Laços de sangue

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Otávio estava parado na minha frente, observando minha reação surpresa e a de Maine, confusa. Parecia irreal o sorriso no seu rosto já que ele nunca parecia gostar da minha presença. E agora ele está aqui, a minha procura.

"A vovó...!?" Foi o único motivo plausível pra ele ter vindo atrás de mim.

"Ela está bem. Não fui visitá-la ainda mas sei que você deve estar sendo um bom menino e cuidando dela." A ironia familiar estava no seu tom.

"Eu vou deixar vocês sozinhos." Maine me olhou apreensiva e eu tentei dar o meu melhor olhar de conforto, sendo que quem precisa de conforto era eu.

"O que uma bonequinha como ela faz em um convento?!" Tentei ignorar seu comentário e respirei fundo.

"Vamos conversar na igreja, lá está vazio agora."

Olhei Otávio dos pés a cabeça assim que chegamos na igreja. Ele estava mais loiro do que me lembrava, apesar de sempre ter umas mechas douradas desde pequeno, mas agora seu cabelo estava menor, quase um corte militar e completamente dourado. Seus olhos eram como os meus, só que eles sempre estavam afiados, desafiando tudo e todos. Ele era bem menor que eu porém tão forte quanto, não me admirava já que ele sempre foi um rato de academia.

"Vou direto ao assunto. Preciso que libere uma quantia em dinheiro na empresa."

"Otávio, você é o dono, do que está falando?"

"É uma grande quantia e é preciso ambos os donos para que o conselho administrativo aprove. Não vou mexer na sua parte se é isso que te preocupa."

E lá vamos nós.

"Minha parte?!" Passei a mão nos cabelos buscando paciência. "A três anos eu peguei dois mil para ajudar a tribo tsimane e depois disso nunca mais peguei um centavo. Você gasta esse valor num final de semana." Ele riu, admitindo. "Então não venha insinuando que sou mesquinho. Eu não sei pra que quer tanto dinheiro mas você não terá minha ajuda nisso, eu não faço parte desse mundo."

Ele me olhou com ódio contido, depois se acalmou e pensou por um momento. Depois ele sorriu, assim como sorria quando ele quebrava algo da vovó e jogava a culpa em mim.

"Muito bem, irmãozinho. Então eu vou fazer parte do seu mundo até que esteja disposto a fazer parte do meu."

Ele ainda me tratava como criança, mas eu não era.

"Você quer mesmo que eu faça parte da empresa? Sabe quantas vezes já reclamaram da sua má gestão pra mim? Se eu colocar as mãos na Antoni Enterprise, eu vou fazer a limpa e não vou poupar ninguém, Otávio!"

Ele sabia que eu faria isso se entrasse nesse universo empresarial, eu tinha estudado nas melhores escolas, assim como ele e apesar de não ter feito administração, assim como ele não fez também, eu era padre e vivia dia após dia de provisão divina e sabia administrar e repartir tudo que a igreja colocava em minhas mãos.

Eu era capaz disso e que Otávio não bagunçasse minha vida ou, que Deus me perdoe, eu também bagunçaria sua vida festiva e desregrada.

"Não pode me impedir de vir a igreja." Seu tom era mais pálido agora.

"Eu nunca faria isso." Mas ele sabia que tinha um mas na equação.

"Mas também não posso te impedir de ir a empresa e acabar com a minha vida, não é?"

"Otávio, visite a vovó. Suas pernas não vão cair se fizer isso." Disse assim que ele virou as costas.

Por que tudo tinha que ser tão difícil com ele? Eu sentia tanta falta dele e ainda sim expulsa-lo era tudo que eu podia fazer sempre que ele aparecia.

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora