Consequências

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Temari Yamanaka era o que se podia chamar de “mulher à frente de seu tempo”. A loira era dona de uma personalidade forte. Temari, para escândalo da Sociedade, acreditava que homens e mulheres deveriam ter direitos iguais. A equidade era algo espantoso demais para nem sequer cogitar dentre eles.
Exatamente por isso, a Yamanaka representava o pior pesadelo do seu pai, o visconde. Inoichi perdera as contas das vezes que precisou tirá-la às escondidas da prisão por ser pega em reuniões proibidas, tramando folhetins informativos a respeito da equidade de gênero. Era tão comum a morte de um dos gêmeos no nascimento, que o visconde costumava indagar o porquê de Temari ter sobrevivido.  A sua existência só marcava uma coisa: ruína para a linhagem Yamanaka.
Entretanto, a jovem dama a quem tamanho ódio era direcionado pouco se importava com isso. Naquele momento, Temari estava mais preocupada em não morrer de tédio no piquenique vespertino de Lady Kaguya, uma senhorinha muitíssimo simpática, que tinha como objetivo de vida ver todas as ladies solteironas, casadas. Era um saco!
E, como se não bastasse estar escutando uma palestra de uma senhora de oitenta anos sobre como arrumar um marido, a loira nem ao menos podia contar com a sua fiel companheira naquelas ocasiões. Hinata nem parecia ela mesma, estava cabisbaixa e quieta demais. Nem ao menos reagia às brincadeiras de Temari.
— Vamos ao toalete agora. — Anunciou a loira, de modo a descobrir o que se passava com a amiga.
Sem esperar uma resposta, ela puxou a Hyuuga pelo braço, indo em direção ao reservado. Trancou-se lá dentro com a morena e imprensou-a contra a parede.
— Por que você está assim, Hinata?! — Foi direto ao ponto.
— Você não leu os folhetins? — Questionou, com um fio de voz.
A Yamanaka se lembrou vagamente sobre algo a respeito do Lorde Uzumaki ter caído em uma noite tórrida de bebedeira e mulheres, contudo, ela havia associado tal comportamento ao conde, não ao seu neto. Agora fazia sentido que Hinata estivesse naquele estado, afinal era a noiva do desgraçado. Apesar de entender a reação da amiga, Temari simplesmente não podia aceitar que ela definhasse por um maldito lorde pomposo.
— Ele te humilhou publicamente e você vai ficar assim? — Questionou, muito séria.
— E o que eu posso fazer, Tema? Rompi o noivado com ele e disse que iria me empenhar como debutante, mas foi por impulso! Agora eu não sei mais como agir. — A angústia presente na voz da Hyuuga era palpável.
A loira tirou alguns instantes para pensar. Hinata era uma mulher muito bonita, ainda que não fizesse o tipo de Temari — que preferia as ruivas —, mas tinha todas as qualidades que aquele bando de abutres gostavam em uma dama, fisicamente pelo menos. A verdade é que a morena preferia se esconder ao invés de mostrar o quão maravilhosa era.
Contudo, querendo ou não, ela era uma figura que estava causando cada vez mais alvoroço nos salões de Konoha, mesmo que os jornais de fofoca destilassem veneno quase diariamente contra ela, uma coisa era fato: Hinata conseguira encantar Naruto Uzumaki, um notório libertino.
Homens eram como patinhos indo para a lagoa, bastava que um liderasse o caminho para que os outros seguissem o mesmo curso. Entretanto, ao contrário das aves que seguiam o seu instinto, eles são movidos por ego, ganância e pela sensação de superioridade. No final das contas, no jogo dos lordes tudo servia como prêmio, principalmente mulheres.
— Hinata, desmarque todos os compromissos que tem para amanhã. — Ordenou a loira, seus olhos de musgo cintilaram e o rosto foi tomado por uma expressão diabólica. — Vamos fazer o seu lorde se arrepender.
— Ele não é meu lorde! — Protestou a morena, mas o rubor de suas bochechas denunciavam o contrário. — O que você está aprontando, Temari. Você quer fazer o Naruto se arrepender de quê? — Conhecia a amiga bem demais para saber que as vinganças da Yamanaka não se resumiam a um só instante.
Temari abriu, lentamente, um sorriso, mostrando todos os dentes brancos e bem alinhados. Era simplesmente assustador, e fez com que Hinata se arrepiasse por inteiro. Certamente ela não planejava nada de bom, e a confirmação veio quando ela falou:
— Vamos fazer o seu lorde se arrepender de ter nascido.

No dia seguinte, Hinata saiu de casa pela manhã, costume incomum na Sociedade, pois sua amiga mandou-lhe um bilhete com um endereço de um ateliê que ela não conhecia. Temendo ficar a sós com a loira e com o seu desejo de vingança, a Hyuuga arrastou a sua irmã para que fosse com ela. Infelizmente, Sakura não pôde ir com a dupla, porque tinha que fazer uma visita ao orfanato. Nos últimos tempos, a rosada pensava naquele local.
— A Lady Temari está planejando o que desta vez? — Indagou Hanabi, bocejando devido à falta de costume de acordar cedo. Até mesmo ela sabia que a loira não era flor que se cheire.
— Ela quer “fazer o Naruto se arrepender de ter nascido”. — Imitou a voz grave da amiga.
— Ótimo! — Animou-se a pequena Hyuuga.
Desde o ocorrido com o Sarutobi, Hanabi passara por alguns estágios de luto: dor, em que ela chorava no quarto por horas a fio e se recusava a ingerir qualquer alimento; negação, quando passou a escrever uma quantidade enorme de cartas para o moreno, que não respondeu a nenhuma delas, o que levou-a à… raiva, sentimento que imperava no presente momento. A morena queria a cabeça de qualquer homem que respirasse na face da Terra.
O restante do trajeto foi feito em um silêncio quase total, cada uma das irmãs presas em seu próprio mundo. Quando chegaram ao bairro comercial, Hinata constatou que havia somente uma loja aberta, que correspondia ao endereço indicado por Temari. Ambas desceram ali, assim que a carruagem parou, entrando nas acomodações.
— Bem vinde, miladiies! — Uma mulher ruiva, de estatura mediana as recepcionou, fazendo uma reverência profunda.
Era notável que ela não era cidadã de Konoha, pois possuía um nítido sotaque de Suna, país que até podia ser próximo à Konoha, mas que era muito mais moderno. Hinata ergueu uma sobrancelha para a amiga, que estava confortavelmente instalada em sofá do ateliê, com cara de quem dormiu pouco… se é que havia dormido. Direcionou um sorriso enviesado para a loira, que retribuiu com um dar de ombros e um sorriso sacana.
Estava claro como água que aquela modista era a nova amante de Temari. Sinceramente, a Hyuuga pouco se importava com quem a amiga se relacionava ou qual gênero a pessoa possuía. A loira era alguém livre demais para se prender a coisas tão pequenas e, como o mundo já estava contra ela, Hinata ficaria ao seu lado para apoiá-la.
Entretanto, havia algo que a preocupava: Temari pouco se importava em esconder a sua verdadeira natureza. Infelizmente, aquela não era uma sociedade em que se podia amar livremente a quem bem entender, na verdade, a própria ideia de amor não era bem vista por ali, ainda mais quando se tratava de pessoas do mesmo sexo. Se fosse descoberta, as consequências seriam graves demais. No mínimo, ela seria submetida a tratamentos agressivos em casas psiquiátricas e máximo… era melhor nem pensar.
— A Ino já deve estar chegando. — Ela ignorou o olhar de advertência da amiga. — Querem alguma coisa? Um chá? — Ofereceu como se fosse a anfitriã dali.
Antes que Hinata pudesse responder, a gêmea não-tão-boa chegou, exclamando extasiada:
— Quantos tecidos lindos! — Os olhos verde-cianos brilharam frente às sedas finas, que até aquele instante haviam sido ignoradas pelos olhos da Hyuuga. — Eles são as coisas mais lindas que eu já vi na vida!
— Não é mesmo? — Concordou Hanabi, que também apreciava os rolos de amostra. — Não estou acostumada a encomendar vestidos de fora, porém me sinto tentada! — Exclamou a jovem dama, seus olhos perolados brilhavam de… esperança? Bem, talvez ela não odiasse tanto assim os homens, ou melhor, um certo cavalheiro escorregadio.
— Você precisa ver os modelos que a Mademoiselle Karin trouxe de Suna, totalmente inovadores!
— Do tipo que faz um cavalheiro se arrepender profundamente por ter rechaçado uma dama? — Indagou, ansiosa.
— Com certeza! — Temari respondeu, fitando Hinata.
As próximas quatro horas foram passadas escolhendo babados, tules, tecidos e uma infinidade de outras bobagens com as quais a Hyuuga não se importava. Seria uma sessão de tortura se não houvessem fofocas para mesclarem as escolhas. Hinata e Hanabi mataram dois coelhos com uma cajadada só quando Ino, que não conseguia conter a língua, explicou o motivo pelo qual Lorde Nara aceitara casar-se consigo:
— Ele se faz de inteligente, como se estivesse acima de qualquer outro mortal, mas foi enganado! — Explicou, aos risos. — Lorde Nara investiu uma grande quantidade de dinheiro em negócios lá em Kiri, porém não deu certo e agora ele está arruinado, precisando desesperadamente de uma fortuna para se restabelecer. Adivinha quem é essa fortuna?  — A loira fez um gesto amplo para si mesma.
— Credo, Lady Ino! — Exclamou Hanabi, horrorizada.
— Queridinha, você ainda é tão ingênua nesse mundo de interesses que é a Sociedade. — A mais velha acariciou o rosto da Hyuuga em um gesto fraternal. — Vendemos e somos vendidos. E, nós, mulheres, servimos somente para três propósitos dentro desse mundo: ser troféu, parir herdeiros ou encher os bolsos de algum lorde falido. Não se engane, Hanabi, não se iluda esperando por mais. Entre no jogo e aprenda a dar as cartas.
— V-você não sente pena do Lorde Nara? — A morena questionou, desconcertada pela verdade daquele discurso.
— Sinceramente, não. Eu só sinto pena do pobre Senhor Sarutobi, aquele que mora na propriedade dos Uzumaki. — Respondeu, fazendo as irmãs Hyuuga se entreolharem.
— O que tem ele? — Perguntou Hinata, com cautela.
— Ah, pelo que eu ouvi da conversa do Lorde Nara com o meu pai, parece que ele investiu também todo o dinheiro nesse negócio. — Deu de ombros. — Ele queria pedir a mão de uma lady superior a ele, apesar de há tantas, não é mesmo? O pobre coitado só queria ter dinheiro suficiente para ser um bom pretendente, visto que nenhum pai daria a filha para ele, com a fama que lhe foi herdada.
Hanabi empalideceu diante de tais palavras. Para sorte da moça, Mademoiselle Karin adentrou o cômodo com algo embrulhado em um papel pardo, como se fosse uma preciosidade. Seus olhos vermelhos brilhavam por trás dos óculos presos à ponte de seu nariz.
— Miladiy, achei teciido perfecte para senhorite! — Anunciou, atraindo o foco para si.
Todas, exceto Hanabi, se aproximaram dela e perderam o fôlego diante daquilo que entrou em seus campos de visão. A nova Lady Muda, com toda certeza, abalaria as estruturas da Sociedade.

Amando o inimigoOnde histórias criam vida. Descubra agora