Amor

469 56 5
                                        

Ele era fraco e tinha noção disso. Ver o rosto de Hinata banhado de lágrimas, o destroçou por dentro, pois cada uma delas haviam sido criadas por ele e a sua incompetência. Era assim que ele planejava fazê-la feliz? Mais uma vez, a maldita sensação de insuficiência se apoderou de Naruto. Queria fazer o mesmo que anos atrás, e se ajoelhar aos pés da Hyuuga para implorar pelo seu perdão, afinal ela merecia estar com alguém muito melhor que ele.
— Como você ousa? — Ela indagou com a voz baixa e perigosa.
Seu rosto, antes marcado pelo sofrimento, se contorceu em fúria. Naruto ficou surpreso pela mudança de humor tão imediata, não esperava por isso.
— E-eu… — balbuciou sem conseguir formar a frase.
— EU NÃO QUERO OUVIR MERDA ALGUMA! — Ela socou seu peito. — VOCÊ TEM NOÇÃO, NARUTO?!
— Hina, eu estava bêbado, não tinha contato com meu avô…
— VAI À MERDA, NARUTO!
Os punhos dela faziam seu tórax doer, mas o loiro não tentava se esquivar ou prender as mãos pequenas, pois ele sabia que aquele era o jeito que ela encontrara para esvair todas aquelas informações que recebera de uma só vez.
O Uzumaki também sentia que Hinata tinha medo de ouvir a sua confissão, de ouvir os detalhes sórdidos que anteciparam o seu quase suicídio. Mas era um mal necessário, enquanto não falasse sobre tudo, enquanto não se livrasse de toda aquela merda, ele não conseguiria viver a vida plenamente. Estava cansado de viver à sombra do passado e sob os comandos de Shion.
— A Shion tinha se casado naquele dia e eu não estava bem. Na verdade, faziam semanas que eu não estava feliz com nada. Mesmo depois de tudo que a Shion me disse, eu procurei por ela, mas fui rechaçado todas às vezes. As minhas cartas nem sequer voltaram, dessa vez.
— Eu não quero saber disso… — ela choramingou — isso é demais para mim, Naruto.
Ele não sabia o que era pior: a cólera fingida e inflamada ou aquele tom quebrado, como se aquela Hinata brava e destemida que ele conhecia não fosse real. Contudo, a verdade era única e universal, o fato dela se negar a escutar não mudaria os atos de Naruto no passado.
Ele sentia-se apunhalado no peito a cada vez que uma lágrima caia pelos cílios negros da sua Hime, isso doía bem mais do que todas as decepções que o loiro passara com Shion.
— Perdoa-me, mas eu sei que, no fundo, você também quer isso, Hina, — sussurrou, colando a testa à dela — eu sei que você precisa conhecer o pior de mim.
A Hyuuga voltou a se acomodar em seu calor, abraçando-o como se sua vida dependesse disso. Oh, céus! Seria tão mais fácil abrir o peito e rasgar o coração com as próprias mãos, ao invés de fazê-la sofrer. Ficaram assim por um tempo, presos na pequena bolha que criaram para não se machucar, mas o sofrimento estava ali, à espreita, como uma etapa inevitável para algo maior.
— A mulher que eu amava, o meu filho, meu avô… todos tinham ido, Hina, e entre uma bebida e outra, eu só conseguia pensar o quanto seria fácil… — ele engoliu em seco, observando a angústia estampada em Hinata. — No pequeno escritório desse meu apartamento, tinha uma arma que eu havia comprado meses antes, quando planejava a minha fuga com a Shion. Eu juro que eu escutava ela me chamar, Hina, era como um ímã. Eu não resisti, fui até lá, tranquei a porta do escritório e engatilhei a arma…
Um soluço alto da morena o despertou do estupor, o corpo pequeno era assolado por uma infinidade deles. Hinata escondeu o rosto entre as mãos e chorou; ela nunca pareceu tão frágil aos olhos azuis que, inconscientemente, também choravam.
— Eu tinha apenas duas balas, duas chances. Oras, eu estudei medicina, então sabia quais pontos atingir sem que houvesse erro. Contudo, quando eu estava mirando em minha cabeça, uma batida na porta me despertou, a arma caiu no chão e disparou.
Os lamentos da Hyuuga ficaram ainda mais agudos com o relato. A atmosfera estava tão tensa que poderia ser cortada agora pareciam vir do fundo da alma. Se houvesse um sentimento para descrever o que os corroía por dentro, Naruto não saberia responder. Era frio, implacável, cruel e doloroso demais para suportar.
— Eram o Uchiha, o Nara e o Hatake… naquele instante eu só tinha mais uma bala, minha última chance. Meus sentidos estavam entorpecidos pela bebida e o tempo estava contra mim. Eles gritavam pelo meu nome e eu fingia não ouvir… se eu escutasse, tudo estaria perdido, eu teria que continuar vivendo naquele inferno, mas eu não sentia vontade alguma para isso. — A apreensão era crescente na voz embargada do loiro, a angústia era tanta que impactava a Hyuuga diretamente. — De repente eu ouvi um estrondo vindo do lado de fora, eles tinham conseguido arrombar a entrada principal e agora só havia mais uma porta entre nós… eu não podia perder aquela chance. Não podia.
“Subitamente, as minhas mãos ganharam uma firmeza que eu não sei dizer de onde surgia. Meu coração batia acelerado, mas, estranhamente, eu sentia calma… era quase como se estivesse em paz. Era essa a sensação de estar prestes a morrer? Essa foi a pergunta que ecoava em minha mente enquanto tudo ao meu redor estava em silêncio. Eu consegui encaixar a bala, encostei o cano frio sob o meu queixo, a arma parecia tão pesada… Então eles conseguiram arrombar a porta.
“Sabe o que é engraçado, Hinata? — Ele riu, sem humor. — Eu nunca conheci um trio mais inexpressivo que o Uchiha, o Hatake e o Nara… mas naquele momento eles pareciam tão desesperados, porém as palavras que eles diziam não chegavam ao meu ouvido. Não sei explicar o porquê, mas eu sorri quando os vi… então, puxei o gatilho.”
O ar ficou suspenso após essas últimas palavras escaparem dos lábios rosados. Sim, ele estava vivo, forte e saudável à sua frente, entretanto, a sensação de luto que tomou Hinata era real. Uma bala, somente uma, acabaria com todos os seus sonhos de uma única vez. Ela não conheceria aquele homem insuportável que vivia fazendo besteira e trocando os pés pelas mãos; não receberia aqueles beijos de tirar o fôlego e fazer os seus nervos entrar em colapso; não veria aqueles olhos azuis tão brilhantes a fitando como se nada mais importasse no mundo além dela…
Se aquela maldita bala atravessasse aquela cabeça oca, a Hyuuga passaria os anos olhando pela janela à espera de um amor que nunca viria; não seria pedida em casamento da forma mais inusitada possível; não dançaria valsas indecorosas pelos salões de baile; não seria cortejada até mesmo depois de casada…
Se apenas aquela bala o atingisse… a morena não teria um futuro, um presente ou um final. As estações seriam sempre as mesmas, em um eterno outono sem vida dentro do inverno de seu coração. Seu ventre ficaria eternamente seco e a sua cama vazia, tão fria como o restante de sua vida…
Se aquela bala matasse Naruto, ele não seria o único a morrer naquele dia. O amor entre eles morreria, assim como a vida juntos que eles não teriam. Não haveria brigas, beijos, sorrisos e nem felicidade. Eles não fariam amor sob as estrelas e Hinata não o culparia na hora do parto…
Se Naruto não estivesse ali… ela não conseguia nem pensar na possibilidade dele não estar ali.
— C-como…? — A voz de Hinata estava tão falha que não chegou ao menos ao nível de um sussurro.
— A arma falhou. — Disse simplesmente. — Quando eu puxei o gatilho, a bala não saiu. Eu estava bêbado demais para saber ao certo o que aconteceu, mas creio que a pólvora molhou em algum momento entre a minha pressa e a chegada dos meus amigos. Nenhum de nós respirou por um minuto inteiro… então eu só me lembro do Nara e do Hatake puxando o Uchiha de mim. Aquela foi a pior surra que eu tomei na vida, mas como poderia culpá-lo?
— Naruto…? — Chamou-o, hesitante.
— Si…
Antes que pudesse concluir a palavra, um soco o acertou em cheio. Pelo visto, Hinata tinha voltado ao mundo furiosa. Os olhos perolados brilhavam em fogo vivo e flamejante, as narinas abriam-se e fechavam-se enquanto a respiração saía muito brusca de si. Em plena onda de fúria, ela estava gloriosamente bela.
— QUEM VOCÊ PENSA QUE É? — Esbravejou.
— Estou bem agora, Hina…
— A SUA VIDA NÃO É SÓ SUA PARA QUE VOCÊ FIZESSE ISSO!
— Eu estou aqui, meu amor.
— Você… você…
Antes que ela pudesse completar, apesar dele duvidar de que ela fosse capaz de prosseguir, Naruto levantou-se com ela no colo, girando-a no ar enquanto gargalhava. Sem saber como, ela também foi contagiada pelo riso e gargalhou junto com ele. Riam e em igual medida.
— Por que estamos rindo? — Ela indagou, já se esquecendo da zanga de outrora.
— Porque eu estou vivo… — selou os lábios aos dela — porque estamos bem… — repetiu o gesto — porque eu tenho você, Hina.
A Hyuuga corou diante do olhar intenso que ele lhe lançara. Ainda tinham muito o que conversar e colocar em seu devido lugar, mas ambos se sentiam tão aliviados que precisavam comemorar o fato de tudo ter acabado bem e de terem a chance de estar ao lado um do outro.
De repente, depois de grudados, os lábios não se desprenderam mais. Nenhum dos dois saberia dizer quem iniciou o beijo, mas o que está destinado a acontecer encontra o caminho para se concretizar.
Toda dor, lágrima e peripécia é uma preparação para algo maior. Ainda que Naruto tenha chegado ao fundo do poço, havia uma lua nos salões de baile à espreita para iluminá-lo em meio à escuridão. No final das contas, o amor nada mais é do que união, o mais empático dos sentimentos, pois, acima de tudo, há entrega e devoção.
Devoção essa que começou pela boca. Agora, sim, começara o beijo verdadeiro. Faminto, arrebatador, impregnado de amor. Afinal, era bíblico:

Amando o inimigoOnde histórias criam vida. Descubra agora