Acordei com um sorriso no rosto, apesar de exausta e precisando de um urgente banho. Tateei a cama enquanto abria os olhos e só encontrei o vazio. O quarto estava silencioso e as malas que vi na noite anterior não estavam mais lá.
Eu não precisava procurá-lo pela igreja para saber que ele não estava mais aqui. Me senti uma idiota por deixar a dor sair do meu peito e escorrer pelos meus olhos. Ele havia partido e mesmo tendo me preparado para isso, a noite passada me deu uma certa esperança que eu jamais havia ousado ter.
Logo, as lágrimas silenciosas deram voz a minha dor e meu choro preencheu o quarto. Agradeci mentalmente por não ter mais ninguém por perto ou eu não só teria que explicar o choro como também o porquê de estar nua na cama que foi do padre Oskar.
Padre Oskar. Pensar em seu nome me fez cair na cama novamente e chorar contra o travesseiro. Seu cheiro não ajudou e eu molhei todo o travesseiro até consegui me controlar e diminuir relativamente o choro.
Eu precisava ser forte. Se não por mim, por ele. Não podia deixar que ninguém soubesse o que fizemos aqui, apesar de ter sido a coisa mais linda que tive o privilégio de ter. Sua rendição, seu cuidado e seu amor era algo que eu levaria para sempre.
Arrumei o quarto sem deixar nenhum vestígio das atividades anteriores, me vesti e fui tomar um banho demorado enquanto dessa vez pude chorar copiosamente.
Os eventos seguintes passaram pra mim como um borrão. Quando todos chegaram do retiro com o novo padre, ficaram tristes pelo padre Oskar ter ido mais cedo deixando apenas um bilhete na igreja como despedida. Ouvir dizer que ele estava indo pro Vaticano. Isso não significava que ele tinha subido de nível? O que ele era agora, um bispo? Ele não havia me prometido coisa alguma mas me senti traída.
A semana passou rapidamente e com ele o mês. Eu fazia tudo no automático. Trabalhava duro, fazia amizades forçadas e ia a igreja pela madre. Essa última era a pior parte.
As vezes eu o via na rua sorrindo para mim, outras vezes eu entrava no convento e dava de cara com seus olhos azuis. Nenhuma vez era real.
Três meses se passaram e com ele o Natal se aproximava. Essa época doía o suficiente sem minha mãe, e como se não bastasse, estava ficando insuportável sem ele.
Eu me odiei por estar sofrendo por ele porém com o tempo eu passei a odia-lo por viver tão bem sozinho enquanto eu chorava esporadicamente de tanta saudade. As vezes David me olhava de um jeito ao ponto de me fazer pensar que ele talvez soubesse o que se passava comigo. Eu sentiria muita vergonha se fosse verdade. Não tinha o direito de sofrer por um padre, muito menos amar um. Eu nunca tive direito a nada mas eu sentia tudo.
Passaram as festas do ano novo e com um piscar de olhos mais três meses haviam passado sem que eu houvesse percebido. Eu não estava vivendo, apenas suportando o tempo.
Sai com David apenas duas vezes em todo esse tempo. Agora era só eu e ele no consultório mas eu sempre negava jantar com ele no final do expediente. Eu só queria chegar na minha casinha e dormir.
Sim, agora eu morava sozinha numa casa pequena que ficava numa rua tranquila. Morar com a madre e seus olhos de gavião estava desconfortável demais e temia que ela desconfiasse do meu sofrimento e principalmente o motivo dele.
Dez meses se passaram desde que ele partiu e eu sentia que fingir estava ficando mais fácil. Eu não chorava mais em público como havia acontecido algumas vezes, como no trem, no ônibus e uma vez até no trabalho. Eu sorria mais, apesar de não ter certeza se era sincero, eu saia pra comer com amigos e até havia aceitado sair com David nesse final de semana. Tudo estava indo bem. Eu iria conseguir ficar bem!
Sábado a noite e eu saia de casa, encontrando David encostado no carro na frente do meu portão.
"Maine, você está linda."
Eu vestia um vestido simples preto e uma sandália também preta. Meu cabelo estava solto e eu segurava uma bolsa bege. Nada fora do comum mas David era sempre muito gentil com as palavras.
"Você também está bonitão, doutor."
Ele sorriu.
O jantar foi agradável. Tudo sempre era tranquilo com David e essa paz era tudo do que eu precisava. Mas senti David um pouco nervoso ou talvez era coisa da minha cabeça e eu ignorei.
"Maine, você realmente está muito bonita hoje."
"Você está sendo muito gentil. Não vai me demitir, vai?"
Estava brincando pra deixar ele menos nervoso do que parecia estar mas essa também era uma possibilidade. Eu era boa no trabalho mas talvez não fosse tão boa agora.
"Você é minha melhor funcionária, Maine."
"Sou a única, doutor."
Ri e ele me acompanhou por um segundo.
"Por que seu riso nunca mais chegou aos seus olhos?"
"Hum?"
Ele parecia falar consigo mesmo.
"Está triste e a meses não consigo te fazer se sentir melhor."
Engolir o nó que estava se formando na minha garganta.
"David, eu só..."
"Não adianta negar, passamos o dia todo juntos, eu conheço você."
"David, eu estou bem. Não é sua responsabilidade me fazer sentir melhor."
"Mas queria que fosse."
Eu não sabia o que dizer e nem o que fazer quando ele pegou minha mão por cima da mesa e a beijou.
"Me deixe te fazer esquece-lo."
Lágrimas se juntaram no canto dos meus olhos. Ele sabia.
David se inclinou em minha direção e eu virei um pouco a cabeça, sendo beijada no canto dos lábios. Ele sorriu com minha recusa mas não soltou minha mão, não se dando por vencido."Devo me desculpar, ou me declarar?"
Apertei a mão que segurava a minha e sorri. Ri do meu destino cruel de ter que escolher entre um homem maravilhoso que estava na minha frente ou um homem que eu ainda amava mas que havia me deixado.

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Padre Nosso
RomanceOskar tem 30 anos, sendo padre desde os 20, um jovem em meio a tantos padres meia idade e já tendo o respeito de todos eles. Sua fé e bondade atraem o povo da pequena cidade de Santa Esperança, onde foi enviado apenas para ajudar a igreja por 1 mês...