capítulo 2

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Voltei seguindo a estrada de terra. Encontrei dona Rosa voltando da tenda de frutas. Ela tomou um baita susto quando me viu e já ia brigar comigo por me ver fora da fazenda, mas viu meu estado. Eu estava com a perna sangrando e cheia de arranhões, assustada e ofegante, não pude responder as perguntas dela. Então fui levada pro dormitório subterrâneo, onde tratou de meus ferimentos e pude tomar um belo banho quente.

- Achei que o dormitório fosse diferente... Aqui é úmido, escuro e... Vocês dormem em cima de papelões?

- Sim. E é por isso que seu pai nunca te deixou dormir aqui.

Só contei o que houve após nos sentarmos no chão, mas ela não se interessou em saber do caminho ou dos matos, apenas dizia que de modo algum eu deveria ter saído pra floresta. Ainda ficava nervosa quando eu dizia mais algum detalhe sobre a lembrança que tive, ou fugia do assunto dizendo ter trabalho a fazer.

- Dona Rosa, por que está tentando fugir?

- O que?

- Sabe alguma coisa?

- Não sei nada, Liz. Como saberia? - dizia, desviando o olhar.

- A senhora criou Filipe como seu próprio filho. Tem noção que ele corre perigo, não é?

Ela apenas se levantou em silêncio, me ignorando totalmente. Então acabei me exaltando.

- Aquelas coisas têm espinhos! Eu ouvi os gritos de dor dele. Se sabe de alguma coisa tem que contar agora, antes que seja tarde demais. A gente ainda pode ter uma chance, só uma, de salva-lo, não é? O que te custaria tentar?

Ela me olhou talvez surpresa do tom que falei, mas ficou nítido que concordou comigo. Pensou um pouco, até que sentou-se, ainda sem me olhar. Respirou fundo e começou:

- Eu só quero deixar claro que seu pai queria que fosse de outra forma. Só que agora é sobre o meu ruivinho... - falou, e então começou a contar... - Você tinha só seis aninhos quando Pedro te levou brincar na floresta. Minutos depois ele voltou dizendo que não te encontrava, que você havia se perdido. Partimos te procurar, até mesmo a sra. Ana foi (por algum motivo), mas fui eu quem te vi entrando por uma cortina de cipó com flores. Me deparei com um lugar... Ah, era divino! Um caminho entre árvores altas com muitas frutas douradas e lindas flores negras aos seus pés. Você apareceu pedindo e me arrastando para tentar encontrar o fim daquele caminho. Havia um espelho no final, mas você era apenas uma criança para perceber isso. A questão é que quando toquei aquele espelho, ele me puxou; eu o atravessei. Então, tudo escureceu. As frutas e folhas começaram a cair das árvores e formar uma chuva sobre nós, ao mesmo tempo que os pássaros se contorciam ao se transformar em morcegos. As flores morriam e renasciam em cobras verdes com espinhos. Não tive qualquer reação vendo isso, mas eu precisava te proteger. Te peguei no colo e saí correndo em meio a uma neblina que surgiu do nada. A sra. Ana foi a única que nos viu saindo.

- E o que sra. Ana fez? O que você viu lá dentro? Quantas pessoas sabem disso?

- Ela mandou fazer uma bota especial para voltar lá e conseguir passar pelas cobras, ou matos.

- O que?! Por quê? Que bota é essa? - ela tentou levantar-se, me ignorando de novo, mas dessa vez a segurei. - Onde está essa bota agora? No cofre dos srs? É claro que sim. Temos que pegá-la!

- Liz, me ouça: ninguém, em hipótese alguma, pode saber disso. Você entendeu? - Me segurando no braço, no que eu quis sair procurar pela bota. - Ouça bem o que vou dizer: existem elfos, dizem que existem elfos no final daquele caminho. Tome cuidado.

- Deve ser lenda, né, mas vou me cuidar. Não se preocupe, ok? - e lhe dei um beijo na testa.

Eu jamais iria me perdoar se não conseguisse salvar Filipe que é como um filho pra ela...

A Sétima Poção (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora