𝟓 º Aᴛᴏ

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⠀⠀⠀⠀⠀A atmosfera gélida e inóspita engolfou Krystal quando atravessou as portas do necrotério no subsolo do Centro de Cura Especializada. O branco em contraste com o metal esterilizado acentuava a frieza do lugar, as lâmpadas azuis intensificavam a atmosfera sombria e a palidez mórbida do corpo sobre uma das mesas metálicas. Numa das bancadas vazias, uma mulher de cabelos louros e grossos — presos num rabo de cavalo firme no topo da cabeça —, observava algo através de um microscópio, enquanto o rádio ligado ao seu lado anunciava o início da entrevista com um vampiro.

⠀⠀⠀⠀⠀Os olhos azuis, grandes e redondos, desviaram-se do órgão que analisava quando notou a investigadora parar perto do rádio com os cotovelos apoiados na bancada, atenta ao que o locutor dizia sobre o entrevistado. Assim que o radialista anunciou o nome do líder do clã de vampiros mais popular da Nova Era — Kushim Arakelian —, a médica legista desligou o aparelho de som e fitou Krystal com as pálpebras semicerradas.

⠀⠀⠀⠀⠀O tique-taque do relógio pendurado no centro da sala foi o único ruído que se seguiu ao silêncio pairando entre as duas — Eliade era nove centímetros mais baixa que Krystal, no entanto, o semblante enrijecido em sua face fez a hoan mais nova encolher os ombros.

⠀⠀⠀⠀⠀— Por que está me olhando com essa cara zangada?

⠀⠀⠀⠀⠀— Estou sempre zangada com você, Krystal. — Eliade respondeu, enfiando as mãos no bolso do jaleco. — Pensei que já tivesse se acostumado a isso.

⠀⠀⠀⠀⠀Krystal bufou e se sentou na bancada.

⠀⠀⠀⠀⠀— O que está examinando aí? — perguntou, espiando o órgão que a médica observava através do telescópio e depois o corpo sobre uma das mesas do necrotério, só então lhe dando atenção.

⠀⠀⠀⠀⠀Embora estivessem no Centro de Cura Especializada em Hoans, o corpo que a médica legista examinava pertencia à filha mais velha do licantropo membro do conselho de Wedstone. Eliade era a legista responsável por lidar com quaisquer criaturas da noite assassinadas no distrito de Wedstone, e havia feito um corte em Y no corpo de Holly Brandão. Naquele momento examinava as vísceras da fêmea assassinada, o vermelho que cobria as tripas sobre a bancada era fraco, devido ao corpo ter sido exsanguinado, porém o cheiro fez Krystal franzir o cenho. De longe, o odor lhe fizera lembrar do sangue que espalhara sobre o piso do Hotelbar durante a confusão com os vampiros, no entanto, havia algo esquisito naquele odor, diferente do sangue dos outros licantropos que testemunhou serem assassinados ou se ferirem.

⠀⠀⠀⠀⠀A hoan saltou da bancada e caminhou até o cadáver.

⠀⠀⠀⠀⠀— Por que está fazendo isso quando a causa da morte é óbvia? — indagou, cravando os olhos em Eliade, enquanto o indicador apontava para as marcas no pescoço de Holly. — Um vampiro sugou todo o sangue dela, assim como fez com as outras vítimas.

⠀⠀⠀⠀⠀— Faz parte dos procedimentos — Eliade suspirou, tirou uma caneta do jaleco e caminhou até a mesa à direita do recinto, onde pegou uma folha em branco e fez algumas anotações. — Pensei que viria aqui ontem, após o corpo ser trazido, então soube que haveria um jantar na sua casa. Para o Beom.

⠀⠀⠀⠀⠀Os olhos de Krystal encontraram os azuis da médica, que naquele momento eram capazes de congelar a investigadora da mesma maneira que a geladeira fazia com os cadáveres antes de Eliade dispensá-los.

⠀⠀⠀⠀⠀— Céus, odeio quando me olha assim! — Krystal suspirou, passando os dedos entre os fios cacheados.

⠀⠀⠀⠀⠀— E eu odeio sentir inveja de você — Eliade retrucou, arreganhando os lábios com um "tsc" estalado.

ɪɴᴅᴇʟᴇ́ᴠᴇʟOnde histórias criam vida. Descubra agora