Uma chance

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A mais bela noite havia sido essa. Apesar de como acabou, eu agora via uma esperança. Na verdade, no fundo, eu sempre a vi pois nunca tinha desistido de fato dele.
O padre abriu uma brecha para mim esta noite e eu a forçaria ainda mais até que a brecha se tornasse uma porta.

Passei a noite em claro. Não queria dormir pois a realidade que foi esta noite parecia bem mais linda que qualquer sonho que eu poderia ter. Os beijos que demos foram tão doces, as carícias que eu ganhei foram uma tortura, sua respiração tão perto foi o mais próximo do céu que eu conheci.

Sorri ao lembrar da sua mão no meu cabelo e de como ele o puxou quando eu passei as unhas na sua nuca. É claro que foi assim que nossos beijos terminaram, ele havia se afastado por isso, mas eu não me arrependia, ao contrário, eu queimava por fazê-lo novamente.

Ele já estava a quase 20 dias como padre substituto aqui, o que me deixava com pouquíssimo tempo mas que seria o suficiente.

Amanheceu em câmera lenta, quanto mais eu queria que um novo dia começasse para que eu pudesse vê-lo, mais demorava para acontecer.
Quando finalmente o sol apareceu, me levantei num pulo e me vestir rapidamente e fui para a cozinha.

Ainda não havia ninguém, o que indicava que eu realmente tinha levantado muito cedo. Estava impaciênte. Geralmente eu chegava por último ou quando a maioria já estava á mesa então foi estranho eu estar sozinha na cozinha que agora parecia ser bem maior, vazia.

"Bom dia."

Eu não tinha feito nenhuma prece mas parece que o que dizem é real, Deus conhece nosso coração.
Sua voz parecia uma chuva de verão, refrescante, depois de um dia muito quente.
O padre Oskar estava tentando superar a surpresa inicial de me encontrar tão cedo enquanto se servia de água.

"Bom dia, padre. Dormiu bem?"

Eu queria me levantar da cadeira e ir até ele mas tentei não ser impulsiva com medo de afastá-lo.

"Uhum." Respondeu entre um gole d'água. "Quer dizer, não muito, um cochilo, mas foi o suficiente."

"Vou fazer café, sente aqui."

Ele acenou e se sentou.

"O que vai fazer hoje?"

O padre me olhou receoso, provavelmente pensando que eu o convidaria para sair novamente. Sorrio internamente.

"Quero dizer, quais os planos na igreja hoje?"

"Ah. Arrecadamos um bom dinheiro e fizemos uma bela reforma na parte interna. Vou dar um jeito na parte de trás mas é provável ter que contratar alguém pra arrumar o lado externo da igreja e também a parte elétrica."

Termino de fazer o café e o sirvo com alguns biscoitos doces e me sentei de frente pra ele.

"Obrigado."

"A igreja esta ficando muito bonita em pouco tempo. Graças ao senhor."

"Graças ao povo que contribuiu. Gostaria muito de ver como ela vai ficar mas provavelmente não estarei mais aqui."

Ainda não, bonitão.

"Sabe se já tem algum padre pra vir?"

Eu sabia que ainda não tinham achado ninguém, senão ele já estaria aqui.

"Não. É comum o padre de um igreja de cidade pequena ser morador local. É difícil um padre querer ir para um lugar distante e longe da família."

"O senhor é daqui." Sugeri.

Ele sorriu.

"Sou... Mas sou...singular. Gosto de ir pra longe e ajudar desconhecidos. Não sou adepto ao conforto da igreja e de fies locais."

"Aventureiro, hu?"

Outro sorriso.

"Não é bem assim. Só que cada um tem um chamado específico..."

Enquanto eu me perdia no seu sorriso, eu percebi que ele se perdia nos meus olhos.

"Ontem foi incrível."

Vozes vindas do corredor anunciavam que as irmãs estavam chegando para o café da manhã.

"Foi." Ele mordeu o lábio inferior e eu soube que ele estava se lembrando dos beijos. "Obrigado pelo café, Maine." Ele se levantou e acariciou a minha cabeça como se eu fosse um filhotinho.

Assim que ele saiu, a madre e a irmã Ana entraram sorridentes pela cozinha, sem repararem no descompasso do meu teimoso coração.


O dia passou devagar e eu havia ficado o dia todo procurando desculpas para vê-lo. O padre havia chamado um eletricista e estava conversando com ele sobre reformas. Fui atrás e ofereci uma limonada a eles. Á tarde, o padre estava colocando em ordem o quartinho da igreja então o segui e ofereci ajuda, porém fui rejeitada. No final da noite vi o padre conversando com uma irmã e fui me intrometer na conversa. Descobri que o papo era sobre como atrair crianças para a igreja e eu não levava o menor jeito com crianças.

Cansada, me joguei na cama depois de um banho longo, e fechei os olhos, completamente frustrada.
Ouço duas batidas na porta e digo um "entra!" bem alto, imaginando ser a madre que sempre vinha querer saber como eu estava.

"Oh, desculpe, eu..."

O Padre, claramente sem graça, já estava virando as costas, então eu me desesperei. Eu queria estar com ele desde cedo, e agora ele estava aqui, batendo na minha porta, mas estava indo? Por que?

"Não vá!" Me levantei da cama e segurei seu braço.

"Maine, eu..." Percebi pelo seu olhar em direção ao meu corpo, qual era o problema.

"Conversamos em outra hora. Me desculpe."

"Não. Eu me troco! Espere um pouco, mas espere aqui dentro."

Eu não queria que ele fugisse, então fechei a porta atrás dele e corri para o banheiro. Tirei o top e o short minúsculo e coloquei um macacão velho de pano que eu usava pra dormir quando fazia frio, o que não era o caso.

Quando voltei para o quarto, ele estava de costas observando meu quarto estupidamente vazio e sem vida.

"Agora eu estou apresentável." Ele se virou pra me encarar e meu coração errou uma batida com aquele olhar. "Me desculpe, eu pensei que fosse a madre... Eu pediria pra esperar se soubesse que era o senhor." Mentira!

"Não, eu que peço desculpas. Isso não é hora pra chamá-la."

Eu realmente não conseguia raciocinar com ele no meu quarto, com seu cheiro preenchendo todo espaço.

"Por que veio?" Eu podia imaginar muita coisa, nenhuma delas era decente.

"Você estava me seguindo hoje."

"Não." Respondi muito rápido e ele riu.

"Não foi uma pergunta, Maine."

Ri também. Droga, eu estava tendo mais do que eu queria o dia todo e agora, não era o bastante.

"Quer me ajudar com algo?"

"Hum?"

"Não é nada complicado mas você é a única que pode fazer isso com excelência."

"Agora fiquei curiosa, padre. O que é?"

"A madre disse que além de ter poucas crianças do bairro frequêntando nossa igreja, também tem poucos jovens. Você pode ajudar muito nisso."

"Tem duas jovens que sempre vem ouvir seus sermões, padre."

Eu sabia que elas não eram fiéis, elas só passaram a ir á igreja depois que o padre Oskar apareceu. Se ele percebeu que eu estava o provocando, ignorou.

"Elas ainda estão vizitando,e é aí que você entra, mocinha." Oh, meu Jesus! "Você é jovem e não é uma irmã, você consegue se aproximar dos jovens, muito mais que um padre. O que acha?"

"Eu não sei..." 

"Pense nisso. Isso seria muito bom."


Deitei depois que o padre foi embora, pensando que realmente seria bom me enturmar mais. Eu ainda precisava de um emprego então conhecer pessoas me ajudaria, além de também ajudar a igreja.
Dormir com o cheiro de hortelã e madeira do padre no ar.


Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora