Algo estranho

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Fui ter com a madre para acertar a missa de domingo. Geralmente era um padrão mas sempre era bom confirmar para não haver erros.
Haveria uma arrecadação de fundos para a igreja de Santa Esperança e eu queria muito ajudar enquanto estava a frente.

"Espere! Espere!" Saindo da igreja com a madre em meu encalço, ouvir gritos e vi irmã Tereza e uma outra que se não me enganava seria a irmã Márcia correndo atrás de uma Maine emburrada.
Ela tinha a testa rosada que supus ser do sol mas que depois descobri sobre o acidente, uma roupa colada demais num corpo que ignorei veementemente, e os tênis que lhe dei. Me dirigir a saída antes que meu contentamento me denunciasse.

Tudo foi rápido demais e quando vi, Maine já estava em meus braços. Antes de me dar conta do que acontecia, meus reflexos foram mais rápidos e eu já a envolvia e a trazia para meu peito. Sentia que devia protege-la desde que a vi, mas nada me preparou para esse momento.
Tentei dizer a mim mesmo que era um sentimento comum de padre mas quando ela me perguntou sobre minha preocupação ser igualmente para todos, não pude mentir.

"Igualmente, não." Tentei dizer a mim mesmo que era porque cada pessoa tinha uma necessidade diferente e cada um trazia de mim uma preocupação específica. Dentro de mim algo estranho aconteceu, negando que essa era uma preocupação comum, que não era uma preocupação de padre mas era algo do homem.

Volta e meia o Oskar se sobressaia ao padre, mas nunca foi um grande problema. Desde os meus 15 anos, servir ao Senhor esteve sempre em primeiro lugar e seria assim até minha morte.
Eu só teria que parar de olhar tanto pra ela, definir um espaço seguro e agir normalmente, isso era o certo a se fazer.

Seria mais fácil se uma gota d'água não escorresse pelos seus lábios avermelhados enquanto ela bebia água, tão mais fácil se nossas mãos não estivessem encostadas e uma corrente elétrica que eu esperava só eu estar sentindo não estivesse passando por mim pelo toque.
Um simples toque.

Deus é testemunha do quão grato sou pela madre ter chegado e tomado meu lugar com brusca preocupação, fazendo eu me lembrar de ligar para um médico.
Que não fosse nada demais, apenas fraqueza momentânea, orei.

Sei que acidentes acontecem mas enquanto eu estiver aqui, irmã Márcia não fica atrás do volante.
Algo ruim podia realmente ter acontecido a elas.
A ela.

Assim que fui informada da presença de minha avó, sai imediatamente daquele quarto, podendo pensar com clareza e percebendo o quão ridículo eu soava.
Maine era uma bela jovem, tinha um futuro a frente e eu já começava a ver ela casada, com filhos, uma casa e uma família que ela merecia ter.
Um estranho incômodo passou pelo meu peito quando tentei me ver a casando e batizando seus filhos porém logo empurrei os pensamentos para o mais longe possível.

Com minha razão de volta, suspirei aliviado indo de encontro a uma senhora baixa de olhar forte e azuis como os meus.

"Dona Elena, o que faz aqui?" Minha avó sorriu do seu jeito esperto e me entregou uma nota.

"Esqueceu de entregar isso junto com o tênis, se não couber, a pessoa pode trocar." Rapidamente peguei o papel e coloquei no bolso do meu jeans. "Bom...de nada."

"Não, vó, obrigado mesmo. Eu só não quero que ela..." Me corrigir. "...a pessoa saiba que foi eu quem deu." Minha vó franziu a testa mais nada disse.

"Você já falou com seu irmão?" Uma família normal não teria estranhado essa pergunta. Não éramos uma. Eu franzi a testa pra ela. "Você chegou ontem e ainda não foi vê-lo?"

"Não é por falta de vontade, acredite."

Otávio administrava os negócios da família Antoni, nossa família, e apesar de ter direito a metade, nunca fui atrás de uma moeda. O que eu queria mesmo era ter o meu irmão, mas seria mais fácil criar asas.
Se ele ainda me odiava como antes eu não sabia, mas a intensidade não mudava o fato dele me odiar e me culpar pela morte de nossos pais. Eu relevava por conhecer sua dor, ela era minha também.

"Ligue para ele, Oskar, não deixe de tentar, meu filho." Não sei quando foi que vó Elena tinha virado otimista, mas gostava desse seu novo lado. "Promete que vai ligar?" Acenei.

"Padre, o médico já está com Maine." Falou uma irmã com aproximadamente a idade da minha avó.

"Que bom, já estou indo, irmã."

Me despedir da minha avó e a acompanhei até o táxi, não antes de prometer novamente que ligaria para Otávio. Ela sabia que a única esperança de uma aproximação estava inteiramente em mim.
Otávio nunca viria até mim por espontaneidade então minha avó apelava para minha vontade de mudar nosso fracassado relacionamento fraternal. Ela sempre tão esperta...

Voltei para o quarto onde estava uma Maine deitada, um médico a auscultar seu coração e a irmã que me chamou na porta, já de saída.

Os olhos de Maine seguraram os meus por um tempo desconfortável e só a voz do médico nos trouxe de volta. Isso já começava a me incomodar, e não era muita coisa que me tirava do sério.

"Não entendo, seus batimentos estavam normais e de repente aceleraram!"

"O que isso quer dizer?" Perguntei rapidamente.

"Oh, eu não vi o senhor aí." Se virando ele olhou de mim para Maine e voltou para mim. "Então foi por isso..."

"Não entendi. Ela vai ficar bem, doutor?"

"Não precisa se preocupar, ela está bem. Recomendo repouso e uma boa noite de sono." Se levantando, ele me avaliou e franziu as sobrancelhas.

Era normal aquele tipo de reação, uma padre jovem não era comum. Sorri.

"Sou o padre Oskar, ficarei por pouco tempo mas gostaria de vê-lo domingo na igreja."

"Claro. Estarei aqui, padre. Sua benção."

"Deus te abençoe, filho."

E o médico, mais ou menos da minha idade, forte mas baixo, olhou para Maine e sorriu. Aquilo passaria despercebido por mim se não tivesse acompanhado por uma piscada em que Maine fingiu não ter visto.

E lá estava. Aquele estranho incômodo no meu peito.
Desejei melhoras e dei as costas, não esperando nenhuma resposta.
Tinha feito minhas orações naquela manhã como fazia todos os dias mas talvez era hora de aumentar o tempo e pedir a Deus resistência e fé.

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora