Algo em comum

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Ainda com as palavras do padre em mente, segui para o quarto pensando naquele sermão.
Respeitava a fé alheia mas nunca tive uma crença própria... Até está manhã.

Os olhos dele brilhavam enquanto pronunciava as palavras que vinham direto do seu coração. Certamente vinham, pois o papel com o sermão escrito, fora esquecido em cima do púlpito.
Seu colar clerical em seu pescoço estava solitário em meio a tanto tecido preto.
Enquanto ele falava, com paixão, as vezes ele gesticulava e com isso, as mangas compridas daquela veste subia alguns centímetros, revelando uma pulseira de corda.
Seus sapatos pretos só eram visto quando ele dava longos passos, pois sua veste era comprida demais.

Ali, observando aquele cena, me deparei com o que eu me recusava a aceitar.
Padre Oskar era lindo, bondoso e educado, sério quando necessário mas quase sempre carregava um belíssimo sorriso no rosto e, apesar de tudo isso, ele era padre.
Não queria aceitar e agora, depois desse sermão incrível de domingo, não conseguia esquecer. E isso até que era bom, uma hora ou outra, eu cairia na real então, que fosse o quanto antes.

"Filha, onde você está indo?"

A madre, sorridente com o que eu supunha ser a presença do padre, veio até mim.
Não imaginava como era tocar uma igreja e todo o resto sem um padre mas provavelmente era mais complicado do que elas deixavam transparecer.

"Vou trocar de roupa, a senhora precisa de mim, madre?"

"Sim. Entregue essa caixa ao padre, são as doações de hoje. Diga que com o bazar, tudo vai se solucionar. A irmã Lene o espera as 17 horas com suas doações. O endereço está na caixa e a irmã Tereza vai estar disponível para o acompanhar."

"Claro..." Peguei a caixa que a madre me empurrava e dei meia volta para ir de volta a igreja.

"Padre?" Estranhei o lugar frio demais, sem luz e fechado demais. Percebi segundos depois que tudo estava como sempre esteve. As luzes haviam sido apagadas mas as janelas ainda estavam abertas, trazendo a luz da manhã para dentro.

"Maine? O que ainda faz aqui?" Me virei e vi o padre Oskar saindo detrás do pano na parede e aí caiu a ficha.
A luz do lugar era ele.
"Alô? Você está bem?"

"Hum?"

"Maine, o que houve?" Eu não me lembrava o que eu estava fazendo até que segui o olhar do padre para a caixa em minhas mãos.

"Ah! A caixa!" O padre levantou uma sobrancelha em questionamento e por um momento quase me perdi novamente. "Quer dizer, a madre. Ela me pediu pra te dar isso e que... alguma coisa sobre o bazar, eu..."

Ele sorriu.

"Você esqueceu."

"É." Sorri sem graça.

"Tudo bem, obrigado!" Ele estava longe o suficiente mas precisou de apenas dois passos para estar frente a frente comigo. "Maine?"

"Hum?"

"Já pode me entregar."

Seu sorriso aumentou. E que sorriso!

"O que?" Percebi que ele estava com as mãos na caixa e que espera que eu soltasse. "Ah, perdão."

"Sem problemas." Antes que o padre Oskar tivesse se virado por completo, ele parou. "Rosa!"

"Como?!"

"Seu perfume. É de rosas."

"Não é perfume, é um hidratante corporal."

O padre passou a mão no cabelo, desconfortável e não pude deixar de seguir com os olhos.

"Desculpe-me Maine, eu não deveria... Me desculpe."

"Não, que isso! Tá tudo bem, padre."

"Não, eu não deveria ter comentado sobre isso, eu só me lembrei...dela."
Ele parecia arrasado e mesmo sentindo ciúmes, silenciei essa parte irracional e toquei em seu braço que ficou dois segundos antes dele se afastar.

"Dela quem?"

"Minha mãe." Ele se virou e sua voz já estava normal, apesar de não conseguir mais ver seu rosto. "Pode pedir pra madre Fátima vir até mim? Preciso saber do que você ia me falar mas se esqueceu." Seu tom bem humorado não me enganou mas eu deixaria passar. Ele não tinha motivos pra se abrir comigo, eu era apenas uma estranha pra ele.

"Claro."

Dei dois passos de costas e parei. Não sabia se estava apenas curiosa ou se algo em mim queria muito ajudar. Só que quando comecei, não consegui mais parar de falar.

"Perdi minha mãe a pouco tempo." Percebi minha voz trêmula e tentei consertar. "Ela era a mulher mais maravilhosa do mundo e aonde quer que eu olhe, eu vejo ela." Limpei rapidamente uma lágrima que escapou. "Eu perdi meu mundo todo em apenas um momento, um pequeno momento. Eu ouço sua voz, vejo pessoas com o cabelo parecido com o dela. Mas o que eu não consigo mais me lembrar é do seu cheiro." Olhei pra baixo tentando segurar as lágrimas, não gostava de chorar perto de ninguém, então uma mão apareceu e levantou meu queixo, fazendo as lágrimas que eu segurava caírem, uma por uma. "Não sei da sua história mas fico feliz por você ter sentido o cheiro da sua mãe e, tenho que admitir, fiquei mais feliz ainda por ser eu a te fazer lembrar."

Não sabia de onde tudo isso tinha saído mas estava feliz em finalmente ter chorado a morte da minha mãe.

"Ela está no reino dos céus, junto com os anjos de Deus." Disse o padre enquanto enxugava minhas lágrimas de uma distância torturantemente grande.
Seus olhos azuis brilhavam mas não tinha certeza se tinham lágrimas ali ou não.

"Entendi porque é um padre."

"Ah, é?" Sua voz continha um sorriso.

"Você, quer dizer, o senhor tem uma coisa que faz a gente falar. Tipo um psicólogo, sabe?!"

Ele piscou, afastando aquele brilho azul do olhar e deu um sorriso fraco.

"Temos algo em comum, Maine."

"Eu leio a alma das pessoas também?!" Tirei um sorriso dele como eu previ.

"Não. Nossas mães eram maravilhosas e estão juntas, no paraíso."

Com um carinho na minha cabeça, paternal demais pro meu gosto, ele se virou e entrou no que supus ser um quartinho atrás da parede.

Passei o nariz no pulso e sorri. Nunca mais deixaria de passar aquele hidratante. Mas não tinha nada a ver com um certo padre...ou tinha?

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora