Capítulo 4. Reconhecimento

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Em dias como este, em que a neve cobre tudo, mas o céu está azul e no chão tudo está branco, são os dias mais difíceis para se enfrentar, por quê os recônditos de sua memória, trazem a tona, lembranças que ela não consegue compreender. Lembranças que Ava tem de quando ela era menina e que adorava deslizar na neve. Lembranças de quando tinha um pai uma mãe e um irmão e Ela vivia sorrindo e brincando com as crianças.

Mas neste momento tudo que preocupa a sua mente é o parto difícil de Blanca, sua amiga. Foi feito um exame de ultrassonografia e visto que ela está esperando trigêmeos, as ursas geralmente, tem só dois filhos, mas ela está esperando três e com sua constituição miúda, tem sido uma gestação difícil. Pelo menos, sem os caçadores andando por aqui, fica mais fácil e mais tranquilo, poder andar entre as duas casas sem perigo.

Foi por isso que Ava levantou cedo, tomou a sopa que Uchôa tinha trazido e saiu para ir à casa de sua amiga. Quando estava chegando próximo à casa, começou a ouvir os gritos de dor de Blanca e se assustou, correu e entrou pela porta sem bater, e tomou um susto ainda maior. Um homenzarrão saiu do quarto com as mãos ensanguentadas e olhou em meus olhos, como se ela fosse a última bolacha do pacote.

Uchôa gritou lá de dentro do quarto:

-FECHA A PORTA! Ava, por favor, ajuda aqui - pediu Uchôa.

O grito fez ela despertar e rapidamente fechou a porta e passando por um Zoren petrificado, entrou no quarto, vendo que os filhotes já haviam nascido e Uchôa limpava a fêmea, foi lavar as mãos e voltou até Blanca para terminar o serviço.

-Preciso que você faça só mais um pouquinho de força, Blanca, a última placenta ainda não saiu - Ava apoiava os joelhos dobrados de Blanca para ajudá-la e logo a placenta saiu e o trabalho da ursa terminou.

Zoren entrou com uma bacia cheia de água morna e colocou ao lado de Ava, também pegou as toalhas brancas que já estavam separadas. Num instante Ava limpou sua amiga e com a ajuda do macho Alfa, trocou as roupas de cama e pediu para que saíssem para poder trocar a mãezinha.

Quando Ava abriu a porta do quarto e deixou o feliz papai entrar, Blanca estava linda, recostada nos travesseiros e com seus filhotes espalhados sobre ela. Ela ficou olhando a interação entre o casal e os filhotes tão pequeninos e carequinhas. Apesar da barriga de Blanca ter crescido em demasia, os filhotes, como todos os filhotes de urso, eram bem pequenos. Cabiam na palma da mão de Uchôa, uma mão grande de lenhador.

Ava sentiu que o macho a estava encarando e resolveu sair do quarto e fechar a porta, não queria que a conversa que teriam, atrapalhasse o casal. Foi até o fogão de lenha, atiçou o fogo que ja estava aceso e procurou nos armários, um pouco de qualquer coisa para fazer uma bebida quente. O macho se levantou, pediu que ela esperasse e saiu.

Ava cruzou os braços olhando para a porta, curiosa em saber o que ele foi fazer e logo ele voltou com uma grande caixa nos braços. Colocou no chão, próximo a mesa e retirou de lá: leite em pó, café solúvel, açúcar em cubos e barras de chocolate. Ela olhou para tudo aquilo e lembrou de ter visto a mesma coisa, na barraca dos caçadores.

-Então era você? - Perguntou sem entrar em detalhes, pois se não fosse ele, não saberia sobre o que estava falando.

-Não, não era eu, era minha equipe de rastreio e segurança. Se você sabe disso, era você lá, não? Você é ela: a Caçadora das Sombras. - Devolveu a pergunta.

Ela não respondeu, pegou as coisas que ele tirou da caixa e preparou um capuccino. Quando estava pronto serviu duas canecas e levou para o casal dentro do quarto.

-Capuccino, que delícia você arrumou Ava, obrigada - exclamou Blanca quando viu o líquido quente e cremoso.

-Foi o grandalhão quem trouxe, eram os lobos dele - virou-se para olhar para Uchôa - que chegaram no acampamento depois de mim e pegaram essas coisas que ele trouxe.

-Posso entrar? - O macho em questão colocou a cabeça na fresta da porta.

-Claro amigo, pode se achegar, você tem todo o direito, depois de tudo que fez - falou Uchôa sorrindo.

-Trouxe uns biscoitos também - entregou o pacote de cream cracker para ele, que abriu e deu à sua fêmea.

-Obrigada por tudo, a vocês dois, Zoren chegou no momento exato, para não deixar esse ursão desmaiar e Ava, como sempre, ligeira e eficiente. Sabe que vocês combinam? - Blanca nem imaginou...

-Minha! - Soltou o Alfa, olhando para a Ava.

-Levou uma pancada na cabeça? Tá alucinando? Eu nunca serei sua companheira! - Ela não levantou a voz para falar, antes falou séria e convicta.

-Você não pode fugir disso, sinto seu cheiro e o lobo confirmou, você é Minha! - Confirmou ele.

-Acho melhor nós conversarmos lá fora, não faz bem para os filhotes, toda essa tensão - falou já saindo do quarto.

Já de volta à cozinha, Ava serviu uma caneca de capuccino e ofereceu a ele, que aceitou, também serviu-se e sentou em uma das banquetas da mesa.

-Meu nome é Zoren, sou o Alfa da Alcateia dos Zagaias, que fica a alguns quilômetros daqui. E você, quem é? - Zoren preferiu ir devagar.

-Meu nome é Ava - falou séria de cabeça baixa, meditando sobre o nome da Alcateia, que lhe trouxe lembranças.

-Só isso, Ava? Você não tem família ou uma Alcateia? - Queria fazer muitas perguntas, mas estas estavam boas para começar.

-Só. Não - monossilábicas suas respostas.

-O que é? Você está com medo de mim, é isso? - Zoren estava começando a ficar aflito.

-Não tenho medo de você, Zoren dos Zagaias, você para mim é nada. Não me interessa nenhum laço, muito menos o de companheiros, não me servem para nada - suas palavras soavam rudes, com um peso de dor profunda, que deixavam o Alfa intrigado.

-Nenhum lobo sobrevive sozinho - insistiu ele, bebericando seu café.

-Eu vivo. Sou sozinha desde que me entendo por gente e sempre me virei sem Alcateia. - Algo mudou naquela fala e Zoren percebeu.

-Você pode ter sobrevivido sem uma Alcateia, mas não sozinha - ele estava intrigado com aquela situação e resolveu testar uma suspeita que tinha - quantos anos você tem? - Perguntou.

-Vinte, porque? - Ela franziu a testa ao responder.

-Porque uma criança desapareceu da nossa Alcateia, já fazem 14 anos e ela tinha seis aninhos. Nós a procuramos que nem loucos, por meses e não a encontramos. Seria você? - Ele a observava atentamente e percebeu quando ela ficou tensa e olhou para ele de olhos arregalados.

Sua respiração ficou apressada e seu coração, descompassado. Ela não sabia para onde olhar, num repente, levantou e saiu pela porta, direto no ar gelado da noite. Ele imediatamente foi atrás dela. Cuidou de fechar a porta e saiu correndo, a alcançando rapidamente e segurando em seu braço, a fez parar.

-Não fuja de mim, Ava. Somos companheiros. Se você for aquela menininha, seus pais ainda estão vivos e continuam esperando notícias suas. Seu irmão Demétrio, se tornou um excelente farejador, pela prática de passar meses procurando você pelo cheiro das suas roupas que ele ainda tinha. Nos dê uma chance, minha pequena. - Zoren falou com o maior carinho possível.

Ela se soltou, baixou a cabeça e continuou sua caminhada na neve. A lua clareava a noite, tornando a neve mais branca e a noite mais clara. Ava caminhava com pressa, entregue aos próprios pensamentos. Aquele nome, Demétrio, trouxe a beira, algo que estava escondido no profundo de sua alma. Suas lembranças do passado, eram duras demais para ela querer lembrar.

Chegou a sua pequena cabana, que só tinha um cômodo para tudo, abriu a porta e entrou e só então percebeu que o Alfa tinha continuado a lhe acompanhar. Olhou para ele, parada na porta, sem saber o que fazer, por fim, entrou e fechou a porta em sua cara.

Foi nesta hora que Zoren percebeu, que tudo que já passara de difícil na vida, não se comparava a luta que iria travar para conquistar sua companheira. Resolveu ir para casa e voltar no dia seguinte com todas as armas que tinha disponível para esse combate.

Alfa AbandonadaOnde histórias criam vida. Descubra agora