Desde o começo do ano eu não ia a casa de At. Primeiro seus pais tinham viajado, depois eles foram atacados e por fim eu perdi a memória. Carol e John estavam viajando de novo e eu não os vi. Antes de chegar na casa eu liguei para uma ambulância ir verificar a montanha. Menti dizendo que houve uma briga de irmãos e um deles estava caido no chão desacordado. A casa estava como sempre, tranquila e cheirando um bom incenso.
Ao contrário de At, que possui um temperamento explosivo e fechado, seus pais eram relaxados e demonstravam bastante afeto aos alheios. De modo geral eram pacíficos e amáveis. O que diminuía mais os motivos para atacá-los. Passamos por uma foto de quando éramos crianças, At a frente de seus pais emburrado e eu a frente de Mei com um sorriso idiota no rosto, sim essa palavra me define completamente. Junto aos meus atos inconsequentes.
No quarto dele havia uma guitarra, a muito eu não o via tocando, uma beliche proxima a janela e um armário na frente. Não havia cama debaixo, At a retirou para colocar algumas de suas coisas, como o notebook, a escrivaninha, alguns livros e cadernos e por fim, escondido ao fundo duas espadas. Sentei no chão esperando as perguntas dele, porém nenhuma veio, ele preferiu desempoeirar seu velho instrumento e libertou algumas notas. Todas conhecidas por mim, quando ele aprendera a tocar eu era a cobaia para descobrir seus acertos e erros, na sua maioria saiam lindas melodias.
Dois power acordes seguidos (somente cordas de cima sendo tocadas), uma breve pausa, sequência lenta de dedilhado, mas a velocidade aumentava a cada compasso que passava. Minha música favorita, feita por Augusto aos 12 anos, quase dois anos se passaram. A harmonia entre a mudança de acordes, a melodia formada pela mistura incomum de notas suaves sempre me tranquilizou, porém foi esquecida pelas memórias envolvidas.
- Então, você pode me contar sobre Sam? - At falou com a cabeça baixa ainda deslizando os dedos nas cordas da guitarra - Eu só quero o bem dela, você sabe, eu gosto muito dela e por isso não gosto da sensação de que tem algo que eu não sei...
- Ok, eu te conto - falei me ajeitando, tentando relaxar - por onde eu começo? - perguntei a mim mesmo podo a mão na nuca.
- Pode ser no que aconteceu no dia em que ela chegou... - ele respondeu guardando o instrumento e sentando na janela, péssimo e antigo hábito.
- Bem, naquele dia ela estava fugindo dos FN's. Parece que é culpa do pai dela, ele mandou que a seguissem e a eliminassem junto de sua mãe. - At se assustou, mas não interrompeu apenas suspirou olhando o horizonte - Infelizmente a mãe dela faleceu no caminho e Sam teve que continuar fugindo sozinha, como tem dificuldades em voar teve que ir um grande caminho correndo, até me encontrar.
- Aí ela te atropelou, te jogou no meio da rua e caiu em um arbusto. Juan estava passando e te socorreu.
- Sim - falei.
Lembrei-me da "estranha" percepção dele, eu lia claramente às expressões de algumas pessoas, em sua maioria Eshys, os outros não sei se são, Mei tem a chamada "primeira impressão" assim ela consegue definir o caráter de quem está a sua frente. Já Augusto conseguia ver com exatidão os fatos que passados que descreviamos à ele, como uma terceira pessoa. Sua imaginação é incrível, pouquíssimos detalhes era errôneos. A percepção dele e ligação dos fatos o fazia um ótimo estrategista.
- E sobre a vida dela... - disse voltando o olhar para o cômodo - você sabe o que aconteceu antes dela vir aqui?
- Infelizmente sim, ela é filha de um poderoso empresário, Sebastian, porém ele tem uma sede de poder que o cega. Ele teve um filho antes dela, contudo mandou o matar por ser um mestiço como eu. A mãe da criança fugiu ainda grávida, faleceu no caminho do país em que iria ficar com a família, por uma doença uma semana depois do parto, anemia, ela estava na casa de uma amiga que se encarregou de cuidar do bebê. Quando esse nenem completou dois anos foi descoberto pelos FN's, eles mataram toda a família. A mãe, o pai, a irmã, e o filho adotivo, Daniel.
- Como que ela soube dessa história? - At perguntou intrigado.
- De algum modo o pai dela tinha orgulho deata história e por isso contava em algumas noites este incrível feito, ao seu ver, a mãe dela deixou de ter amor por ele e passou a temê-lo. E neste ano resolveu fugir, eles estavam na China e o Brasil foi o lugar mais distante que ela encontrou e aqui morreu.
- Com uma facada nas costas possivelmente, ou atacada de surpresa...
- Por que diz isto?
- Samantha não vira de costas para ninguém, sempre se preocupa em protegê-la, significando que ela sofreu por não dar a devida atenção ao seu redor.
- Você é mesmo incrível - murmurei a mim mesmo - tem mais coisa que você queira saber?
- Obrigado e sim, por acaso Mei sabe dessas coisas?
- Ela interrogou Gabe aquele dia no ginásio, mas eu não tenho certeza de nada.
Só do que eu fiz e te falei...
- Entendo, tem algum motivo pra Sam ter a asas como a dela?
- Ela é mistura de um Eshys branco com akuma negro. Segundo ela as suas asas sangram e isso a fere, por essa razão ela fica com as costas marcadas...
- Igual quando nós brigamos e sem querer eu cortei uma parte da tua asa?
- É... mas você devolveu - ele reapondeu com meio sorriso.
- Foi logo depois de você compor sua música não é? Vamos fazer alguma coisa que quando eu celular em casa Mei não me deixará em paz. Roubei sua moto e briguei por causa daquela maldita coleção....
- Dan, já parou para pensar que Marco e Mei mataram pessoas? - At falou totalmente desconfortável e puxando um colchão pra mim - Tipo, ele era um FN e ela assumiu, não se incomoda?
- Ela me criou, mesmo não sabendo que ela matou alguém, foi uma boa mãe. Não me importo muito, ela sempre me ensinou a pensar antes de agir e nunca desvalorizar algo, não importa a situação tudo tem um valor. Uma troca.
- Ela já te contou porquê matou alguém?
- Não, mas acho que tinha um bebê envolvido e foi uma luta difícil. Dos seis envolvidos somente a criança e ela sairam de lá. Ela matou o cara que atacou a família. Deve ser por isso, por ele ter matado uma família...
- E se não for? - falou por falar, não havia malícia na sua voz, talvez mágoa.
- Não importa, ela salvou o bebê, para mim é o que importa.
- Ok, boa noite - disse se jogando na beliche.
Tentei dormir, mas o dia passou em minha cabeça. Somos apenas jovens e queremos mudar o mundo, mudar as pessoas em nossa volta. Mudar quem tem poder e quer ver sangue pintando as ruas ao seu domínio. Destruímos uma parte da FN, At teve sua vingança contra aquele que atacou seus pais e queria matá-los e agora não tínhamos mais nada. Éramos tão ingênuos, a possibilidade de fazer uma falsa justiça era fascinante, enobrecedora, seríamos Eshys melhores, eu encontraria um jeito de ajudar At em suas asas, de modo que ele não sofresse tanto. Várias ideais surgiram em minha mente, nenhuma que me trouxesse tranquilidade. Meus atos foram inconsequentes a tal ponto de envolver inocentes nas consequências, de por em risco que eu me importo, de machucar quem mais preciso proteger.
Depois de passar horas pensando nas idiotices que havia cometido, me levantei e sentei no lugar que At costumava ficar. Era tranquilizador ver as estrelas e o luar, distantes, emitindo luz para iluminar a noite que por falta do sol é escura e esconde segredos. Mas com a lua, linda, perto de nós, tudo fica mais evidente, não tanto quanto o dia, mas melhir que a plena escuridão, a imensa ignorância. E olhando pela janela que uma luz apareceu. A criança que Mei salvara podia ser o irmão de Sam, os dados batiam, os FN's atacaram e a família morreu. Talvez Daniel estivesse vivo e Sam não estaria sozinha, seria uma companhia para ela. Olhei no relógio e já eram oito horas, o céu estava nublado, contrastando a linda noite passada, porém um clima para o que viria.
- Dan - Mei gritou e me abraçou quando viu nós dois em sua porta - At - agarrou o moreno que retribuiu de bom grado, Mei e a mãe dele eram as únicas que recebiam um abraço real dele - vocês estão bem? Se machucaram? Onde estavam? Comeram bem??? Cadê Sam e Jade? E...
- Calma mãe - falei estranhando essas palavras em minha boca - estamos bem - assegurei tomando certa distância, meu ombro já estava no lugar, nenhum dos outros tiveram algo sério também - não se preocupe. Só saímos por um dia, não é como se nunca fizemos isso?
- Você me ligou falando coisas estranhas, brigou comigo, pegou minha moto antiga, At ligou dizendo que iam dormir na casa dele. Eu fui lá, mas não tinha ninguém, Carol me disse que estava viajando a trabalho. Como não me preocupar.
- Eu estava confuso com algumas coisas e acho que com febre também. At me levou para refrescar a cabeça e depois fomos para casa... - respondi entrando na casa e vi Marco sentado a mesa e fui em sua direção - Nossa você está aqui como vai?
Estendi a mão esquerda a ele, antes dele pensar em trocar a mão soquei o estômago dele. A distância entre nós era pequena, dificultando a reação, além de ninguém imaginar que eu bateria nele. Antes que se levantasse dei um joelhada no rosto, fazendo o meu professor cair no chão. Eu ainda tinha 14 anos, mas já era forte e sabia como socar direito alguém de perto. Aquele babaca tinha envolvimentos com a FN e não há motivos boms para isso, além de comprar informações do lugar que eu estava deles e pagar de bom moço que achou o menino perdido, mortes aconteciam e os FN's eram os culpados porque confiar neles? Qual seria o motivo de ter certeza que eu estaria lá?
- Dan! - Mei e At gritaram me tirando de perto do cara no chão.
- Por que você fez isso?!?! - Augusto me perguntou assustado.
- Eu fui atacado quando eu sumi por três dias, os FN's bateram na minha cabeça, eu perdi a memória por um tempo...
- E o Marco entra onde nesta história? - Mei falou levantando o indivíduo que tinha sangue escorrendo pelo nariz.
- Pelo visto você ainda sangra... - afirme com um sorriso sarcástico de canto - Você não matou? Ou será que não sente remorso?!?
- Dan, o que deu em você? - Mei continuava apavorada.
- Deixe-me advinhar o bom moço ao seu lado descobriu onde eu estava e vocês foram correndo me salvar sem perguntar como ele descobriu. Correto? - ninguém respondeu - Ele não quebrou o contato com eles, sempre esteve envolvido. Alguém ainda acha que eu eatou louco? Os pais do At foram atacados, eu fui apagado durante três dias, se não precisassem de algo dele eu estaria morto e talvez por isso me atacaram, os primos da Jade foram mortos e o belezinha ao seu lado está envolvido com os cara que fizeram essas atrocidades. Parece que uma vez Foice Negra sempre Foice Negra.
- Dan - Marco falou limpando o sangue da boca - você não sabe do que está falando.
- Tudo o que eu disse é real - afirmei tentando ir em sua direção, mas At me segurou - ou vai dizer que eu estou louco? Pergunte a Sam ela sabe o que aconteceu.
- Vocês não sabem a verdade! - ele gritou se levantando contra mim.
- Então me diz qual é! - devolvi no mesmo tom, ele não respondeu - Não tem como não é?
Peguei um refrigerante na geladeira e sai
para o quintal, retirei o meu protetor e joguei em qualquer canto. Abri a latinha e fiquei no canto que Mei costumava a ficar. Naquele momento entendi o por quê dela gostar de ficar ali, no horizonte não haviam casas, pessoas, problemas, apenas a natureza exuberante. A tranquilidade exalava daquela linda paisagem, paz e distrações para uma semana tumultuada. Peguei me celular no bolso e percebi que a minha camiseta estava jogada ao chão, não lembrava de quando havia tirado. Liguei para Sam que demorou a atender:
- Alô? - ela disse me aliviando.
- Oi, sou eu... - falei tentando soar normal.
- Aconteceu alguma coisa? - exclamou preocupada - Já estou indo para aí quer que eu leve algo.
- Só queria conversar mesmo - afirmei sério - não aconteceu nada depois de que você foi embora... se puder vir.
- Eu já estava a caminho... - respendeu fazendo uma pausa - Dan, está chorando?
- Lógico que não - coloquei a mão no rosto e o senti molhado, porque eu estava chorando? - você 'tá imaginando coisas.
- Às vezes foi só impressão, daqui a pouco chego ai - falou em dúvida - até...
- Até - desliguei o aparelho.
Lágrimas solitárias, espaçadas teimavam em vir, não havia motivos. Nenhum. Nada. Exatamente isso nada. Eu não tenho certeza de alguma coisa, nada me é certo. As dúvidas sempre foram frequentes para mim, algumas memórias apagadas, pedaços delas. Sempre há algo faltando, nada concreto. Contudo isso não é motivo para chorar, algo superficial, sem importância e passageiro... Não, eu não savia o que era o certo, não tinha noção do que era errado. Tudo tem o seu motivo, suas razões, até essa gotas inúteis que saem do meu olho, e por que elas têm de estar erradas. Não machucando ninguém é o que importa e se machucar e seu motivo forem justos, nobres. Para mim o certo era somente uma palavra oposta a errado, apesar dos esforços que Mei fez a me ensinar. A campainha tocou, devia ser ela, Sam.
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A procura do Amanhã
RandomDan, sempre foi uma criança e adolescente responsável, mas tudo mudou quando decide encarar o próprio passado e sem conhecê-lo não consegue olhar para frente. O futuro parece inviável diante a neblina que cobre o passados, mas será que o pequeno e i...