Indecisão

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Conversava com um casal que tinha duas filhas brincando de bonecas no chão aos nossos pés. Eram raras as crianças que frequentavam a igreja Santa esperança então estavamos trocando algumas ideias para trazê-las. Quando todos já estavam conversando do lado de fora, as irmãs começaram a arrumar e a fechar a igreja quando me permitir ir me trocar. Eu amava ensinar sobre a vida, sobre a paz, o amor e sobretudo sobre o nosso pai celestial mas hoje algo me incomodou. Mais precisamente um espaço vazio no primeiro banco, onde ela sempre ficava sempre que eu ensinava. Ela estava bem? Algo havia a chateado? Eu havia a chateado? Não saberia dizer mas estava apostando que Beto talvez tivesse extrapolado em alguma história e ela talvez poderia ter se decepcionado comigo. Ah, Beto...
Se ele não tivesse ido embora assim que acabou o culto, apenas batendo no meu ombro como adeus, eu o teria interrogado da mesma maneira que ele fez comigo hoje de manhã sobre Maine.

"Você está apaixonado, Tony?"

E o que eu poderia dizer além da dura verdade? Beto era um grande amigo e eu um padre, a verdade foi inevitável.

"É, talvez. Isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, mas acho que aconteceu muito tarde no meu caso. É passageiro, Beto, não se preocupe."

Ele me olhou de maneira que me deixou incomodado mas tentou disfarçar.

"Tony, meu amigo, isso é porque você não aproveitou a adolescência, agora terá que aguentar. Mas você também percebeu que Maine está caidinha por você, não percebeu?"

"Sim, e é isso que está me deixando doido. Se fosse apenas eu, tudo seria mais simples, mas ver que a faço sofrer é um castigo pesado demais pra suportar. Beto, ela não merece isso."

Beto e eu não concordarmos em muitas coisas mas eu via seu bom coração, ele era um irmão pra mim desde que eu tinha sido abandonado por Otávio, e nesse momento ele foi um pra mim.

"Olha, Tony, eu não sou bom em conselhos, minha vida é um circo, você melhor que ninguém sabe disso. Eu nunca vi você desse jeito, e mesmo sabendo que é padre, admito que estou torcendo pela menina. Mas independente da sua decisão, não vou só apoiar você como também vou assinar em baixo. Tamo junto em qualquer parada."

Aquele foi o primeiro momento que eu consegui respirar desde o beijo do dia anterior. Eu estava tenso e nem tinha percebido.

"Obrigado. Sabe, Beto, tudo vai voltar ao normal e um dia, eu ainda vou batizar os filhos dela. Ela merece ser feliz."

E ela seria.

Minha avó costumava ir a igreja sempre que eu estava na cidade mas hoje ela tinha avisado que não apareceria porque meu irmão finalmente tinha ido visitá-la, o que me alegrou e me fez fazer uma prece para que ele seja bom com ela por uma noite. Então eu dormiria no quarto que era reservado para mim.
A vontade de ir ver como ela estava foi ignorada com sucesso e eu me deitei de imediato depois de agradecer pelo dia de hoje.

O pequeno relógio da estante marcavam 3:00 da madrugada quando desistir de dormir e fui para a pequena biblioteca ler um pouco. Não havia ninguém acordado a essa hora para eu me preocupar em mudar de roupa então apenas fui do jeito em que estava.

Não sei quanto tempo fiquei mas ainda estava escuro quando abrir a porta e vi um anjo sentado de frente para mim.
Apertei os livros de nervosismo e pensei em me despedir rapidamente e sair dali o quanto antes quando percebi seus olhos tristes e um pouco vermelhos. Ela tinha chorado? Por que? Seria minha culpa?

"Maine?" Vi que ela não queria se encontrar comigo assim como eu não queria, não até ver seus olhos tão magoados.

Ela me olhou dos pés a cabeça e percebi que eu não estava vestido apropriadamente. Tentei ignorar o fato de sentir uma certa satisfação ao vê-la aprovando cada parte de mim.

"Eu estava sem sono, então..." Deu de ombros tentando disfarçar.

"Ah. Eu também, então fui ler um pouco." Maine sorriu, um sorriso que não chegou completamente aos seus olhos mas que pelo menos era alguma coisa.

Me sentei ao seu lado, não muito perto mas não tão longe quanto deveríamos. Não sabia o que fazer, o que dizer, eu só queria tirar a tristeza que não combinava com ela. Qual era o motivo?

"É claro que você lê quando não tem sono."

Ela me olhou como se fosse óbvio, como se fosse algo que os certinhos faziam.
Ah, se ela soubesse o que eu queria fazer nesse exato momento para espantar toda sua dor...

"Devia tentar, eu estava estudando sobre Dante, já ouviu falar?"

Eu não estava exatamente estudando sobre Dante, apenas esbarrei nele estudando outros assuntos, mas ela fez com que eu me lembrasse dele. Um homem apaixonado por uma mulher que não era pra ele...

"O cara do inferno? Estudei sobre isso na escola, só não lembro."

Ela tentava se distrair e eu tentava distraí-la, mas seus olhos ainda estavam me matando.

"Ele fez um mapeamento do inferno, sim, mas também amou para o resto da sua vida uma mulher que nunca dirigiu uma palavra a ele."

"Que loucura..."

Pois é. E eu sentia meu destino tomar um rumo parecido. Só esperava que esse sentimento não permanecesse por tanto tempo como foi com Dante ou eu iria enlouquecer futuramente.

"É."

O céu estava lindo, ainda estava escuro mas o dia havia começado. Não tinha pegado no sono um só minuto e suspeitava que o motivo estava do meu lado.

"Maine, por que você chorou?" Eu não podia mais me conter, queria saber o motivo e acabar com ele, mesmo que o motivo fosse eu mesmo.

Eu a olhei e seus olhinhos com de mel também estavam me olhando, tão tristonhos e envergonhados. Me aproximei e acariciei sua bochecha e Maine ficou tão entregue, tão vulnerável que me deixou louco.
Deus é minha testemunha do quão forte eu tive que ser para não cometer outro erro como no parquinho abandonado.

"Por que saiu da igreja antes de começar o culto?" Falei baixinho para que ela não percebesse na minha voz o quanto ela tinha me torturado com sua ausência.

"Eu posso não responder e só ficar aqui, deitada na sua mão?"

Oh, céus.

Suspirei alto, colocando os livros que estavam no meu colo de lado e desistindo do pouco alto controle que definia a distância saudável entre nós.
A envolvi nos meus braços e a puxei para mim, acariciando seus cabelos e sentindo seu corpo se encaixando perfeitamente no meu.

"Pode."

Sentir ela se aconchegando mais e mais a mim e também sentir seu nariz se afundando na minha camisa, ela estava cansada e nada do que me dissessem nesse momento me faria mudar de ideia quanto a razão de suas lágrimas. Eu.

"Sinto muito. Estou machucando você apenas com minha presença. Sei que não é vingativa mas espero que te console saber que me dói também. Apesar de que amar você, é uma doce dor e..." Prendi a respiração e esperei a reação de Maine á minha declaração escorregadia mas ela havia dormido, graças ao bom Deus.

Olhei para o céu e voltei a respirar. Os primeiros raios de sol se apresentavam no céu, a segunda-feira havia oficialmente começado e com ela a agonia de um encontro marcado com Maine. A peguei em meus braços assim que constatei que ela estava no mais profundo sono e segui para seu quarto, constatando também que eu não tinha opção e não havia mais indecisão de minha parte, eu queria tanto e eu iria ao encontro com ela esta noite.

Padre NossoOnde histórias criam vida. Descubra agora