Respira fundo

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Algum tempo depois.

Eu devorava a minha salada de frutas olhando para os desenhos a minha frente. Usava uma calça jeans com um rasgo no joelho direito, uma blusa vermelha de gola alta e uma jaqueta branca por cima, frio era pouco para as rajadas de vento lá fora. Era Quinta-feira, e eu estava analisando quais desenhos iriam fazer parte da exposição daquele ano.

O primeiro era de um casal abraçado, que remetia a ideia de aconchego e cumplicidade. O homem, pela postura corporal, dava um ar de proteção à a mada, que se encontrava ajoelhada e numa postura frágil. Eu o fiz após ter visto um casal abraçado na rua. O outro era de uma ponte sobre uma lagoa de lírios de água.

Aquele era um dos meus desenhos favoritos porque a natureza retratada nele, os lírios sobre a água, como se realmente fizessem parte dela, traduzia uma energia e tranquilidade ímpar.

Os meus desenhos nunca eram só desenhos, eu procurava expressar as minhas emoções em cada linha traçada pelo lápis por cima do papel, e tentava torná-los os mais realistas possíveis. Quem os visse, precisava sentir como se pudesse, de alguma forma, tocar e conectar-se com eles.

A Maite gostava de dizer que eu tinha o mundo na ponta do lápis.

Loucura.

Quando alguém olhava para mim, e perguntava se sempre foi o meu sonho ser artista, a minha resposta era sempre a mesma: "Eu nunca fiz a escolha consciente de ser uma artista, é só o que eu fiz. A arte é o meu santuário, a única coisa que me deu muito prazer, não posso reduzir como forma de ganhar a vida. A arte é demasiado preciosa para eu tomar decisões baseadas em finanças. O dinheiro é apenas uma consequência do meu trabalho."

Os outros desenhos eram sobre paisagens, figuras simplesmente aleatórias. Em cada nova exposição, eu procurava fazer algo completamente diferente da anterior. Sabia que apesar do público gostar de qualquer tipo de obra que eu resolvesse fazer, precisava de alguma maneira tentar manter o interesse, inovar em cada detalhe e não ser tão...repetitiva.

Continuei olhando os meus desenhos e separando em categorias, apenas para escolher qual poderiam, talvez, serem expostos e quais definitivamente seriam guardados. Já faziam três semanas que eu estava trabalhando naquilo e eu não sabia ainda qual projecto desenvolver. Apenas tinha em minha cabeça a ideia fixa de que precisava dar alguma utilidade nas três paredes vazias em minha sala, o que era no mínimo preocupante, já que os outros já estavam praticamente certos do que iriam deixar expostos para aquele ano.

_ Trabalhar muito faz mal, sabia?.- Allysson entrou na minha sala com o mesmo sorriso simpático.- São quase 3h da tarde e você ainda não saiu dessa sala desde que entrou.

_ Estou forçando a minha mente a pensar em algo útil.- Respondi dando ligeiramente de ombros. Larguei o lápis por cima dos papeis que estavam por cima da minha mesa, e me esforcei para prestar atenção na figura fofinha em minha frente, um trabalho realmente difícil, porque aqueles desenhos de flores estampados na camisola dela pareciam mil vezes mais interessantes.

_ Quanto mais você se esforçar, menos criativa ficará a sua mente.- A loira repetiu as mesmas palavras que eu gostava de dizer quando alguns dos meus colegas sentiam-se pressionados com qualquer trabalho.- Que tal dar uma pausa por hoje e vir dar uma volta comigo?.- Sentou-se do meu lado.- Podemos ir até a sua biblioteca favorita, que tal? Fiquei sabendo que hoje será promovido algum tipo de festival literário por lá, e pensei que você gostaria de ir.

Franzi ligeiramente a testa tentando filtrar todas aquelas informações. O filho da Ruth não havia mencionado nada daquela magnitude. Será que havia esquecido? 

Oh.

Eu estava sem colocar os meus pés naquele lugar por quase um mês.

Lembrei enquanto um sentimento de angústia me atingia. O trabalho na galeria estava realmente me mantendo ocupada, e eu sequer tinha tempo para respirar por cinco minutos sem receber alguma ligação. O que era no mínimo preocupante, considerando o facto de que a minha mente entrava em colapso com muita facilidade, principalmente em situações como aquela.

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