Estreito

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As palavras do Bispo, o padre superior a mim, ainda rodavam na minha cabeça. Eu devia tirar um tempo longe dela para que no futuro eu não tivesse que tirar um tempo da igreja e, consequentemente, da minha missão de vida. Eu devia pensar e acalmar minha mente e meu coração. O amor não era pecado, ao contrário, era um mandamento, mas meu amor por Maine não era só emocional, também era físico e eu não queria trazer dor a ela e partir seu coração. Eu devia levar conforto mas o que eu estava fazendo era algo carnal, imoral e o final disso era claro e trágico.

Eu sentia que Deus estava me dando outra chance quando, depois da conversa com o Bispo, onde eu contei sobre os beijos, ele apenas disse para eu refletir sobre o que eu queria. Deus havia me testado e eu havia falhado, me sentia culpado mas também sabia que era o jeito de Deus dizer que não somos super-homens.

"Tony, que bom que encontrei você. Vamos sair, dar uma volta pela cidade, chama aquela gatinha que você tá afim."

O irritante do Beto apareceu, fingir ficar irritado mas sabia o que ele estava fazendo. Me distraindo dos problemas que rondava meus pensamentos.

"Hoje eu vou ouvir confissões, você também está convidado, amigo."

Ele arregalou os olhos.

"Er... não, não... obrigado, eu..."

"O que anda aprontando, Beto?"

"Tchau."

E ele correu como se fosse um desenho animado. Ri. Ele me conhecia como ninguém, isso me irritava e me alegrava ao mesmo tempo. Isso me fazia pensar que eu tinha um irmão, e não era o Otávio, infelizmente.

Fiz uma prece aos céus para que tudo corresse bem no dia de hoje pois ontem, por mais que eu estivesse evitando-a, sua imagem semi-nua fez com que todo trabalho que eu tive fosse por água abaixo.
Hoje seria um novo dia.
Eu a vi conversando com duas jovens mais cedo e ela parecia animada. Amigos era do que ela precisava e também ajudaria mantê-la longe de mim.

Entrei no pequeno confessionário de dois lugares, um totalmente fechado e o outro totalmente aberto. uma tela preta separava os dois lugares. Na parte onde eu ficava havia uma cadeira larga de madeira onde eu me sentava pra ouvir as confissões, na outra havia apenas um degrau onde quem se confessava, se ajoelhava.

A madre Fátima foi a primeira a se confessar.

Irmã após irmã, depois foi a vez dos fiéis. A tarde foi tranquilo mas eu ainda sim me fazia disponível para quem precisasse. As vezes entrava alguém tímido demais então eu apenas aguardava o seu tempo.

Fiz uma pequena pausa para um café mas logo voltei e encontrei uma jovem de olhar curioso e que sorriu abertamente pra mim assim que me viu.

"Padre! Vim me confessar, posso?"

Sorri gentil e apontei para o confessionário.

"É claro, minha filha."

Abri a porta de madeira e entrei, dando de cara com Maine assim que me sentei.

"Mas o que...!?"

"Xiii!"

"O que foi, Padre?" A jovem lá fora, ao meu lado, perguntou.

"Na-nada." Fiz uma mímica com a boca, dizendo em mudo "o que você esta fazendo aqui?" para Maine que só riu e apontou para fora. Me recompus e tentei ignorar Maine e seu cheiro de primavera naquele quadrado minúsculo. "Pode falar, filha, estou aqui para te ouvir."

Maine só precisava ficar quieta do meu lado para que, assim que a jovem terminasse, ela pudesse sair dali sem ser notada, e claro, levar uma bronca daquelas. Mas nada na vida é simples, e com ela as coisas tendiam a se complicar. Para o meu desespero, Maine não estava feliz prensada no pequeno cubículo de madeira e teve a brilhante ideia de sentar. Sim, sentar. No meu colo!

"Perdão, padre, pois eu pequei." Disse a voz melódica do lado de fora.

"Maine, por Deus!" Falei o mais baixo que pude.

"Xiii!"

"Tô te pedindo, por favor, Mai..."

"Padre, eu não to entendendo." Por um momento, me esqueci da jovem lá fora.

"Diga-me, filha, o que te aflige." Tentei transmitir paz como de costume, uma paz que eu não sentia no momento.

"Padre, essa semana eu passei uma provação muito grande..."

A jovem me contava algo que eu devia prestar atenção, e principalmente ajudar, mas eu só conseguia ver Maine em cima de mim, com aqueles olhos redondos atentos a mim. Como os meus deviam estar a ela.

"Padre, eu não te vi o dia todo."

"Maine, agora não."

"Mas padre..."

"Por Deus, fale baixo."

Meu coração martelava no peito e eu esperava que fosse só pela adrenalina da situação.

"Sinto sua falta."

Coloquei a mão na boca dela com a intenção de calá-la mas meu toque rapidamente se transformou em carinho que foi do seu rosto para seu pescoço. Seus olhos caíram para minha boca e algo dentro de mim despertou.

"Não fuja de mim, padre."

Como se não fosse o suficiente, ela se aproximou mais, se sentando mais em mim fazendo com que toda sensatez se esvaísse do meu corpo. Envolvi meus braços em sua cintura e colei sua boca na minha mas o beijo não veio pois a jovem que se confessava devia ter feito alguma pergunta e como não obteve resposta, estranhou.

"Padre! Padre?"

"Desculpe. Pode repetir a pergunta?" Tentei me desvencilhar de Maine mas o espaço pequeno e seus olhos penetrantes não permitiram.

"O senhor acha que fiz errado?"

Só Deus sabe, pensei.

"O que é que você sente sobre isso?"

Maine percebeu que eu nada tinha ouvido e riu. Sim, pra complicar ainda mais a situação, ela riu.

"Padre, o senhor acha graça?" Sua voz estava confusa e chateada. Isso não era bom. Com sorte eu tapei a boca de Maine antes do riso sair por completo, parecendo mais uma lufada de ar.

"Não, eu..." não sabia o que dizer.

"Atim." Maine tirou minha mão e simulou um espirro, me fazendo arregalar os olhos.

"Ah, o senhor estar gripado. Melhoras padre. Então padre, o que faço?"

"Obrigado. Primeiro de tudo, reze sem parar. Deus vai te iluminar e mostrar o caminho certo, não tenho dúvidas."

A mão de Maine estava apoiada no meu peito e eu só queria continuar o beijo que daríamos a poucos segundos atrás.

"Obrigada, padre. Sabia que podia contar com o senhor."

"Vá em paz, filha."

Não esperei um segundo depois de dizer isso. Coloquei uma mão de cada lado do seu rosto e a beijei. Beijei Maine com todo meu ser e ela retribuiu de igual forma, me devorando e dando tudo de si. Tudo o que eu sabia e acreditava estava agora preso dentro de mim, ignorados por completo. Naquele momento eu apenas era devoto aos seus lábios.

O beijo foi intenso mas curto. Alguém se ajoelhou na escada, ao nosso lado.

"Padre, o senhor está aí?" A voz era de um homem jovem, uma voz que eu já tinha ouvido.

"Sim?" Maine e eu estávamos ofegantes, então esperava que ele não tivesse notado isso no meu timbre.

"Padre, sou eu, David. O médico."

A tarde estava virando noite mas eu tinha a impressão de que o dia ainda seria longo.

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora