Perto o bastante

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Ver o padre assim tão destruído acabou comigo. O seguir por toda a cidade como uma louca e agora estava admitindo isso pra ele.
Eu estava ferrada e seu olhar dizia que ele também estava por me permitir fazer isso, mas no momento ele não estava reclamando do quão longe eu havia passado dos limites com ele.

Subi minha mão do seu peito, onde seu coração martelava forte, para seu pescoço e olhei dentro da imensidão azul de seus olhos, mesmo vermelhos, assim que ele não me repeliu, continuei.

"Estar aqui me fez lembrar da minha mãe. Ela era tudo o que eu tinha. Agora eu não tenho mais ninguém."

Não era hora de pensar em mim e na minha dor quando ele estava tão quebrado na minha frente, mas foi inevitável não pensar nela. E me abrir pra ele era tão fácil.

Ele segurou minha mão que estava em seu pescoço e por um momento pensei que ele tiraria, mas ele só apertou minha mão por cima da sua.

"Você tem a mim."

Prendi a respiração dada a tamanha potência de suas palavras. Aparentemente ele também se assustou porque ele abriu e fechou a boca mais de uma vez até conseguir falar o que queria.

"Quer dizer... Você tem a todos do convento..." Sorri com seu deslize.

"Padre." Apenas essa palavra o fez entender que eu sabia a verdade, a nossa verdade.

"Eu... Não podemos."

"Até quando vai adiar isso, padre? Eu já sei onde isso tudo vai acabar e é você comigo."

Eu o queria e ele me queria. Pro inferno com todo o resto!
Por que ele também não via assim?

"Você disse, não, você me prometeu que não ia fazer mais isso."

"Eu prometi não te beijar, não te sujeitar a nada que te comprometa. Mas eu ainda posso dizer a verdade, não é, padre?"

"É claro..." Ele suspirou e tirou a mão da minha.

"Pois então eu vou dizer, aqui, na frente dos seus pais como testemunha." Desci minha mão para o seu peito de novo. "Eu estou completamente apaixonada por você."

"Menina, não faz isso."

"E você também me quer." Seu coração batia forte sob a palma da minha mão, confirmando minhas suspeitas.

Ele deu um passo para trás fazendo minha mão cair, depois segurou forte o terço que rodeava seu pescoço e fechou os olhos.

"Meu Deus, não me abandone." Sussurrou.

"Você me faz sentir a encarnação do mau assim." Brinquei apesar de me sentir realmente desse jeito.

"É claro que eu não penso assim. Você tá mais pra um anjo arteiro."

"E você é muito bonito, sabia?"

"Maine." Ele engrossou a voz propositalmente.

"Não, você não é só belo por fora, não são só seus olhos azuis brilhantes e seu cabelo macio e esse físico atlético, você fala de um jeito doce, você é calmo e sábio e gentil." Ele afinou os lábios, visivelmente sem graça. "O que eu quero dizer é que sua essência é a mais bonita que eu já vi na vida."

"Eu... agradeço o elogio mas você não deve conhecer muita gente."

"Você que acha, padre." Eu não conhecia muitas pessoas mesmo, mas se eu não o contrariasse, não seria eu.

"Vamos, Maine, vou te levar de volta ao convento. Você nem deveria estar aqui comigo."

Eu abri a boca pra rebater mas assim que o sentir pegar na minha mão e me puxar, andando na minha frente, as palavras morreram antes mesmo de sairem e eu fui flutuando atrás dele, aproveitando aquele momento íntimo enquanto durasse.

O sol estava dando adeus quando chegamos as portas de madeira da entrada, onde nos conhecemos a quase duas semanas. Mas não pareciam duas semanas, eu sentia que o conhecia e que ele me conhecia por mais tempo.

"Entre. E evite dizer que me seguiu." Eu iria prontamente concordar mas ele acrescentou rapidamente logo em seguida. "Mas não minta!"

"Aí fica difícil, padre."

"Maine."

"Tá bom, tá bom. Vou pensar em algo..."

O vento levou uma mecha de cabelo para minha boca e eu até pensei em retirar mas vendo o quanto o padre estava incomodado, resolvi esperar pra ver se ele o faria.

"Maine."

"Hum?"

Ele estava sem jeito mas como eu suspeitei, ele não resistiu.

"Me permita." Sussurrou.

Acenei.

Ele pegou a mecha entre o polegar e o indicador e com toda a delicadeza retirou, depois colocou meu cabelo atrás da orelha e traçou o polegar até minha boca novamente.
A ponta da minha língua coçou para sair e tocar seu polegar, ele estava acabando comigo então nada mais justo que fazer o mesmo com ele.
Só que ele se afastou rapidamente e colocou as mãos para trás das costas, ficando ereto.

"Tinha um fio restante..." Meu cérebro demorou a entender do que ele estava falando então só concordei.

"Até amanhã, Maine."

"Não vai entrar?"

"Não. Vou ficar na minha avó hoje."

"Ah. Então, até depois."

Ele sorriu.

"Até depois." Ele se virou mas logo parou e voltou. "Sabe, você é atrevida e abusada, mas eu me senti bem com você hoje visitando meus pais. Estou mais leve. Obrigado."

Ele iria se virar novamente mas eu segurei seu braço.
Ele olhou para onde estávamos nos tocando e pareceu reparar que eu tinha o tocado várias vezes hoje.
Meu lema agora era: se eu não podia beija-lo, eu iria fazer com que ele implorasse por isso.

"O que foi?"

"Posso beijar sua mão?" Pedi da forma mais inocente que consegui. Afinal, qual era o problema de um "fiel" beijar respeitosamente a mão de um padre?

O problema era que eu e ele sabíamos que não havia nada de inocente nesse pedido.

Não esperei que ele permitisse, peguei sua mão e passei meus lábios nele enquanto ele apenas observava. Aproveitando que ele estava distraído, me aproximei até que houvesse só uma fresta de ar entre nós. Quando ele percebeu a repentina aproximação já era tarde demais, assim como foi com sua mão, rocei meus lábios no seu rosto, bem perto da sua boca e o vi engolindo em seco.

"A benção, padre." Sussurrei.

E entrei, com o coração aos tropeços.

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora