CAPÍTULO 29

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Quase não existia poeira no escritório do capitão Levi. Não entendi o porquê de limpar um cômodo que sempre permanecia limpo, considerando o histórico do capitão com a limpeza. Era entediante ter que limpar a estante coberta de livros enquanto todos os outros estavam montando a base fora das muralhas. Até parecia um castigo ter que ficar presa nesse cubículo de pedra. No entanto, eu fui escolhida para ficar, já que sai muitas vezes nesse último mês, porém eu não escapava das intermináveis limpezas. Era a minha vez de higienizar tudo e eu precisava executar minha tarefa com uma precisão implacável já que se trata do escritório de Levi. Contudo, essa perfeição demandava muito tempo, me entediando cada vez mais.

Estava um dia tão ensolarado que poderia ser considerado perfeito para um grande e despojado pinique. O sol brilhando, a brisa leve batendo no rosto e o cheiro delicioso de pão fresco juntamente com chá. Seria o paraíso.

- O que você está fazendo? - Vejo o capitão parado na porta ainda segurando a maçaneta.

Eu estava sentada em sua cadeira olhando pela janela com o espanador de pó na mão. Minhas roupas não eram roupas habituais, vestia um short e uma camiseta amassada, além de um pano no cabelo para evitar que o pó se impregnasse em meus fios.

Eu me levanto rapidamente quando o capitão fecha a porta, era a primeira vez que ficávamos sozinhos desde o ocorrido na nossa última aventura. Ainda era confuso para mim o que ele havia feito. Não entendia o porquê do beijo e nem mesmo oque isso significava para mim ou para o capitão.

- Desculpe capitão. Acabei viajando em algumas memórias - Eu ressalto a palavra memórias para que remetesse ao beijo, mas ele me ignora e se senta em sua cadeira procurando alguns papéis.

O capitão também não foi autorizado a ir para a construção da base. Hange alegava que precisava de alguém de confiança aqui na base. Por conta disso, o capitão andava mais mal humorado do que o normal. Então, como havia poucas pessoas no quartel naquele momento, ele descontava em mim.

- Viajou para onde? - Sua pergunta me surpreende e primeiramente considero respondê-la tranquilamente, mas falar sobre aquilo me deixaria mais desconfortável do que eu já estava.

- Nada demais. Apenas me perguntava o porquê devo limpar um cômodo que sempre está limpo.

Ele para de mexer nos papéis e seu olhar se torna completamente vazio. Provavelmente sua mente não estava mais naquele cômodo, mas sim em uma memória distante. Uma das possibilidades era que ele relembrava o seu passado que não tinha revelado a ninguém. Nenhuma pessoa do seu esquadrão sabia quem eram os pais de Levi ou onde ele nasceu. Era um total mistério a sua vida antes do exército.
O capitão permaneceu nesse estado por alguns longos segundos e não havia indícios de que sairia do seu transe. Contudo, eu me aproximo e coloco minha mão em seu ombro para fazê-lo voltar a si. Seu corpo reage levemente com o meu toque e seu olhar se volta para mim, ainda vazio. A sua boca estava levemente aberta o deixando com uma expressão tão vulnerável quanto um pássaro em uma gaiola. Uma empatia surreal crescia dentro do meu peito. Queria abraçá-lo e protegê-lo desses pensamentos assim como fez comigo na caverna, mas os outros sentimentos confusos me impediam de fazê-lo.

- Quando eu era criança vivia no subterrâneo. Vivia em meio a sujeira, acredito que seja por isso que gosto de tudo limpo - Ele fala tudo isso olhando para a janela.

Eu fico surpresa por ele se abrir desse jeito comigo. Não cresci no subterrâneo, mas já ouvi histórias que todo tipo de pessoas matavam e roubavam para tentar sobreviver lá embaixo. Não imaginava que o capitão viria de um lugar tão imundo e indigno. Eu sabia que em sua infância ele havia sido criado pelo seu tio, Kenny Ackerman, o assassino em série que morreu na luta que travamos ao salvar Eren do pai de Historia. No entanto, eu nem sequer considerei a possibilidade do forte e confiante capitão ter vivido num lugar como aquele. Provavelmente, se eu tivesse passado por isso, ou não teria sobrevivido ou teria criado traumas profundos sem chance de cicatrização. Levi estava bem aqui na minha frente, o capitão de um importante esquadrão e um soldado formidável. Sua força era inimaginável se fosse juntar todos esses fatos sobre ele.

Sem pensar um segundo, eu cruzo meus braços em seu pescoço o envolvendo em um abraço.

- Obrigada por compartilhar isso comigo - Afundo meu rosto em seu cabelo fazendo com que eu sentisse seu cheiro.

Ele me afasta depois de um tempo e me encara de forma profunda, no entanto eu esperava um olhar frio ou irritado. Mas eu apenas via uma emoção que eu não conseguia identificar.

Nós dois conversamos enquanto eu terminava de limpar o seu escritório. Eu tinha algumas dúvidas e Levi me respondia todas. Descobrindo sobre a trama de Erwin para ter o moreno na sua tropa e sobre a morte das duas pessoas cruciais na sua história.

- Farlan e Isabel eram como uma família para mim. Se eu tivesse ficado com eles ao invés de correr atrás do Erwin para matá-lo, eles não estariam... - O capitão não conseguiu terminar a frase, por isso me aproximo e fico frente a frente com ele.

- Levi, esses monstros que hoje sabemos que antes eram seres humanos na minha opinião não tem culpa. No entanto, os monstros misteriosos que ousam se esconder no rosto de seres humanos... nós iremos exterminá-los. - Procuro o tom de voz de determinação que Erwin usou para convocar os novos recrutas a lutarem ao seu lado - Não sei quem foi a primeira pessoa a sugerir isso, mas nós nunca esqueceremos essa fúria. - Eu desvio o olhar dele e o volto para a muralha ao longe da vista da janela. - As vezes me pergunto aonde isso levará... nossa vitória e liberdade floresce de vidas sacrificadas. Esse era o princípio do comandante Erwin: "Ofereçam seus corações!". Apesar do motivo de vocês três estarem naquela expedição não era para oferecerem os seus corações e sim para parar o de Erwin, ainda assim não serão mortes em vão. Nós vamos honrar a morte do Farlan e da Isabel.

Levi não me olhava o que me faz pensar que havia falado demais. Tinha acabado de expor meus pensamentos e agora não sabia qual pensamento Levi teria sobre eles. Eu terminei a limpeza o mais rápido possível para sair da presença do capitão e não sentir mais esse ar vergonhoso e pesado.

- Eu acabei, capitão! Vou indo! - Sigo em direção a porta e quando estou prestes a fechá-la atrás de mim ouço o moreno me chamar.

- Obrigada! - Não o olho, nem mesmo me viro, apenas sorrio para mim mesma e fecho a porta.

Ao estar no corredor vejo Hange correndo desesperada e encarando a porta do escritório que eu acabara de sair. Ao ouvir o seu grito para dentro do cômodo minha espinha congela e sinto tudo desmoronar.

- A Historia desapareceu!

Levi Ackerman - Determinação Inabalável Onde histórias criam vida. Descubra agora