A adoção de Daniel

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Bullying, disforia, dissociação, violência, luto;
Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡

>> Tenha uma boa leitura:)


"Pra mim... 'Cê tem cara de Daniel."
Leo concluiu de repente, fechando sua comic entre um dos dedos para marcar a página.
"Daniel."
Daniel arqueou as sobrancelhas através do espelho do banheiro, encarando o amigo.
"Eu tava pensando em algo mais místico... Tipo Apollo, ou Ícaro, ou Saturno, ou Eros, ou..."
Maia tagarelou, penteando as mechas de Daniel entre os dedos para começar o primeiro corte do irmão.
Estava feliz de poder fazer aquilo pelo outro, mesmo que significasse desperdiçar o cabelo mais longo, liso e belo que conhecia em um corte não profissional.
"Maia."
Ele interrompeu, a amiga se calando.
"Eu... Gosto de Daniel."
Afirmou, abaixando os olhos para a pia e então apenas esperando que a ação começasse.
"Vai ser como isso aí mesmo?"
Leo perguntou casualmente, sentado sobre o cesto de roupa suja que surpreendentemente aguentava o seu peso.
"Curto, mas não tanto, eu acho."
Daniel murmurou.
"Vou deixar o mais curto que der sem dar pra desconfiarem."
Maia prometeu.
"Não é como se ninguém soubesse, né? Olha pra cara dele!"
Leo apontou para Daniel pelo espelho, recebendo um rosnado.
"Meninas lindas e femininas não são tão assustadoras!"
Gargalhou.
"Sua validação me emociona."
Daniel ironizou, carrancudo.
"Disponha!"
"OKAY, dois..."
Maia interrompeu, posicionando a cabeça de Daniel para cortar seus longos cabelos, agora amarrados em um rabo de cavalo frouxo.
"A gente rapa tudo isso e aí ajeita, tem certeza, né...?"
Perguntou uma última vez.
"Eu quero cortar."
Daniel respondeu, firme.
"Se você fosse num cabeleireiro de verdade, dava pra doar tudo... Um desperdício..."
Ela reclamou, corando ao perceber a expressão triste do irmão.
"Mas tudo bem, eu... Gosto de poder cortar pra você."
Acrescentou.
"Vendemo' no mercado negro, ninguém pergunta da onde veio."
Leo deu de ombros, virando outra página da comic.
"Você é insuportável."
Daniel reclamou.
"Não fala assim co' teu cunhado..."
Leo limpou lágrimas falsas, dramatizando uma voz magoada.
"... Esse casamento imaginário de vocês não tem a minha benção."
Daniel retrucou, sorrindo.
"Ou a Maia, ou a Dona Helen-"
Calou-se quando Maia começou o corte acima da marca do elástico, o trio tão tenso que não pareciam respirar.
O rabo de cavalo de Daniel foi cortado com facilidade, tendo em vista o quão finos e delicados seus fios eram.

Os três soltaram a respiração ao mesmo tempo.
Maia largou o rabo no chão para pentear os cabelos restantes e então ajustar o corte.
"Caralho, isso é curto."
Daniel murmurou, olhos arregalados para o espelho.
"Mais que o meu. Agora a gente arruma, tá tudo meio desnivelado..."
Maia respondeu carinhosamente, deixando que Daniel acariciasse os próprios cabelos curtos.
"Eu até que gosto assim."
Confessou. Leo estava silencioso.
"Tem parte reta e parte mais comprida, Daniel, não funciona assim!"
A irmã riu doce.
Os olhos azuis de Daniel encontraram Leo através do espelho, abrindo um sorriso genuíno. O amigo sorriu de volta, ajeitando seus óculos com as bochechas coradas.
"Eu voto em deixar assim."
Pronunciou-se.
"Leo, 'cê não ajuda! Assim tem cara de tesoura, e bem cega ainda!"
Maia exclamou.
"Dois contra um."
Daniel soltou uma risada doce pela primeira vez em muito tempo.
"Vocês são doidos!
Não vai sair falando que eu que cortei então..."
Ela reclamou, beijando a bochecha do irmão.
"Bem-vindo, Daniel."

Daniel piscou na frente do espelho, voltando ao presente. O banheiro estava na penumbra da madrugada, iluminado pela luz fraca de seu celular.
Ele suspirou, arrepiando-se quando um trovão alto ressoou pelos céus.
A luz branca da tela deixava seu rosto ainda mais cadavérico, olheiras ressaltadas e cabelos mesclados com a escuridão atrás de si.
"Em pensar que foi... Você."
Daniel murmurou, buscando os remédios para ansiedade no armário atrás do espelho. Mais uma vez, tomava a dose com atraso.
"Você que soube antes de qualquer um.
...Você que me tirou do armário pra mim mesmo, quando eu não queria me aceitar. E agora você que me transforma nisso."
Disse em pensamento.
Encarou sua reflexão.
Era miserável, mórbida.
"Você tá acabando comigo sem fazer absolutamente nada.
E é isso que dói. Você não faz nada."
Discutiu na própria mente, como se o desabafo poderia alcançar Leo de algum modo.
"E eu não gosto disso que você tá... Fazendo.
Eu não gosto dessas... Coisas... Que tão crescendo dentro de mim.
E eu preciso que você volte pra isso parar, e pra eu te encher de porrada. Os dois."
Arqueou as sobrancelhas para si mesmo, perdendo a visão quando a luz do celular apagou sozinha.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora