No final desta semana temos de estar na Turquia, para a última corrida em que vou estar ao lado do Lewis, antes de regressar a Londres.
Ele está na sala, a tocar piano, virado de costas para mim. Fazia-me falta estar assim, em sossego e com ele a tocar. Ele é daquelas pessoas que quer fazer um bocadinho de tudo e, em tudo aquilo a que se propõe, dá o seu melhor. Quando está ao volante do carro de Fórmula 1, é quando o vemos no seu elemento mais natural e mais puro. Eu acho que tenho a sorte de o ver mais vezes fora da zona de conforto e, mesmo assim, estar sempre tão em paz e a dar o seu melhor.
Acabei por vir para a varanda da sala, a maior, ficando no sofá apenas a olhá-lo e com o pôr do sol deste dia lindo a aquecer-me as costas. Há muita coisa a passar-me pela cabeça ao mesmo tempo, desde a conversa que ele e o meu pai tiveram, às lembranças que aquele momento me deu. Porque há toda uma história sobre mim que o Lewis desconhece.
Surpreendentemente, e quase que por obra de todos os planetas alinhados, o meu telemóvel começa a tocar com o nome da Rachel a aparecer no ecrã.
- Olá minha querida amiga – disse depois de atender a chamada.
- Já te julgava desaparecida – a verdade é que desde que estou nesta bolha anti-tudo com o Lewis, que me desliguei por completo da minha vida no Reino Unido. Mas ela existe e é a vida à qual vou ter de regressar.
- Desculpa – virei-me de costas para o Lewis, ficando agora só a olhar o pôr do sol – eu sinto que estou numa bolha e que mais nada existe. Uma amiga destas podes muito bem mandar para o lixo!
- Não digas disparates – ela riu-se, soltando um longo suspiro.
- Como é que tu estás?
- Cansada... muito cansada.
- As coisas não estão a melhorar, pois não?
- A cada dia que passa, não sei como é que é possível piorarem ainda mais – sinto que ela precisa de alguém para a ouvir neste momento e eu tenho de ser essa pessoa. Porque há muitos anos que somos isso uma para a outra, porque estamos sempre um passo à frente em relação ao que a outra está a sentir. O Lewis, quando conheceu a Rachel, achou que éramos irmãs por toda a nossa cumplicidade – estive a dormir dez horas seguidas, depois de um turno de 24 horas.
- Rachel...
- Não está a ser fácil, Bea. Nada, nada fácil – durante uns bons minutos ouvi, com o coração nas mãos, o relato que ela me fez daquilo que vê todos os dias. Da quantidade de famílias a quem já teve de anunciar que os seus familiares partiram. Ouço-a com um aperto no coração, sabendo que não a poderei apertar nos meus braços quando regressar a casa – mas eu preciso é que me dês uma boa razão para eu ficar bem-disposta nesta minha folga. A questão que se impõe: quando é que é o casório? – acabei por me rir, deitando-me por completo no grande sofá.
- Sabes que quase parece que estou de lua-de-mel com ele... se bem que eu não tenha nenhum termo de comparação – ela riu-se à gargalhada – mas sinto que há aqui qualquer coisa de diferente.
- Estavas a precisar de estar com ele. Eu por este andar fico tia dos vossos filhos e madrinha do casamento. Ninguém quer conhecer uma enfermeira no meio de uma pandemia – filhos... todo um tema delicado, mas tão apropriado tendo em conta as minhas últimas horas.
- Nem nenhum médico ou enfermeiro?
- Se ainda tivéssemos tempo para isso... estão lá dois colegas novos no meu serviço, que eu não me importava nada de conhecer melhor, mas não temos tempo.
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Always, Be
أدب الهواةBeatrice O universo colocou-nos uma pandemia pela frente e, com 17 crianças à minha responsabilidade, o medo é constante. Poderia sentir-me a pessoa mais aterrorizada no mundo, mas sei que ele está lá para mim. Ele. O meu melhor amigo. A pessoa que...