Thiago, Daniel e uma mala só de livros

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Menção de abuso doméstico, violência, descrição de hematomas/machucados, menção de armas de fogo.
Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡
>> Tenha uma boa leitura:)

"Foi o meu pai."
Thiago murmurou de repente.
Leo voltou os olhos escuros para o amigo, sobrancelhas arqueadas como se ainda processasse o que o outro havia dito, as pernas balançando sobre o vão entre a pilha de colchonetes e o chão do ginásio lá embaixo.
A luz da manhã mal entrava pelas inúmeras janelas estreitas no teto, deixando-os numa penumbra confortável aos olhos.
"Meu pai que..."
Thiago sinalizou o braço engessado com um gesto mínimo, quase imperceptível.
"Ele ficou... Bravo.
Bravo que a Ester foi embora. E que um dia eu, sei lá, possa tentar fazer igual.
Acho. Quem me dera."
Explicou.
Leo perdeu seu sorriso leve, engolindo ruidosamente e voltando a encostar as costas contra a parede áspera da quadra antiga.
"Ah, sim. Que merda."
Respondeu devagar, coçando os cabelos curtos e então desviando o olhar para o chão ao longe.
"...Seu pai é um merda."
Acrescentou, o que fez o amigo engasgar uma risada fraca. Thiago assentiu.
"Na maioria das vezes. Ainda é meu pai, acho. Mesmo torcendo meu braço por algo que eu nem tenho culpa de ter acontecido."
Deu de ombros, os dedos da mão boa roçando de leve contra o gesso, contornando cada mensagem escrita em caneta colorida.

"Daniel Méndez
Melhoras:)"
"Maia Terrado
Todos precisam de um lar."
"Leo FdC"

Leo entortou o nariz achatado, ajeitando seus óculos enquanto pensava em uma resposta.
"É, no papel, claro.
Não é como se você fosse obrigado a, tipo, falar com ele pra sempre. Eu com certeza vou sumir da vida dos meus quando fizer dezoito."
Explicou o mais velho, dando de ombros com um sorriso travesso.
"Eu sou só uma camisinha estourada no réveillon, não vou fazer falta."
Brincou, cutucando o amigo com o cotovelo.

⚠️ Conteúdo sensível, colocarei outro sinal quando terminar! ⚠️

Thiago esboçou um sorriso enquanto fitava seus pés em transe, lágrimas ferventes escorrendo pelas bochechas avermelhadas.
O quarto de Daniel era iluminado apenas pela luz fraca do corredor, que entrava por uma fresta na porta coberta de posters. Ao redor dos dois, o papel de parede azul-bebê com nuvens pintadas à mão trazia sua familiaridade reconfortante e tão necessária no momento.
"Thiago."
Daniel chamou mais uma vez, apertando os ombros de Thiago com ambas as mãos.
O jovem levantou o olhar, perdendo a fração de sorriso que possuía ao encarar diretamente a expressão preocupada de Daniel.
Sentavam-se na borda da cama desarrumada. Thiago abraçava um travesseiro.
"Você tem que me falar o que aconteceu agora."
Repetiu, limpando cada lágrima que descia pelas bochechas já molhadas do outro.
"Você chegou aqui com as costas roxas e um ombro deslocado, Thiago, e você ainda não disse nada. Olha 'pra mim?
Sou eu que tenho que convencer a minha mãe a não chamar a polícia, então você pode por favor me dizer o que aconteceu?"
Daniel tentou mais uma vez, segurando o rosto do mais alto entre as mãos e o forçando a olhar para si.
Os olhos de Thiago pareciam foscos, ainda que brilhantes pelas lágrimas. Sem qualquer vida ou foco.
Apesar de encarar Daniel diretamente, não parecia conseguir enxergar sua figura.
"Eu não sei como eu vim pra cá."
Ele manejou um gaguejo, voltando o rosto para chão como se estivesse atordoado demais para manter a cabeça ereta.
Alguns pingos de sangue sujavam seu suéter amarelo favorito.
"Você disse que veio andando. E trouxe duas malas.
...Uma delas só tem livros."
Daniel repetiu pela terceira vez, lábios trêmulos. Seu toque era morno, ainda que a ponta do nariz comprido estivesse gelada em ansiedade.
"É, eu tinha que trazer os meus livros. As plantas ficaram."
Thiago balbuciou, procurando algo em seu bolso e então retirando uma moeda de um real, apenas apertando-a forte em sua mão.
"Você saiu de casa, Thi?"
Daniel questionou em voz suave, deslizando uma mão para acariciar o ombro recém-ajustado por Helena.
A mãe de Daniel andava de um lado para o outro na sala, ainda esperando que o filho obtivesse qualquer sucesso a entender o ocorrido.
"Eu saí de casa?"
Thiago repetiu a pergunta para si mesmo, intensificando o correr das lágrimas cintilantes contra a pele escura.
"Minhas plantas vão morrer."
Murmurou, piscando para afastar a água dos cílios.
"Não consigo mexer as minhas mãos."
A voz tremeu, Thiago parecendo gelado e frágil ao toque, inteiramente paralisado pela ansiedade, olhos vidrados em um ponto vazio à sua frente.
Daniel pausou por mais algum tempo, observando-o com olhos cansados e a mandíbula cerrada.
"Ele veio 'pra cá, de todos os lugares. Veio me ver, mesmo sem saber como chegou aqui."
Devagar, passou as mãos num carinho delicado por seus ombros e pescoço, subindo-as até o rosto do outro e segurando suas bochechas entre as palmas mornas.
"Eu não vou forçar. Ele só vai piorar se tentar falar mais nesse estado."
Daniel beijou sua testa demoradamente, abraçando-o logo após.
"Tira o jeans, tenta dormir um pouco. Você já jantou, né?"
Sugeriu, acariciando sua nuca. Thiago assentiu de leve, de modo tão fraco que poderia ser confundido com mais um tremor involuntário.
"A gente vai resolver isso, hm? Prometo."
Sussurrou, os lábios contra a pele suada de seu pescoço. Thiago balançou a cabeça mais uma vez, apertando-o com a intensidade de um reencontro de aeroporto.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora