiga com cuidado!
Colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡

⚠️  Conteúdo sensível, colocarei outro sinal quando terminar! ⚠️

"Mais uma vez. Respira."
Maia segurava as mãos de Leo, ajoelhada à sua frente enquanto o outro estava sentado na cama.
Sol entrava pela janela do quarto, que levava diretamente ao jardim da casa do amigo, refletindo seus raios dourados finais na parede do armário e porta, ambos feitos da mesma madeira escura que decorava os móveis na sala.
"Qual o seu nome?"
Perguntou, olhando fundo nos olhos de Leo.
"Leo."
Respondeu baixo, voz trêmula.
"Quantos anos você tem, Leo?"
"Dezesseis."
"Qual a cor das suas meias hoje, hm?"
"São as estampadas com cogumelos. São bege, com branco e vermelho."
Maia assentiu, apertando carinhosamente as mãos do amigo, respirando devagar para que o outro lhe imitasse.
"Você tá vendo o que por aqui?"
"Eu tô vendo..."
Leo olhou ao redor de seu quarto, engolindo com dificuldade.
"As minhas comics na estante.
O meu fichário da escola.
O meu notebook."
"Ótimo. Suas coisas tão nos lugares de sempre, né?
Você sente algum cheiro? Presta atenção e vê se sente algo."
Ele fechou os olhos por alguns segundos.
"Eu sinto o cheiro do seu creme. Que eu disse pra não passar porque é de cabelo liso e estraga seus cachos."
Maia sorriu, passando as mãos pelos braços de Leo, como se para aquecê-los.
Ele forçou um sorriso de volta, ainda pálido e frágil.
"Você tá bem."
"Eu tô bem."
Ambos inspiraram fundo, e então soltaram o ar.

"Leo. Dezessete.
Eu tô com meias brancas.
Não são minhas, me deram.
As minhas meias tavam em casa, e eram bem mais bonitas."
Leo sussurrou para si, fincando as unhas contra as próprias costas ao abraçar-se.
"Eu não tô tão bem, mas vou ficar."
Adicionou, observando a paisagem passar devagar pela janela com tranca de segurança ativada, sentado no carro que lhe levaria ao seu novo lar.
"Leo. Dezessete. Logo dezoito.
As minhas meias são brancas, mas não são minhas.
Eu vejo... Vejo gotas no vidro, porque tá garoando. Eu vejo as pessoas com roupas de inverno.
Eu... Gosto do frio. Nunca gostei, mas agora prefiro."
Recomeçou, pausando para umedecer os lábios.
"Eu sinto cheiro de perfume artificial pra carro. Deve tá vencido. E é forte.
Eu..."
Leo se interrompeu, encostando uma mão na testa.
Havia sangue e pele debaixo das unhas com esmalte preto descascado praticamente por inteiro.
"Eu não consigo, Maia."
Murmurou antes de passar ambas as mãos pelo rosto, manchando-se de vermelho.

⚠️ Sinalização! Já é seguro pra ler! ♡ ⚠️

"Você tem que sair agora."
Ouviu de algum lugar distante, ainda processando a voz feminina, pensando pertencer à amiga por um segundo.
"Leo? Chegamos."
Até perceber o carro parado, sua porta aberta e que chamavam por seu nome, Leo demorou para voltar a si e retomar a situação em que se encontrava, fitando um ponto no vazio antes de se mover.
Observou os arredores discretamente, como se ainda esperasse encontrar Maia em sua frente, segurando a porta aberta para que pudessem voltar para casa.
Precisou de alguns segundos antes de se sentir apto a levantar, olhos voltados ao chão, evitando qualquer espécie de contato alheio.
O céu agora estava pintado em tons de azul cinzento cada vez mais escuro, os postes de luz já acesos, a chuva aumentava moderadamente.
Leo não tinha certeza de quanto tempo permanecera "fora do ar" dentro do carro. O sangue debaixo de suas unhas parecia fresco, o de seu rosto não. O choro caía de repente sem que controlasse ou sentisse resquício algum de absolutamente qualquer sentimento. Sentia-se um robô construído unicamente para derrubar lágrimas, como se sem saber o porquê.
Arrastou os pés para fora do veículo com dificuldade e seguiu a moça que lhe acompanhava desde o hospital, subindo as escadas de pedra até duas enormes portas de madeira escura.
Nem ele, nem a assistente social comentaram o sangue seco pintando seu rosto ou as bochechas molhadas de lágrimas caídas sem aviso, muito menos permissão de Leo para tal.
Recebeu um olhar penoso da moça, que o posicionou pelos ombros no topo das escadas e se afastou sem mais palavras.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora