Juno-Calypso Fernandez

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Dissociação, disforia.
Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡
>> Tenha uma boa leitura:)


"Então Fernandez e Calypso."
Diego recapitulou, sua voz cortando o escuro diretamente até a outra cama, onde Leo deitava de barriga para cima. Os cobertores estavam desarrumados, tinha um pé para fora do colchão e os olhos fixos no teto inclinado.
A primeira semana no apartamento do novo amigo havia sido melhor do que qualquer único dia passado nas ruas.
Apesar do chuveiro com uma goteira fria no meio da água quente, o modo como Diego mastigava salgadinhos ao assistir televisão e o ranger dos móveis de madeira durante a madrugada.

"É bom não acordar sozinho, também."
Acima de tudo.

"Sim. Leo Fernandez de Calypso."
Leo respondeu baixo.
Mesmo com aquela mancha vermelha no carpete do corredor, as centopéias do box e a incerteza de quando a próxima visita tensa de Otto iria ocorrer.
"Tipo a banda."
"Não. Tipo a menina da ilha, com Y. O mito grego."
O garoto corrigiu, voz monótona.

"Apesar de tudo, ele é um amigo. Velho, suado e meio grudento. Mas, um amigo.
Que tentou me assaltar com um canivete e eu derrubei no chão."

"'Cê tem um sobrenome grego?"
"Eu não faço ideia de onde vem. Acho que inventaram na hora da certidão. Se pá é um composto."
Leo murmurou.
"Eu nunca perguntei."
Disse, certo arrependimento em suas palavras.
"Juno-Calypso Fernandez...? Eu acho que Diego Santiago de Oliveira é mais brasileiro, hein?"
Diego brincou, ligando a tela de seu celular surrado e apontando na direção de Leo, que foi iluminado pela luz pálida. Ele grunhiu, fechando os olhos e cobrindo a cabeça com os cobertores.
"Dois de três não são brasileiros. São hispânicos."
Respondeu em voz abafada pelo tecido.
"A gente é quase primo então, ô Fernandez!"
Diego provocou, jogando uma meia na direção de Leo, que retrucou com um chinelo e uma gargalhada.

Aquela primeira semana se multiplicou, e então "mais alguns dias" se tornaram outros vários.
A promessa de sua partida ia sendo adiada, uma desculpa por vez.

"'Tá frio hoje."
"Agora já 'tá tarde, vai de manhã."
"A gente junta um dinheiro, aí 'cê vai."
"Choveu, a rua alagou."
"Hoje é o capítulo final da novela."
"Calabacon, Junho!"
"Nem ferrando, é sexta do filme."
"'Cê espirrou quatro vezes de manhã, vai que é um resfriado."
"Nah."

Leo ajudou a arrastar o móvel porta-tralha no corredor para cima da mancha de sangue do carpete, tentou aprender a mexer na máquina de lavar caindo aos pedaços e jogou fora a terra infértil daquele vaso vazio na cozinha.
Após pouco tempo de recuperação, para ter certeza de que as queimaduras de alguns meses atrás não voltariam a piorar, ajudava Diego com seus bicos diversos; Carregava mercadorias em padarias e barzinhos locais, lavava louça em eventuais restaurantes que não lhe perguntavam sua idade e oferecia levar as compras de senhorinhas até suas casas por alguns trocados.
No fim do primeiro mês, Otto não aparecia há pelo menos uma semana.
A rotina se tornava crescentemente automática; Diego acordaria e faria o café da manhã. Então, comeriam assistindo televisão, dividindo o sofá pequeno mesmo em dias de calor.
Em dias de número par, Leo era o primeiro a tomar banho no único banheiro do apartamento. Nos ímpares, Diego quase acabaria com a água quente, cantando alto no chuveiro.
Nas noites geladas, o mais velho deitaria vestindo seu casacão e Leo poderia dormir com um cobertor a mais.
Nos fins de semana, contariam o dinheiro acumulado, separariam algumas notas para um lanche fora de casa e assistiriam algum filme ruim no que Diego insistia em chamar de "Sexta pastelão", em vez de "Sexta do filme" como Leo preferia.
Mesmo com as eventuais (e inoportunas) visitas de Otto, ou baratas às vezes subindo pelo ralo do box, a ideia de ter alguém para brigar pelas últimas batatas fritas no jantar não desagradava nenhum dos dois.
A separação de sua "dupla dinâmica" não parecia mais uma opção.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora