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Jennie misturou o açúcar em seu café mais uma vez naquela manhã, olhando a rua movimentada enquanto escutava o jornal tagarelar mais alguma tragédia do dia. A menina nunca parou para perceber o quão linda poderia ser a Avenida Paulista nos dias de sol, São Paulo tinha sua beleza em alguns momentos, não era apenas tragédia como sempre escutou nos jornais matinais e noturnos.

- Esperando por algo, senhorita Kim? - Bella perguntou saindo da cozinha com o café da manhã de sua patroa em uma bandeja pequena, já sabendo que Jennie não se alimentava muito antes das onze.

— Hum... não, apenas pensando - a morena sorriu para a sua única ajudante dentro daquele vasto apartamento - Sabe se Daniel irá trazer as minhas telas hoje? Eu realmente preciso delas enquanto estou inspirada, sabe lá Deus quando terei tanta vontade de pintar.

- Sim, senhorita, fui informada hoje de manhã que Daniel já saiu atrás de suas telas.

- Ótimo - comemorou - Estava vendo com Júlia e provavelmente viajarei para Porto Alegre semana que vem.

- Certo, a senhorita quer que eu arrume as suas malas? Não se esqueça do seu inalador, senhorita Kim, sua bronquite sempre ataca quando viaja para outro estado.

- Eu sei, Bella - a mulher andou casualmente até a sua empregada dando um abraço de lado na pequena senhora - Não sei o que seria da minha vida sem você.

Jennie era uma artista de vinte e cinco anos, renomada e talentosa, viajou pelo o mundo inteiro atrás de inspiração, atrás de suas cores favoritas e paisagens perfeitas, porém se sentiu em casa assim que conheceu o Brasil, viajou por cada canto, explorou a Amazonas, se encantou com o nordeste, principalmente por suas comidas, amou as praias do Rio de Janeiro, o frio intenso de Rio Grande do Sul, amou o pão de queijo de Minas Gerais, foi ali que Jennie conheceu Isabella, a mulher se encantou com o jeito divertido da senhora de cinquenta e cinco anos e se sentiu tão acolhida por ela, que não pensou duas vezes em contratar a cozinheira de uma escola pública para trabalhar em sua casa. Juntas elas conheceram São Paulo, Jennie sentiu a diferença naquela cidade, se sentiu completa e pronta para começar a sua carreira naquela cidade e foi isso que ela fez.

Sul Coreana, perdeu o seu pai para guerra e a sua mãe para as drogas, viu o seu único irmão indo embora com uma família rica enquanto ela era largada em orfanatos e casas de apoios para crianças com traumas. Jennie foi adotada com sete anos, por um casal de idosos muito amorosos e compreensíveis, mas ela fugiu, ela tinha medo de qualquer contato maior, ela não suportava a ideia de ficar presa em um lugar só, sua desconfiança fez o seu escudo, ela era uma mulher educada na medida do possível, talvez fria com quem não conhecia, mas manipuladora com quem queria, e ela se orgulhava disso, de sua personalidade e dos seus jogos quando queria algo.

- Olha só quem chegou!

- Minhas telas!

- Não... era eu... pensei que ficaria animada ao me ver.

- Oi, Júlia - Jennie deu um meio sorriso voltando a olhar para o que a interessava - Minhas telas!

- Como você é fria, Kim.

- Sim, sou. Aliás, não sou, você que é dramática demais - revirou os olhos enquanto analisava suas telas novas - Irá comigo para Porto Alegre?

- Você sabe que de lá terá que ir pro Reino Unido não sabe?

- O que?! - perguntou incrédula, não aguentava mais viajar, e particularmente não gostava de viajar para fora do país, se sentia desconfortável de alguma forma - Por que?

- Abriu um museu lá, e as suas obras serão expostas. Será legal.

- Eu não quero ir.

- Vai começar com a birra, Jennie? As vezes você parece uma criança.

- Por que não vai você no meu lugar?

- Olha pra mim, eu tenho cara de ser a artista que pintou todos aqueles quadros? Tenho cara de Jennie Kim?

- Vai se foder, Ana Júlia - murmurou jogando uma almofada na mulher.

No fundo ela se sentia bem, estava com a vida que queria, que planejou quando criança, era aquilo que ela havia planejado, tudo no caminho certo, seu foco era apenas pintura, nas entrevistas, em tudo isso. Não tinha tempo para festas, bebidas, drogas, ficantes ou namorados, ela não pensava nisso, e não se importava de ter vinte e cinco anos e nunca ter beijado alguém, ela não se importava em ser virgem, pra ela aquilo era o de menos, Jennie queria apenas o dinheiro, nada mais que isso.

- Esse quadro é lindo, quem é o autor dessa maravilha?

- Jennie Kim.

- Hum... Jennie Kim - Lalisa assentiu caminhando pelo o enorme corredor de quadros prontos para a exposição - Essa Jennie Kim estará aqui no dia a abertura?

- Creio que sim, senhorita Manoban.

- Isso me pareceu uma resposta vaga, eu quero uma certeza. Eu quero ela aqui no dia da abertura, me entendeu?

- Como quiser, senhorita Manoban, com licença.

Lalisa Manoban, vinte e nove anos, dona do museu nacional do Reino Unido, além de proprietária da famosa marca Pandora, tendo milhares de dólares acumulados em seu nome. Séria e sem papo, era assim que os seus empregados a denominavam. Sem interesse a dor dos outros e impaciente quando queria algo, Lalisa era conhecida assim, ela realmente não gostava de esperar e não se importava com as emoções das pessoas ao seu redor, Lalisa era uma máquina de dinheiro, o que ela tocava virava ouro, e o que ela queria ela tinha, por bem ou por mal.

Presa demais a ganância, não tinha tempo de entender o que era o mundo, não tinha tempo de entender a natureza, e a beleza a sua volta, vivia trancada em seu escritório e quando não estava ali, estava em seu museu ou em sua loja, servindo como modelo e coisas banais na visão dela.

- Senhorita Manoban, Jennie Kim estará na exposição, acabei de confirmar isso.

- Ótimo, Richard... ótimo - ela deu um pequeno sorriso ainda olhando pela ampla janela de seu escritório escuro - Está liberado agora.

- Tenha uma boa noite, senhorita Manoban.

Não respondeu, não precisava do boa noite do seu mordomo, apenas de mais uma dose de uísque puro, era disso que ela precisava. As vezes sozinha, Lalisa se lembrava das palavras duras de sua mãe, e como queria mostrar a ela o quão bem de vida estava, o quão rica era, e como havia superado todo o abuso psicológico que sofreu quando mais nova. Tinha muito a mostrar ainda.

Duas pessoas extremamente orgulhosas, gananciosas, aonde o jogo de manipulação era a melhor qualidade entre as duas, duas mulheres grandes no mundo do dinheiro, duas mulheres provocativas e sensuais. Tudo isso traria um estrago imenso para todos.

The Colors (Jenlisa)Onde histórias criam vida. Descubra agora