Capítulo 7

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VINCENT HUTTON

-Certo, o que aconteceu lá?

-Como assim? - Apoio minhas mãos nos joelhos e tento inspirar fundo. Meu fôlego tem melhorado muito durante as corridas mas ainda está longe de ser tão produtivo quanto Drew.

-Você me obrigou a deixar as sacolas de comida com um dos seguranças e rosnou para mim quando insisti em guardar na cozinha. Que merda foi aquela?

-Abby não queria ninguém na cozinha.

-Desde quando você trabalha como cão de guarda da Abby?

- Desde que decidi agradá-la o máximo que puder para que desista dessa história de babá. - Não que seja totalmente verdade, também não é totalmente mentira. Eu diria que é um meio termo bastante equilibrado.

-Você sabe que é importante ter alguém de olho em você.

-Estou vinte e quatro horas do meu dia, setes dias por semana junto com vocês. Sempre tem alguém perto de mim, como isso não é considerado guarda de vigilância?

-Antes estávamos com você da mesma forma e não víamos quando você cheirava, fumava ou bebida alguma coisa. Você simplesmente sumia e aparecia louco, não pode nos culpar por estarmos preocupados.

-Eu não os culpo, mas estou sumindo? Não, nem me esforço para isso. Tenho tentado o meu melhor para ficar sóbrio, cara.

-Eu sei, estamos vendo isso, mas passar alguns meses sem droga não significa que torna as coisas mais fáceis.

-Sério? Está mesmo dizendo isso para mim? Estou sentindo na pele como é difícil. Eu fiz merda para caralho com vocês, não tenho como negar o óbvio e também sei que não é fácil por que qualquer mínimo estresse me dá vontade de comprar outra vez, só para esquecer e fugir da merda.

-O que a terapeuta te disse?

-O que terapeutas fazem? Te obrigam a falar sobre o passado na tentativa de te fazer esquecer.

-E não está funcionando?

-Não. - Dou-lhe um tapinha nas costas, indicando que estou pronto e retomamos a corrida outra vez.

-Não posso te culpar por não conseguir superar essa merda.

-Eu só estou cansado, as pessoas não podem esperar que anos vivendo no inferno sejam esquecidos ou superados com quarenta minutos na cadeira de um terapeuta. Algumas coisas são fortes demais para isso.

-Não é isso o que a maioria das pessoas acham.

-Eu só não quero decepcionar tia A. Não posso deixar que todo o esforço dela para me criar tenha sido em vão.

-Ela não pensa assim, Vince.

-Vamos mudar de assunto, eu cansei dessa besteira. Conversou com o Logan?

-Sempre que jogamos online, por que?

-Não viu a proximidade dele e Sophia no casamento?

-Não, vi os dois conversando e pareciam velhos amigos, nada mais que isso.

-Sério? O jeito que ele olhava para ela não tinha nada de amizade.

-Você precisa relaxar, cara. Sophia é uma mulher adulta de qualquer maneira, ela pode escolher com quem se envolver.

-Ela é a nossa garotinha e está com o coração partido.

-Sim, mas ela decidiu fugir disso e está fora do nosso alcance. Quando Sophia decidir enfrentar a mágoa que o ex idiota causou a ela estaremos lá para apoiá-la.

-E Logan é confiável?

-Pelo que eu saiba sim. Você sabe que ele se afastou dos pais depois de toda a confusão com o pai, a mãe decidir perdoar John Downing depois de todo o caralho que ele fez foi um golpe difícil.

-E Gabis? Como ela tem lidado com isso?

-Tensa, mas ficaremos bem. Não é como se John fosse louco o suficiente para tentar intimidá-la outra vez.

-Ele foi louco para nos apontar uma arma.

-Você tem um ponto.

Rimos e voltamos a nos concentrar na corrida em silêncio. Há esse acordo subentendido entre nós quatro em que não nos aprofundamos demais no passado de cada um, presenciamos e vimos em primeira mão o que passamos anos atrás e como isso nos afetou de maneiras diferentes. Porra, estou correndo com Drew, red boy - ex-fat boy - não é?

Não posso negar que sempre tive a cabeça perturbada, mesmo com todos os esforços de tia A é como se houvesse uma sombra sobre mim, sempre me lembrando das manchas que nunca conseguirei me livrar. A morte dos meus pais custou a vida do meu tio e tia A - a pessoa que não tem ligação sanguínea e obrigação nenhuma comigo - abriu mão da própria vida para criar um garoto fodido.

Quando se observa a história por um ângulo, é até poético o homem que se afundou e destruiu sua vida após a perda do amado irmão e sua esposa, restando apenas seu único sobrinho como sobrevivente do trágico acidente que tirou suas vidas. Ninguém conta que o batemos contra aquele caminhão porque meu pai estava socando a minha mãe, ninguém conta que meus hematomas no hospital foram poucos resultantes da batida e mais dos ataques de violência do homem que deveria me proteger.

A fama foi uma amostra do paraíso para mim, onde eu poderia aproveitar tudo o que quisesse sem me preocupar com minhas lembranças de infância de atormentando durante a noite, sem o medo de ser corrigido pelo meu pai ou ser obrigado a me calar a pedido da minha mãe. Eu não conseguia ver Jake, com toda a nossa semelhança física e parentesco sanguíneo, sem pensar em como pode ele ter sido criando em uma casa tão estruturada, com uma família tão amorosa e mesmo festejando não aproveitava tudo como eu. Jake não fumava, não cheirava e mesmo suas bebedeiras eram ocasionais. Eu o acusava de ser um careta do caralho para não assumir que me corroía de inveja dele.

Agora meu primo será pai e estou orgulhoso para caralho dele. Porra, Jake merece tudo isso e mais, meus problemas do passado não me impedem de assumir. Eu amo aquele idiota, ele é como um irmão para mim e as coisas são diferentes agora. Quero mostrar para tia A que seus esforços não foram em vão e que posso ficar longe dos vícios. Mesmo que para isso eu tenha que aturar uma babá como minha sombra até que todos estejam certos de que posso me virar sozinho sem ter álcool fodendo o meu sistema.

O Guitarrista - A5 livro 4Onde histórias criam vida. Descubra agora