Ester, Leo e o braço quebrado de Thiago

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Abuso doméstico, luto, pais negligentes, família tóxica (em geral)

Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡

>> Tenha uma boa leitura:)


⚠️ Conteúdo sensível, colocarei outro sinal quando terminar! ⚠️

"Eu vou te levar pra viajar. Pra onde você quiser do mundo inteiro, Thiguinho, mas não agora."
Ester segurou o rosto de Thiago entre as mãos na tentativa de acalmar o irmão, que ofegava e chorava copiosamente, sem emitir som algum.
"Você tá mentindo."
Ele balbuciou, olhando dentro dos olhos da irmã mais velha, tão parecidos com os seus.
Um deles, o direito, era ligeiramente mais dourado que o outro, tal diferença era percebida apenas se observada e comparada por muito tempo.
"Não tô.
Eu já menti pra você?"
Perguntou firmemente.
"...Não..."
"Então você vai planejar uma viagem, ok? Você vai pensar num lugar pra eu te levar, e eu vou te levar. Ouviu?"
Thiago não expressou reação.
"Você vai planejar uma viagem pra gente, Thigo? Pra ir se divertir e não trabalhar?"
Ela indagou mais uma vez, apertando as bochechas do irmão entre as mãos.
"...Eu vou..."
"E você vai me contar tudo quando a gente se encontrar."
"Você vai voltar, né?"
Thiago choramingou, ainda inseguro.
"Não pra cá, meu amor. Você vai entender um dia, Thigo, você é mais inteligente do que acha.
A gente vai se encontrar, eu prometo."
"Me leva com você, Ester..."
Ele pediu uma última vez entre soluços.
"Eu não posso."
Ester deu um sorriso trêmulo e dolorido.
"Eu não posso."
Repetiu, acariciando a maçã do rosto de Thiago com o dedão para limpar uma lágrima que escorria.
"Mas..."
"Você vai ter que ficar aqui. Só mais quatro anos, né? Você tem catorze, né?"
Ela interrompeu.
"Eu tenho catorze, sim..."
"Então, quatro anos e você tem a minha idade. E a gente vai se encontrar, ok? Eu vou te achar, porque você vai estar fora daqui, ouviu?"
Thiago assentiu, recebendo um último abraço apertado da irmã tão alta quanto ele.
"Fora daqui... Em quatro anos. Vou te levar pra onde você quiser."
Ester repetiu suas instruções, apertando a nuca de Thiago e pressionando-o mais para perto de si.
"Eu tenho que ir."
Ela afastou o irmão de si e jogou sua mochila abarrotada de roupas e itens essenciais sobre o ombro, virando-se para a janela do quarto, evitando se encontrar presa no olhar desolado de Thiago.
"Ester."
Ele soluçou, observando a irmã passar uma perna pelo parapeito e olhar para baixo, avaliando a cerca, telhas e a altura do segundo andar até o chão.
"Ester, não me deixa aqui."
Thiago gaguejou mais uma vez, estendendo uma mão para o braço de Ester, que desceu ao telhado com um salto, sem olhar para trás.
Ele guinchou seu nome, apressando-se até a janela para ver a irmã escorregar pelas telhas e saltar sobre o carro importado do pai. Ao acionar seu alarme e amassar o teto de metal antes de pular para o chão, apressou-se pelas ruas do condomínio, tendo vantagem em relação a Elias, que agora aparecia na porta da frente da casa, vociferando o nome da filha rebelde.
Thiago estremeceu, sentindo o medo gelado deslizar por toda sua coluna até a nuca.
Levando o olhar à cabeceira da cama de Ester, notou seu escapulário de prata abandonado, tomando-o antes de correr para o próprio quarto e encostar as costas contra a porta trancada.
Em meio aos soluços baixos ouviu o pai esbravejar seu nome, calafrios no estômago a cada passo retumbante escada a cima.

⚠️ Sinalização! Já é seguro pra ler! ♡ ⚠️

Thiago se encarou através do espelho, olhos cansados. Usava roupas sociais para mais uma entrevista com discurso decorado sobre a empresa familiar e a administração de seu pai.
Piscou duas, três vezes, para afastar o semblante esgotado, observando a si mesmo por mais algum tempo, assim aproveitando os poucos minutos de paz e silêncio dentro do quarto.
Era tão alto quanto o pai e ainda cresceria mais, pelo que lhe disseram, medindo sólidos um metro e oitenta centímetros. Sua pele não era tão clara quanto a de Ester ou Leo, ao mesmo tempo que não apresentava o tom retinto de Elias, um ponto a mais para sua lista de "Eu não sou o meu pai", atualizada diariamente.
"Leo."
Murmurou em voz baixa, passeando o olhar de suas mãos até os próprios olhos cor de avelã, melancólicos e brilhosos como há anos se mostravam.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora