"Eu havia imaginado aquele momento diversas vezes, tantas que eu mal pude contar depois que todos os dedos dos pés e das mãos já haviam marcado o número necessário e provavelmente o número aceitável para alguém sonhar com o homem que já fora tudo pa...
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Cathy era irmã da minha mãe, morava na parte rural de Boston, bem afastada da civilização, como ela gostava. Quando mamãe morreu, tia Cathy insistiu para que meu pai se mudasse para Boston, ela dizia que eu precisava de uma figura feminina na minha vida. Ela não estava errada.
No primeiro ano após a morte da mamãe, tia Cathy era tudo que eu precisava. Escovava meus cabelos, lia para mim na hora de dormir, cantava minhas canções favoritas enquanto fazia o almoço, preparava toda quinta feira minha torta favorita de morango para o lanche da tarde, tudo isso enquanto meu pai vivia seu luto eterno e profundo, se esquecendo do mais importante: ser meu pai.
Mas isso mudou depois que o marido dela morreu na guerra do Afeganistão, dois anos antes.
Richard Howard estava a menos de uma semana da sua volta para casa quando foi designado para uma missão. Como Comandante, ele tinha que liderar sua equipe.
Apenas disseram que ele foi morto em combate lutando bravamente até o fim.
Tia Cathy não quis saber de mais detalhes e ninguém nunca mais ousou perguntar nada.
Dois anos haviam se passado após o funeral. O mundo continuou girando, a vida das pessoas continuou seguindo e todos se esqueceram do Comandante Howard.
Todos menos a tia Cathy.
Após isso, tia Cathy ficou distante e fria. Chorava pelos cantos e mal falava.
Ela nunca mais penteou meus cabelos, nem me botou para dormir. Também nunca mais a ouvi cantar, e ela pareceu esquecer que quintas eram dias de torta de morango.
Ela esqueceu. Eu não.
Papai me buscou na casa dela, e durante meses não ouvi falar de tia Cathy.
Quando soube novamente dela, eu já escovava os cabelos sozinha e dormia de luz apagada, já era grande o suficiente para saber que era só botar a canção que eu queria no celular, ligar a caixinha de som que ela tocava sem parar.
Mas nunca aprendi a fazer uma torta de morango como a dela.
Tia Cathy se mudou para a parte rural de Boston. Longe da maior parte de civilização, das lembranças de Richard Howard, das dores e cicatrizes que ficaram.
Para longe de mim.
Mas eu não tinha mais ninguém agora.
Após deixar meu pai atônito quando desci as escadas com as malas nas mãos, eu não sabia para onde ir. Somente quando sai na estação de metrô que era próxima a casa de tia Cathy, foi que eu soube onde estava.
Torci internamente para que ela não me expulsasse de lá. Eu não tinha mais ninguém.
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- Você está ótima! - exclamou tia Cathy, com sorriso de orelha a orelha. - Estou tão feliz que voltou a Boston! Senti tanto a sua falta! - já era o quinto abraço que tia Cathy me dava, mas não me importei, também senti a falta dela. - Quatro anos não parece tanto tempo quando a gente pensa ou fala, mas pra quem vive, quatro anos parecem não passar.
- Tem razão, tia Cathy. Também senti sua falta! A senhora está ótima!
- Ah, para com isso! - ela sorri sem graça, indo em direção a cozinha. - Vem! Vou fazer a torta que você tanto ama.
- Não precisa, tia. Não quero incomodar.
- Imagina, minha querida! Senti tanto sua falta e você gosta tanto.
Sorri, eu estava louca por aquela torta!
- Mas então... me conta como andam as coisas.
- Ah, tia Cathy... diferentes - dei um sorriso triste. - Finalmente me tornei adulta e faço coisas de gente grande. Sabe... aquelas sem graça.
- Ah, minha querida, não é tão ruim assim ser adulto. Mas... - ela tirou os olhos da massa que estava preparado na bancada americana da cozinha e me olhou. - E o... seu pai? Já o viu?
- Ainda não. E nem sei se quero o ver. Não planejo ficar muito tempo.
- Seu pai merece ver você, Scarlet. Sei que o que ele fez é imperdoável e horrível... mas ele sente sua falta. Muita. E se arrepende mais do que pode e será capaz de dizer - ela se voltou para a massa que já grudava em suas mãos. - Desde que você se foi eu voltei a ter contato com ele e, ele não é mais o mesmo, querida. Na verdade, não sabia que você tinha perdido o bebê. Me perguntou o nome da criança alguns meses depois que você partiu para Paris.
Eu gelei. Era a primeira vez a quatro anos que alguém dizia tal coisa.
Dizia o que realmente tinha acontecido.
Eu tinha perdido o bebê.
Meu filho.
- Scarlet, você não deixou de ser mãe no dia que perdeu o bebê. Você vai ser sempre mãe.
- Tia... por favor... - tentei falar, com a voz já chorosa.
- Não, você precisa ouvir. Parece que carrega o peso do mundo nos seus ombros. Não foi culpa sua, Scarlet.
Antes que eu pudesse responder, a companhia tocou. Agradeci a Deus, aos deuses, anjos, fadas, qualquer um que pudesse ouvir por aquilo. Não era uma coisa que eu queria compartilhar ou relembrar.
Foi culpa minha.
Passei a maior parte da gravidez desejando que aquilo não estivesse acontecendo. Chorando e me lamentando por ter sido tão burra. Triste, por ter perdido a única pessoa que já amei de verdade. Perdida, por me sentir tão sozinha. E de coração partido, porque metade da minha alma se foi quando Ian foi embora para Nova York.
Oito meses depois, paguei o preço pelos meus pensamentos e desejos.
Mas perdi outra parte da minha alma naquela noite, quando o filho que eu tanto dizia ter sido um erro, se mostrou a única coisa capaz de me fazer ser feliz de novo.
A alegria não durou muito, mas a culpa me acompanha desde então.
Quando a companhia tocou de novo, me levantei da cadeira que ficava perto da bancada.
- Eu atendo - falei, já de costas.
Andei a passos rápidos até a porta e rapidamente a abri, gelando até os ossos quando vi quem estava do outro lado da porta.