Capítulo 26

136 11 1
                                    

   Gabe queria falar com a gente, disse que teria algo importante e eu provaria minhas reais intenções. Primeira recomendação, obedecer todas as regras sem questionamentos. Segunda, não perguntar, nunca. Terceira, se não gostar finja que não é você, mas faça. Quarta, não descumpra as recomendações, pois se virarem regras a morte não será somente uma opção e sim realidade. Passadas as informações fomos dispensados, mas tudo sem o contato físico, apenas por mensagens. A tecnologia seria utilizada para a comunicação, nada de contato físico quando a missão fosse passada.
   Minha primeira missão seria coletar dois objetos, não me disseram o que seriam, mas deram codinomes a eles. Alfa 5 e gama 7, sem maiores explicações. A missão deveria ser iniciada depois da aula, na verdade sairíamos mais cedo da escola. Gabe conseguira autorizações para um campeonato, então nós quatro poderiamos matar o último horário. E assim foi feito, eu, Eliot, Jonas e Rafael saímos na penúltima aula e fomos para a tal missão de busca. Paramos em um beco e mandaram eu me calar, eu só observaria hoje, agiria em último caso, somente se algo desse completamente errado.
   Rafael ficou na frente do beco, eu no final dele encostado em um muro, Eliot dentro, mas o lado contrário ao do Rafa, e Jonas escondido atrás de uma viga que tinha no local, evitando assim de ser visto do lado de fora do beco. Rafael interceptou dois adolescentes, da mesma idade que a nossa, entre 14 e 15 anos. Rafa empurrou o primeiro para dentro do beco e a segunda o seguiu xingando. Eliot jogou o garoto em minha direção e segurou a menina tentando a amarrar. O garoto reagiu, mas Jonas o atacou pelas costas, sem dar chances a defesa.
   Eu fiz nada, fiquei parado observando o garoto apanhando por tentar se defender e a menina tentando se soltar. As ordem tinham sido claras, sem perguntas, só cumprimos ordens. A garota foi vencida e gritaram para eu enviar o relatório de captura, alfa 5 imobilizada. Depois de uma luta sofrida para o lado do garoto ele também foi vencido pelo cansaço, por mim foi o fato de ver que a sua companheira já não resistia. Gama 7 imobilizado. Após esperar 30 minutos um carro preto chegou e "coletou" os objetos. Continuamos o nosso caminho normal, fui para casa antes que Mei chegasse e me comportei como que se nada tivesse acontecido. E realmente eu tinha feito nada, apenas olhei eles fazerem o trabalho e provar minha lealdade.
   Jantei e fui ao meu quarto, precisava descansar. Abri meu chat e vi Sam online, adorava converaar com ela. Mesmo sem saber quem eu era ela me trazia uma sensação boa e a nossa amizade não começou muito antes de eu ter perdido minha memória. Eu lembrei do dia em que a conheci e levei dois socos no rosto, e já éramos do jeito que estávamos. Decidi puxar conversa e ela respondeu, estava sozinha no quarto,  Jade estava fora por causa de atividades extra curriculares, ela entrou um pouco depois do começo do ano letivo, assim não estava em todos os cursos que gostaria.
   - Falando na Jade, como é que ela está? - perguntei com falsa inocência.
   - Ela está bem e eu também obrigada por perguntar - retrucou - porque sempre pergunta dela?
   - Ela me ajudou para estudar para as provas...
   - Disso você lembra né?
   - Como? - ela sabia que eu havia perdido a memória?
   - Isso mesmo seu  desmemoriado - sim, ela sabia - mas eu sei que você gosta dela.
   - Ela é uma ótima amiga e... e... e eu gosto dela. Pronto satisfeita?
   - Sim e não?
   - Porquê do não?
   -  Simples você não vai fazer nada, vai ficar ai parado. Já não fazia nada lembrando do passado...
   - Como que você descobriu isso?
   - Sou esperta, falei de duas datas que não existiram e você concordou e até deu palpites.
   - Você me testou?
   - Sim.
   - Deixando isso de lado, você vai me ajudar a conquistar Jade?
   - Claro, com o que quer começar???
   - O que ela acha de mim?
   - Direto em... bem... uma vez ela me disse que você era misterioso, mas uma boa pessoa... Só que não conversaram muito, só sobre as matérias...
   - Só isso, não queria ser intrometido, por isso falei pouco, agora eu vou falar mais...
   - Ok, mas não fica muito grudento, porque isso irrita. Nem muito distraído, se ela falar presta atenção mas não fique vidrado.
   - Tudo bem, sou meio tímido em relação a isso, não vou ficar grudento - ri com a minha imagem de pessoa pegajosa.
   - Mas tente você puxar conversa, é melhor que tome a iniciativa pra mostrar que está interessado em falar com ela.
   - Tá, algum assunto?
   - Tempo, o que ela está fazendo, como que está o dia... perguntas triviais, algo que diga que está interessado, mas não deixando muito na cara.
   - Se eu escolher falar do tempo.
   - Pergunte qual estação do ano ela prefere e elogie ela relacinado a isso.
   - Isso dá certo?
   - Sim, se você falar com ela todo dia, vai criar um "dependência" entre vocês. Costume de falar todo dia, vai aos poucos.
   - Vou tentar, cúpido...
   - To me saindo bem, né?
   - É, hum qualquer dia desses saímos nós quatro em um encontro duplo...
   - Quem são esse Nós?
   - Eu, você, Augusto e Jade.
   - ...
   - Mesmo sem memória sei que vocês se gostam da pra perceber, está quase escrito na sua testa e na dele também.
   - Voltando ao assunto Jade...
   - Eu não sei, parece que não vai dar certo, e se ela não quiser ir ao cinema???
   - Quem disse que tem que ser cinema, saiam para conversar, uma dúvida pode ajudar...
   - Ok vou tentar, obrigado Sam.
   - Obrigado nada depois quero meu pagamento...
   - Qual?
   - Meu amigo de volta, depois te conto o que sei sobre a sua memória...
   - Posso voltar a ser eu sem elas, assim descubro quem que eu sou realmente.
    - Ok... tenho que sair, Jade chegou. Tchau.
    ~ offline
   Uma alegria nasceu em mim, uma esperança boa. Ela era tão inteligente, preocupada com os outros, mas sem deixar isso aparente. Gentil e forte, não fisicamente, mas sim no sentido de transmitir segurança. Fora seus olhos que emitiam toda a tranquilidade que alguém poderia me dar. Ela era tudo que eu imaginei, gostava das mesmas coisas que eu, divergiamos em algumas coisas, mas isso a tornava mais interessante.
   Sentei na cama e olhei minha escrivaninha, o colar que estava comigo no dia em que eu sumi estava lá encima. Ele estava piscando, tinha uma pequena led nele. Cheguei perto e tentei o abrir, dentro havia uma placa eletrônica e uma entrada de USB. Usei-a no computador e descobri que era um rastreador. Tinha todos os locais que eu fui com ele, data e hora. Isso me explicava o por quê que fui encontrado em um local tão distante,  estavam me rastreando.
   Olhei onde eu costumava a ir, assim podia descobrir mais ou menos o que fazia e diminuiria as chances de erros como o cometido com Sam. Ela se tornou uma ótima amiga, ou melhor, ela continuou sendo uma ótima amiga. At nem tanto, ele estava diatante de mim e eu dele, mal nos falávamos, no máximo vinha a minha casa para ver como eu estava e logo voltava. Suas visitas não passavam da porta, sempre que ele olhava para a minha mão e via as cicatrizes que estavam nela desistia de dizer algo a mais.
   Ele estava com um corte na face, passando pelo olho, mas era disfarçado com a franja que fica a frente. At ficava sombrio deste jeito, das vagas lembranças, que comecei a recobrar, via ele mais sorridente e agora estava muito sério, apático. Sempre com um sentimento de culpa, raiva, inconformado com os fatos passados. Nada voltaria a ser como era. Olhar para o corte que estava marcado no lado direito me trazia a sensação de não estar fazendo a coisa certa, minhas costas incomodavam.
   Eu conversava pouco com todos a minha volta, Marco vinha nos ver em alguns dias, ficava falando com Mei. Eu saia e ia para meu quarto, fazia qualquer outra coisa, menos ouvir o que diziam. Quando At vinha me visitar, agia educadamente oferecendo a entrada e ele sempre recusava. Eu não falava uma palavra sequer e ele me acompanhava. Samantha era a única qur conseguia arrancar mais que um oi de mim, mesmo tentando seguir os concelhos dela com Jade, nossas conversas sempre acabavam rápido, sem assunto. Não havia algo para me acostumar, minha realidade era aquela, me manter em silêncio, sempre com poucas palavras.
   Perder a memória não foi um fato totalmente ruim, só me preparou para um amanhã diferente, ou me fez acostumar com um cotidiano eminente e imutável. Como saber qual caminho seguir se não sei qual eu já trilhei? Preferi escolher qualquer um, o primeiro a me ser mostrado, mesmo que já fora percorrido eu iria o fazer como novo. Escolhas novas, pessoas novas, um tempo novo. Não importa o ontem e sim o amanhã. Pois ninguém nada num mesmo rio duas vezes, são outras águas, outros peixes, outra pessoa, outro Eu.

A procura do AmanhãOnde histórias criam vida. Descubra agora