Capítulo 45

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Com minha mão entrelaçada a da minha mulher, Jo e eu damos um passo na direção do garotinho que tem quatro anos no máximo* e que no mesmo instante se encolhe ainda mais contra a parede.
Jo se agacha mais perto dele, e eu fasso o mesmo, apoiando meu joelho no chão porque minhas pernas ainda estão tremendo descontroladamente. Pensei que adotar Kira, que o sentimento que eu senti quando a vi pela primeira vez só iria acontecer uma vez na minha vida, mas agora sei que estava absurdamente errado, e eu me pego sorrindo quando me lembro do que a, tantos anos atrás, Philipe disse para Josephine em um sonho: Eles serão lindos, todos eles, por dentro e por fora...




- Oi, eu sou a Josephine e esse é o Hero, meu marido.





Jo diz com a voz embargada para o garotinho, mas sei que pelo olhar dele ele não consegue não entender.





- Ele não deve saber falar a nossa língua. Você disse que os pais vieram do  Afeganistão a dois meses, ele não deve nos entender ainda.






Eu digo, e Jo se vira para mim ainda com os olhos cheios de lágrimas, embora agora eu veja uma certa compreensão que me faz rir. Jo ficou tão extasiada com o menininho que se esqueceu que ele não nasceu aqui e tão pouco fala a nossa língua.
Eu pego meu celular do bolço e coloco em um aplicativo de tradução de idiomas, ao mesmo tempo em que escolho a opção da língua Dari, porque apesar de saber que no Afeganistão eles também falam Pachto, a primeira é a mais conhecida. 





- Ali e Sanaubar.





Josephine diz, e eu olho para ela sem entender nada, mas assim que os olhos do garotinho se arregalam e se enchem de lágrimas sei de quem Josephine está falando. Os pais dele.
Lentamente eu me aproximo do menininho, e me surpreendo quando ele me deixa pega-lo no colo e o colocar em cima da minha perna.
Jo por sua vez se aproxima de nós, e eu sorrio quando o garotinho deixa minha esposa enxugar suas lágrimas, sei que ele não consegue me entender, mas acho que percebeu que está seguro com a gente.








- Eu coloquei a pessoa que machucou eles em um lugar muito longe daqui. Ninguém mais vai machucar você. Eu e meu marido não vamos deixar isso acontecer!






Jo diz para o meu telefone, pouco antes de ele traduzir o áudio para a língua do garotinho, que eu observo começar a chorar enquanto diz algo na sua língua, que a voz do aplicativo traduz de forma robótica:




- Eles nunca mais vão voltar, não é?






E, simples assim, eu sinto minhas entranhas se revirarem, e quando olho para Jo sei que ela está com a mesma sensação. Quando eu perdi meus pais eu já era um homem, já tinha meu emprego e minha vida estabilizada mas mesmo assim perdê-los foi uma dor insuportável, eles e Rubi eram a única coisa que eu tinha e a dor da perda foi tão forte que eu passei meses sem conseguir respirar direito.
Foi infernal, e o menininho nos meus braços está passando por isso de um jeito mil vezes pior porque ele está em um país desconhecido, porque ele viu os pais serem assacinados por serem afegãos, porque ele está aqui sozinho, pelo menos estava...
Eu pego o celular das mãos de  Jo mas só para falar algo que o aplicativo traduz para a linha do garotinho.






- Não, eles não vão e nós sentimos muito por isso, mas você não vai estar mais sozinho. Nós vamos cuidar e proteger você, apartir de agora você vai estar seguro e vai ter tudo o que seus pais queriam que você tivesse quando vieram para esse país.






Eu digo, e observo enquanto o menininho segura na mão que Jo estende para poder enxugar as suas lágrimas.




- Eu sou Hassan.




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