Perto do adeus

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O ônibus estava vazio para uma quarta-feira pela manhã, o sol estava quente demais e minha saia preta colava nas minhas coxas. Desci onde Rebecca havia dito e entrei num prédio pequeno comparado aos prédios ao lado. O espaço interno era bem chique, tudo num tom cinza e branco, com poltronas que me faziam querer sentar e espelhos que me faziam querer me olhar. A recepcionista me disse para ir no 3° andar e entrar na primeira porta de frente para o elevador.
O trabalho era simples, atender telefonemas, anotar recados e agendar consultas. O médico era um amor de pessoa e riu da minha cara surpresa quando eu descobrir ser o doutor David. Ele provavelmente já me esperava.
Soube que trabalharia eu e mais uma senhora como secretária, a senhora Janet. Ela era simpática comigo e com o doutor mas era um pouco dura com os pacientes, talvez devido aos seus anos de experiência.
Em dois dias eu já estava fazendo tudo sozinha enquanto Janet almoçava. Claro que ainda pedia ajuda quando ela estava mas quando não, eu me virava.

Nós três saímos pra jantar todos os dias dessa semana, sem exceção. No primeiro dia pensei que era uma comemoração pelo meu novo trabalho mas acho que eles farão disso uma rotina. Não reclamo, doutor David quem paga.
O dinheiro fará muito bem pra mim, não é muito mas é o bastante pra não dar mais nenhuma despesa pra madre. Também comprei um celular, mesmo sem ter recebido ainda, e já tenho três contatos: a madre, claro, a Rebecca e a Luíza. Mas o mais importante era que o trabalho me impedia de ir até ele. Eu ainda pensava muito nele. Muito.

Quando saía do convento, a primeira coisa que eu pensava era onde ele estava. Eu saia as 7h mas a essa hora ele já estava acordado fazia tempo, então me pegava pensando se nós nos esbarraríamos alguma vez.
Quando saía do ônibus e via as pessoas atravessando a avenida, me pegava olhando para o fluxo para, talvez encontrar um par de olhos azuis.
Quando ia almoçar no pequeno refeitório do prédio, me perguntava se ele estava se alimentando bem.
Quando me despedia de Janet e doutor David e pegava o ônibus, as 17:30h, me perguntava se ele não estaria solitário na igreja como eu estava solitária no ônibus.
Isso era todos os dias, a mesma coisa, os mesmos pensamentos e a mesma saudade. Já era quarta-feira novamente e fazia uma semana que eu estava trabalhando, me perguntava se isso era temporário ou se eu pensaria nele até que um dia eu agonizasse e morresse de dor.
Talvez era só um treinamento para que eu aguentasse a dor do fim de semana. Ele iria embora pra sempre e eu não tinha pra onde fugir. Por que não tinha trabalho no fim de semana?

"Maine." Doutor David parecia que estava me chamando a algum tempo.

"Me-me desculpa. Diga, doutor."

Ele sorriu. Um sorriso bonito e encantador.

"Perguntei se você está bem com isso."

"Ham..."

Janet deu uma risada e respondeu por mim.

"É claro que ela não se importa. Ela adoraria jantar com você amanhã sem essa velha aqui."

"O que?! Por que?"

"Meu filho vai se casar na sexta, então o doutor está me liberando já na quinta pra poder ajudar nos preparativos finais. E claro, pra ficar a sois com você."

"Ham, tá. Quer dizer, parabéns, Janet."

Oi?

"Obrigada, querida. Minha nora está muito nervosa esses dias. Mas está tudo indo muito bem."

Ela deu algumas risadinhas e alguns olhares entre o doutor e eu. Será que eles falaram alguma coisa sobre mim?
Janet saiu primeiro e ficamos apenas o doutor e eu. Ele era charmoso e se esforçava pra ser engraçado e eu apreciava isso.

"O que quer comer amanhã?"

"Hum...massa."

"Boa!"

Saímos do restaurante e eu ia dar meu costumeiro tchau e ir embora quando ele pegou minha mão.

"Trabalhar com você tem sido muito bom. Espero que esteja gostando também."

"Eu estou sim, doutor."

Ele ainda segurava minha mão quando pediu:

"Quando estivermos fora do consultório, você pode me chamar de David."

"Ah, tudo bem então, David." Sorri.

De volta pra casa fiquei pensando, ele estava afim de mim, mas não sabia se era sério ou se ele apenas gostava de romances de escritórios.
Eu não ligava pra isso, seria até interessante se eu não tivesse com outro na cabeça.

Eu não falava com ele a uma semana, apenas o vi no domingo na igreja e ele estava lindo. Apenas acenou pra mim, de longe mas eu tive a impressão de ter seus olhos em mim algumas vezes.

O dia seguinte correu tranquilo, mesmo sem Janet eu conseguia me virar e não decepcionei o doutor nenhuma vez. Estava orgulhosa de mim mesma. Recusei jantar com David alegando cansaço e ele me liberou sob a promessa de jantarmos juntos amanhã.
David era compreensivo, gentil, muito bonito, bem sucedido e parecia querer alguma coisa comigo então não pude deixar de pensar em como tudo seria mais fácil se fosse ele o dono dos meus pensamentos.

Sexta-feira começou nublado e eu mal consegui acordar, apressada, saí sem um guarda-chuva e é claro que começou a chover assim que eu e David saímos do restaurante. Que azar!

"Eu te levo."

"Ah, não precisa, olha! Meu ônibus."

"Tem certeza? O ponto não fica muito longe do convento?" Pior que ficava.

"Não, é apenas uma rua." Uma rua bem larga, pensei. "Obrigada."

Mais uma vez David pegou na minha mão como despedida. Ele realmente era doce.

"Até segunda. Ou domingo na igreja."

Ah. Igreja. Padre.

Sorri e corri até o ônibus. Quando desci, coloquei meu celular do lado de dentro da calça e apressadamente andei até o convento, dando de cara com o padre na calçada me olhando de forma estranha. Como se tivesse sido descoberto.

"Maine?"

Como eu pude me esquecer do som mais gostoso do mundo? Sua voz rouca dizendo meu nome com a combinação da chuva a nossa volta era o céu.

"Você está..." Ele parou o que ia dizer quando seu olhar caiu para a minha camisa de seda completamente colada ao meu corpo.

"Molhada?"

"É melhor você entrar."

Sua voz já rouca naturalmente, ganhou um tom a mais de rouquidão. Fingir que não me afetava e corri para o meu quarto, e só no calor do ambiente que descobri que eu tremia de frio. Enquanto tomava um banho quente fiquei lembrando do olhar do padre quando me viu. Parecia que ele estava querendo ficar sozinho, ou observar algo sem ser pego. Talvez estivesse esperando algo. Ou alguém. Eu chegava todos os dias no mesmo horário e ele nunca estava a vista mas... Mas hoje eu saí mais cedo por conta de não haver mais consultas marcadas nas últimas duas horas. Será que ele sempre ficava me observando mesmo sem eu vê-lo? Oskar Antoni, peguei você me espiando? Não, eu estava ficando doida. Queria tanto que ele demonstrasse algo que já estava de paranóia. Mesmo hoje, depois de mais de uma semana sem nos dirigirmos a palavra, ele tratou de me dispensar imediatamente. Ao contrário dessa igreja e cidade, não havia esperança aqui. Amanhã ele receberia o novo padre e domingo iria embora.

Me mexi inquieta na cama a noite toda sem conseguir dormir.

Eu aceitaria, pensei, mas não sem o devido adeus.

Ele disse que não mas havia sim me ameaçado a ficar longe, mas agora que ele iria embora mesmo, não havia com o que me ameaçar.

Não ficaríamos juntos, isso era certo, mas ficaríamos juntos uma vez. Apenas uma vez.
Ele tinha que ser justo comigo e consigo mesmo.

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora