Sentimentos

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Flores, lanternas noturnas, clima de romance e mistério, uma excelente comida, bebida da melhor qualidade e músicos exímios. Lady Kurenai não costumava dar festas, mas quando dava toda Konoha queria estar presente, pois os seus bailes eram sinônimos de sucesso.
Apesar de estar na moda chegar atrasado aos eventos, os convidados preferiram chegar à mansão Yuuhi pontualmente para não perder o mais ínfimo detalhe. Entretanto, havia alguém que não se sentia confortável com a perspectiva de estar sob os olhos de todos aqueles abutres da Sociedade: Sasuke Uchiha.
O duque não costumava frequentar os círculos sociais a não ser que estivesse exercendo os seus deveres como lorde na Câmara, no entanto, aquela era uma ocasião especial. Os laços com Naruto estavam voltando a se estreitar e a pequena desavença que tiveram parecia não mais impactar na amizade entre ambos, o que o Uchiha agradecia muito. O Uzumaki era, junto com seu filho, a pessoa mais importante de sua vida; sem ele, sua benevolência e apoio, dificilmente o duque teria chegado à vida adulta.
Agora que conhecia Lady Hinata um pouco melhor, tanto pelo soco que recebera — se ela estava disposta a agredir alguém tão superior a si mesma na escala social apenas por Naruto, com certeza ela faria de tudo por ele —, quanto pelos fragmentos contados por Lady Sakura.
Lady Sakura… o seu estômago estremeceu mediante a esse nome. Por mais que dissesse a si mesmo que era indiferente à Haruno, uma parte sua sabia que esse não era exatamente o caso. No final das contas, havia ido até ali naquela noite somente pela valsa que prometera, num impulso, dançar com ela.
O jeito da dama lhe lembrava de Konan, a sutileza, a doçura, o amor pelo seu filho… bom, era melhor não pensar em Konan agora, depois de tanto tempo… seu coração comprimiu-se no peito. Aqueles olhos âmbar ainda embalavam os seus pesadelos, com a tristeza gravada ali junto com a frase sussurrada em meio ao sangue que expelia pela boca "por que você fez isso?".
Esse seria o seu karma eterno e jamais se permitiria perdoar-se. Ainda assim, sentia-se cansado demais pela culpa que guardava desde que se entendia por gente. Quantas vidas a sua existência miserável tinha arruinado?
— Desse jeito, parece até que você pensa, Uchiha. — A voz zombeteira do grisalho lhe despertou de seus pensamentos.
— Ah, Hatake, diferente de você, eu uso a cabeça… e não é só a de baixo. — Rebateu, ácido.
— Você deveria experimentar, Uchiha. Quem usa essa cabeça não costuma ficar de mau humor… — fitou o duque demoradamente, fingindo analisá-lo — hum, talvez você nunca tenha usado. — Declarou, por fim.
O moreno o fitou, contrariado pela provocação infantil. Se fosse dois meses atrás, provavelmente Sasuke teria ignorado, contudo, num ímpeto frívolo que nem mesmo ele sabia possuir, o lorde rebateu:
— Se esse for o caso, não deveria estar com uma carranca, Hatake? Até onde eu sei, Lady Kurenai já está exausta de te chutar da cama dela.
O riso do outro cessou naquele mesmo instante, enquanto ele fuzilava o duque com o olhar.
— Ora, ora, o que os dois palermas estão cochichando aí? — A voz arrastada do Nara surpreendeu a ambos, visto que se existia alguém que fosse pior que o Uchiha para frequentar os círculos sociais, esse alguém era ela. — Esquece, não quero saber. — Bocejou, encarando o salão cheio com um olhar de desinteresse.
Sasuke e Kakashi se entreolharam, fitaram o barão e, por fim, encararam-se novamente, anunciando em uníssono:
— Ele realmente está falido!
— Idiotas! — Murmurou, corando de leve. — Eu só vim aqui para… hum… negócio.
— Veja bem, Uchiha, — começou o Hatake em tom irônico — diferente da gente, ele vai usar muito a cabeça de baixo nos próximos meses… com a esposa amada.
— Aposto a mansão Uchiha que Lady Ino vai morrer de enfado em uma semana. — Declarou o duque.
— Ah, eu sempre quis morar em uma dessas casas pomposas. — O grisalho sorriu enviesado. — Aposto que ela morre entediada em dois dias…
— Não sei por que ainda perco o meu tempo com vocês. — Os olhos castanhos reluziram com algo além da costumeira opacidade enfastiada.
— Oh, ferimos os sentimentos do pobre Lorde Nara. — Kakashi bateu os cílios e pôs ambas as mãos sobre o peito, imitando um gesto feminino.
Pelo visto, apesar de sempre ter se considerado acima daquele tipo de brincadeira, Sasuke não o era. Nessa noite ele se sentia tão… bem, o sentimento lhe era tão estranho que não saberia nomeá-lo, contudo, guardaria as especulações para outra hora, pois queria viver aquele momento entre amigos… no final de contas, cada um de seu modo, poderiam-se considerar como tal. Por isso, ele se pegou entrando na brincadeira.
— Será que deveríamos bordar um pedido de desculpas para ele? Ou será que oferecer um baile em sua homenagem seria mais apropriado? — Fingiu pensar a sério.
O Nara parece estar perto, muito perto de explodir de exasperação. Ao que parecia, a situação dele era bem mais complicada do que ele queria deixar transparecer, mas o barão era igualmente irredutível nas ofertas de auxílio financeiro que os amigos ofereciam. Por mais que estivessem em tempos mais modernos, o Nara mantinha-se antiquado, estabelecendo padrões rígidos para a própria vida… não que o Uchiha pudesse julgá-lo por isso.
— O que vocês estão fazendo aqui no canto? — Indagou a voz ansiosa do último membro faltante do quarteto. — Ah, não ligo! Ela já chegou?
Os olhos azuis esquadrinharam o baile duas vezes e uma terceira, só por precaução.  Diferente dos outros três que estavam ali, usando máscaras pretas e discretas, o loiro usava uma berrante máscara vermelha.
— Chegou o cão de guarda. — Bufaram os três em uníssono, revirando os olhos.
— Não me chamem assim! — Reclamou Naruto, sem, de fato, dar atenção aos amigos. — Ufa, dei sorte! Hinata ainda não chegou. — Sorriu triunfante.
— "Lady Hinata vai se casar com meu corpo". — O Nara aproveitou a oportunidade para desviar a atenção de si, evocando a fala que Naruto dissera meses atrás.
— “Ela nunca vai ter nada além dele”. — Completou Kakashi.
Os três pares de olhos se voltaram para o Uchiha, esperando pelo posicionamento dele. Aquele instante foi um tanto tenso, considerando que a amizade entre ele e o Uzumaki ficara estremecida justamente pela divergência de opiniões a respeito desse enlace. Com toda a sinceridade que conseguira reunir, o duque deu de ombros, respondendo:
— O Uzumaki não precisa do nosso aval para casar. — O loiro lhe direcionou um sorriso mínimo, mas que significava muito para si. — E se eu fosse ele, iria reservar todas as danças de Lady Hinata. — Apontou com a cabeça a chegada da morena… e dela.
— Bom, se me derem licença, quero dançar com minha dama. — Naruto meneou a cabeça e se retirou.
— Tks! Ele realmente é um cachorrinho. — O Hatake zombou, procurando a anfitriã com olhos. — Mas eu também sou. — Deu de ombros, seguindo para o extremo oposto do salão de baile, onde Lady Kurenai estava envolta dos seus admiradores.
— Bom, Uchiha, preciso ver a minha noiva. — A carranca do Nara ao constatar a chegada de sua prometida com a gêmea má quase fez o moreno sentir pena. Quase.
— Se quiser o empréstimo, é só falar. — Ofereceu.
— Não tente um homem faminto, Uchiha… — suspirando, ele foi de encontro ao pior pesadelo de um solteiro convicto: o cortejo.
Sasuke ficou sozinho novamente, mas, ao contrário do cotidiano, ele não se sentia incomodado com isso. Predatório, entre um ponche e outro, uma conversa e outra, as horas iam passando, mas o seu olhar nunca se desgrudava dela… então os músicos fizeram a pausa que antecedia a valsa, a passos largos o Uchiha cruzou o salão, chegando até Lady Sakura.
Diferente dele e de seus amigos que não se importavam com frivolidades, ela usava uma máscara rosada exatamente do tom de seus cabelos, cravejada de pedras preciosas. Usava um vestido da mesma tonalidade, um tanto esvoaçante demais para a moda atual… ainda assim, o duque se pegou sem fôlego. Bom, talvez ter tanta gente em um local tão abafado fosse prejudicial à saúde.  Ela cochichava algo urgente para a sua prima mais jovem, visto que a mais velha se dirigia à pista de dança em companhia de Naruto.
— Lady Sakura, — os olhos verdes arregalaram-se com a surpresa inesperada, já que ele tinha feito questão de esconder dela os vestígios de sua presença — vim reivindicar a minha valsa.
O Uchiha estava curvado diante dela em uma mesura um tanto profunda demais para um duque fazer. Observou os lábios dela sugarem uma grande quantidade de ar. Pelo visto, ela também sofria com o abafamento daquele salão apertado.
Fitando a prima demoradamente, a Haruno apertou a mão da Hyuuga e prometeu com fervor:
— Vai dar tudo certo, Hana. Confie em mim e em Hinata, só vá! — Os olhos perolados se encheram de lágrimas rasas, antes de sussurrar:
— Obrigada, Sakura! — Saindo apressada dali.
Então a rosada se voltou para ele e o restante de oxigênio que ainda havia no salão se esvaiu. Sob as luzes amareladas das velas ela parecia tão… bom, era melhor não procurar um adjetivo ou tentar compreender as sensações que lhe rondavam seu âmago.
— Vamos, Lorde Sasuke.
Por algum motivo, a mente do duque dispensou o tratamento formal, focando somente na maneira cadenciada que ela pronunciou o Sasuke… não Uchiha. Então ele se sentiu como se estivessem sob a velha árvore de cerejeira do orfanato, num mundo somente deles. Juntos, eles rumaram à pista de dança.
Os olhos esmeraldinos e as ônix se encontraram, bem como os dedos se entrelaçaram não mais às escondidas. A música tocou, iniciando a valsa. O noivado dela desapareceu, os fantasmas do passado dele também, a multidão sumiu e tudo que os impedia de ficar juntos passou a inexistir.
Tudo ficaria bem desde que ele não se desviasse dos orbes verdes à sua frente. Então, o mundo inteiro se desintegrou ao redor deles e nada mais importava para o duque, além da tentativa de manter Lady Sakura em seus braços para sempre. 
Os corpos estavam perto, perto demais para que o decoro ainda existisse. Os pés do duque deslizaram com leveza pelo salão, carregando Sakura consigo. Com o vestido rosa pálido esvoaçando atrás de si, a Haruno parecia a flor que lhe nomeava, mais viva do que nunca nos braços do lorde mais taciturno da cidade.
E, como se fosse possível, eles se aproximaram ainda mais. A mão do moreno enlaçou a cintura dela, e a mão delicada da dama pressionava o ombro rígido… não existiam palavras entre eles, nem títulos, nem obrigações; eram somente um homem e uma mulher desfrutando de uma dança, conversando com olhar e nada mais.
Então, eles se aproximaram ainda mais, como se os corpos conhecessem o caminho um para o outro, com as pontas dos narizes se tocando, mesclando as respirações ofegantes que saíam das vias respiratórias e os corações batendo em uma sincronia alarmante.
De súbito, os movimentos dos pés cessaram, quando os acordes morreram ao fundo. Ao contrário dos demais casais, eles não se separaram, trêmulos com a miríade de sensações que não deviam estar sentido. O pensamento que entremeava a mente de ambos foi verbalizado por Sasuke:
— Uma valsa não é suficiente.
Então, os acordes voltaram a soar.


Amando o inimigoOnde histórias criam vida. Descubra agora