Realidade

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Um dia parecia um ano sem ela. E tinham se passado dez meses.
No começo eu fui para o Vaticano pedir o desligamento mas me mandaram para uma missão na Malásia que durou quase três meses. Quando retornei ao Vaticano, me ofereceram um cargo maior, e apesar da pouca idade, os demais papas não se opuseram.

Mas eu ainda pensava nela, e muito. Era a primeira coisa que vinha a minha mente de manhã e ao anoitecer, ela me embalava. Eu ainda mantinha minha rotina de oração mas não me sentia mais um servo de Deus, eu me sentia um filho, e isso era bom, me sentia leve. E com saudades.

Foi difícil sair do sacerdócio, mais difícil ainda não voltar correndo pra ela, mas eu precisava focar no que eu queria para o futuro. Pra poder fazê-la feliz, primeiro eu tinha que escolher um caminho. Como dizia meu mentor, pra quem não sabe pra onde ir, qualquer caminho serve. E eu não queria isso pra Maine.

Ah, Maine.

Sentia tanta falta de ser seguido por seus lindos e espertos olhos. Seu sorriso travesso vez ou outra aparecia em meus sonhos. Ainda me ardia a pele só de pensar que um dia suas mãos percorreram meu corpo.

Em nada facilitou meu retorno e meu irmão me ligou assim que cheguei para liberar novamente a verba de quantidade exagerada que só os donos juntos poderiam. Estranhei e voltei a empresa do nosso pai para averiguar e descobrir com o Conselho que Otávio estava falindo aos poucos com o legado da família.

Não aceitei tomar a presidência de Otávio, ele era meu irmão apesar de tudo mas me tornei o diretor executivo e aos poucos fui tomando o jeito do negócio e ajudei a erguer a Antoni Enterprise novamente.

Quando completou nove meses que eu estava sem vê-la, eu já não me sentia igual. Não sorria como antes e estava duro demais com as palavras. Em parte era culpa do trabalho, os investimentos e Otávio. Mas sabia que no fundo, ficar longe dela estava me matando.

Eu ia a igreja mais próxima sempre que podia e orava toda noite, mesmo assim eu já não era mais o padre, eu era só o Oskar agora e tinha que reaprender e descobrir quem eu era agora.

"Senhor Antoni, mandou me chamar?"

Rosa, minha secretária, entrou no meu escritório assim que bateu na porta.

"Sim, Rosa, sua irmã melhorou?"

"Sim, senhor. Obrigada pela folga ontem."

"Fico feliz. E meu irmão?"

Rosa olhou pra baixo sem jeito.

"Rosa!?"

"Ele...chegou a pouco tempo."

Isso era bom, ele nem sempre aparecia, principalmente agora que eu havia chegado e, apesar de não ser o presidente, todos me tratavam como se fosse. Mas por que Rosa parecia desconfortável em me dar uma notícia boa?

"Isso é bom. Chame ele para a reunião das onze."

"Ele está... bêbado, senhor."

"Ele está o que?!"

Inacreditável.

"E ele não esta entre os nomes que foram chamados para essa reunião, senhor. O Conselho deixou isso bem claro pra mim na semana passada."

Rosa parecia querer se desculpar comigo mas tanto ela como eu sabiam o motivo da reunião.

"Senhor, se me permite opinar..."

"Vá em frente."

"Trabalho aqui a 30 anos, senhor. O senhor nem andava e eu já via o seu pai trabalhando duro por essa empresa e para ter o que deixar para vocês. O senhor não estará sendo um irmão ruim se aceitar a presidência, ao contrário, o senhor estará ajudando o seu irmão a ter alguma coisa no futuro. Desculpe se estou passando dos limites, mas é o que eu penso, senhor."

Sorri e acenei. Eu estava exausto e mau humorado, pensar direito estava difícil ultimamente então Rosa não sabia mas tinha me ajudado muito.

"Rosa."

"Sim, senhor?"

"Você está trabalhando como secretária a 30 anos?"

"Sim, senhor. Sou boa nisso."

Levantei e dei a volta na mesa.

"Não estou te menosprezando, você é excelente, Rosa, mas preciso de você em outra função."

"Qual?"

"Secretária chefe."

"Mas..."

"Basicamente você será quem contrata e despede os secretários dessa empresa e trabalhará diretamente para mim."

"O senhor quer dizer que..."

"Vou aceitar. "

Sorri e sai da minha sala, indo em direção a sala de conferências.

A reunião foi chata, papeis foram assinados e mãos foram apertadas. Otávio soube da notícia no dia seguinte e é claro que não ficou feliz. Palavrões foram falados mas graças a Deus me contive e não fiz parte disso, apesar de ter vontade pela primeira vez na minha vida de trocar insultos com meu irmão como se eu ainda fosse criança. Jogar na minha cara que eu sempre fui um hipócrita e que eu sempre quis deixar de ser padre pra pegar todo seu dinheiro não ajudou mas anos de sacerdócio fizeram de mim uma pessoa mais equilibrada.

Menos com ela.

Eu queria ter mais solidez profissional e ao menos comprar uma casa, um carro, me estruturar e ser como os outros homens normais mas eu não aguentava mais de saudades. Corri para a igreja que eu tanto amava de Santa esperança e soube que minha Maine não morava mais lá.
Soube também que ela raramente aparecia mas não tive paciência de entrar e conversar com a madre. Eu teria que fazer isso alguma hora mas precisava ver Maine primeiro.

Ignorei o medo dela poder me odiar e fui ao seu trabalho. O porteiro disse que eles não abriam aos sábados mas deixou escapar que eles iriam jantar juntos num restaurante no centro da cidade.

Ignorei o porquê disso parecer um encontro e corri até lá.

O restaurante estava cheio de casais e isso me angustiou um pouco mas tratei de prosseguir até a recepção e perguntar por ela.
A recepcionista se recusou a responder mas assim que eu me virei, encontrei Maine.

Ela estava tão linda, mesmo de longe pude ver o quanto ela mudou e cresceu. Meus pés deram um passo a frente mas pararam assim que David se inclinou para ela e a beijou, tirando minha visão dela.

No fundo eu sabia que a perderia mas a realidade era mais cruel que minha suposição teria imaginado.

Respirei o melhor que pude naquele momento e sai dali, não me importando de permitir que as pessoas pudessem ver meus olhos marejados. O que eu poderia fazer se eles ardiam tanto?

"Padre?"

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora