Apaixonada?

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Acordei com a madre sentada no meu colchão no chão, me olhando com carinho. Meu coração se apertou com a lembrança de minha mãe fazendo a mesma coisa todas as manhãs, já que acordar cedo não era uma coisa que eu fazia com frequência.

"Bom dia, Maine. Dormiu bem?" Como uma pessoa sentada praticamente no chão poderia ser tão formal?
Foi ai que vi uma caixa azul em suas mãos.

Azuis como os olhos dele.

Sacudi a cabeça para espantar o padre da minha mente e a madre supôs que era para afastar o sono. Assim que me sentei, a madre pôs a caixa em minhas mãos.

"Isso é pra você." A madre sorriu.

"O que é?"

"Abra e verá." Abri a caixa, tentando ser delicada e não estragar ou rasgar nada.
Tentei não gritar porém foi em vão, o tênis era lindo, todo branco com os anéis do cadarço dourado.

"MADRE!" Ela encostou no meu braço como uma maneira sutil de me calar. "É lindo, madre, muito obrigada!"

"Agora você não precisa ficar descalça quando lavar um tênis. Também deixei uma sandália que Ana não usa mais em sua porta." Agradeceria a Ana depois, ela e Tereza estavam sendo muito boas comigo. Agora só conseguia olhar para o tênis perfeito em minhas mãos.

"Como sabia meu número, madre?" A testa da madre franziu por um segundo mas foi tão rápido que pensei ser coisa da minha cabeça.

"Você calça o mesmo que Ana, certo?"

"Sim, sim!" Óbvio que ela sabia, minha madrinha querida.

"Faça bom proveito dele, Maine." A madre se levantou, indo em direção a porta. "E ajude as irmãs na compra de hoje, a igreja precisa repor os mantimentos."

"Claro, madre! E muito obrigada. Eu amei!" Iria colocar imediatamente. "Não foi muito caro, né?"

Falei por educação mas o rosto duvidoso da madre me fez questionar se eu tinha desfalcado suas economias. Não sabia como funcionava isso de ser freira mas com certeza elas não eram mais ricas que os demais.

"Madre?" Levantei do colchão e fui para o seu lado, na porta. "Foi caro? A senhora não precisava fazer isso, meu tênis já deve estar seco e a sandália de Ana seria mais que o suficiente e..."

"Não foi caro, não se preocupe." Madre suspirou e me deu um sorriso que não me tranquilizou.

Eu precisava arrumar um trabalho logo e parar de dar desfalques para ela. Um teto era tudo que eu podia aceitar da madre mas por agora eu apenas a agradeceria.

"Obrigada." Dei um abraço nela e recebi tapinhas em minhas costas.
Era estranho como a madre era gentil porém distante ao mesmo tempo.

"Muito bem, agora se arrume e tome seu desjejum. As irmãs saem cedo para as compras."

Coloquei um conjunto de short de algodão e uma camisa de manga comprida florida, deixei os cabelos soltos e coloquei o presente da madre com carinho.
Terminei de comer e fui para o velho carro verde lodo que descobrir ser para o uso da igreja.

Na volta, irmã Tereza ia atrás com as compras e eu ia do lado da irmã Márcia, uma mulher a cima do peso que dirigia como uma louca.
Agarrei o cinto de segurança que não me passava segurança nenhuma por ser largo demais e fiz minha primeira oração desde muito tempo.

De todo o azar que eu atraía, um esquilo atravessar a rua na hora que a irmã piloto de fulga virava a esquina da rua da igreja era demais até mesmo pra mim.
A notícia boa era que o freio estava funcionando, a ruim era que o cinto de segurança não. Bati a cabeça na janela enquanto as irmãs gritavam assustadas.

"Já deu! Eu desço aqui." Abri a porta um pouco zonza e desci daquela máquina mortífera.

"Mas Maine, já estamos chegando."

"Exatamente, irmã Márcia! Já estamos praticamente na igreja, eu vou andando!" Cheguei no pátio da igreja enquanto as irmãs íam atrás de mim tentando me impedir.

"Maine? O que aconteceu?"

Me virei para a madre e vi o padre Oskar com ela.
Um padre não podia ser tão lindo assim. E por que raios ele tinha que vestir aquela jaqueta?!

"Ela bateu a cabeça e saiu do carro, nós queríamos ter certeza de que ela estava bem." Irmã Tereza respondeu por mim.

"Como assim bateu a cabeça?"

"Madre, a irmã Márcia é uma fugitiva? Pode dizer pra mim." Digo em tom conspiratório.

"Você está bem?" O padre perguntou, ignorando minha brincadeira.

"Claro que sim! Só não entro mas em um carro com freiras."

"Que bom." Seus olhos azuis se viraram para a madre e eu logo sentir falta deles em mim. "Madre Fátima, eu já vou indo, preciso preparar tudo para a missa de domingo."

Ele ia embora? Padres não ficavam nas igrejas?

O pároco se virou para ir embora e quando passou por mim, não pensei duas vezes e me joguei pra trás.
Toda a culpa e vergonha pela mentira se foi quando os braços dele me pegaram antes de me esborrachar no chão e me levantou, me pegando no colo ao som de gritos preocupados das irmãs e da madre.

"Vamos deita-la!" O padre disse enquanto as irmãs concordavam e o seguiam.

Meus olhos estavam fechados mas era o bastante sentir seu cheiro e ter seus braços em volta de mim. Ele me acomodou em um cama e se distanciou.

"Vou chamar um médico." Abri os olhos imediatamente.

"Maine?!" Irmã Tereza estava no quarto com o padre Oskar, as outras não sabia onde tinham ido.

"Você está bem?" Me sentei na cama e o padre se sentou na beirada. "Traga água para ela, irmã!"
Ficamos sozinhos na cama, sua mão em cima da minha e eu senti que podia desmaiar de verdade.

"Estou. Não preciso de médico."

"Precisa sim. Fiquei muito preocupado quando vi que você estava caindo." Seu tom era sereno, se destacando com o tom vibrante de seus olhos.

"Você é padre, certo? Se preocupa com todos... igualmente." Mirei seus olhos e senti meu coração martelar dentro de mim. Que loucura era aquela?

"Igualmente, não." Disse simplesmente.

"Aqui, padre." Irmã Tereza entregou o copo d'água para o padre que me entregou mas sem tirar completamente as mãos, provavelmente com medo de que eu não aguentasse o copo. "A madre está ajudando as irmãs com as sacolas, a tranquilizei dizendo que o senhor iria chamar um médico."

"Fez bem, irmã. Vou ligar imediatamente!"

Segurei suas mãos que estava por cima do copo, atraindo sua atenção. Queria dizer que um médico não era necessário mas talvez era, pois o que sentia só por estar tocando em suas mãos só podia ser alguma virose.

A madre entrou no quarto e tomou o lugar do padre Oskar no meu lado e a necessidade dele se fez presente de novo.

"Você está bem? O médico já chegou?"

"Madre, eu não preciso de médico nenhum." A madre me estudou por um momento e se deu por vencida.

"Não estou segura disso, mas se você diz..." Dei um sorriso grato para a madre mas que se desfez logo que vi o padre no celular, chamando o tal médico.

"Ele está a caminho." Abria a boca para protestar quando a madre me interrompeu.

"Com essa confusão de carro, esquilo e desmaio, me esqueci de dona Elena. Padre, sua avó está aqui."

Ele me avaliou dos pés a cabeça e se foi me deixando confusa.
Eu o achava muito bonito, sim, eu não era cega e imagino que todas ali pensavam o mesmo.
Mas o que eu estava sentindo era diferente de tudo que já senti. Não tive muitos namorados mas sabia o que meu coração estava me dizendo. Eu estava apaixonada...por um padre.

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora