Visão No. 46

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Fizeram disso um novo tipo de graça:
Lançaram a existência num lodaçal 
E se entretém com as bolhas de gás que se inflam e esvaem na superfície pútrida… 

Tiraram do orbe universal a divindade de deus
E a fizeram uma sombra inconsistente dos desejos efêmeros dos homens…

E se supõem fortes de o fazer,
De assumir o caminho das baixezas de seu espírito,
Voltados a satisfazer as mil exigências da carne que se esvai…

O sentido é um engano, 
O céu um falso consolo,
Tudo é mentira, 
Tudo é desânimo
Neste habitáculo de substância fugaz,
No sem propósito,
No sofrimento que é existir, 
Na insuficiência que é ser… 

Bom é chorar até o fim, 
Remoer a dor, 
Esculpir nos músculos uma vitalidade falsa,
Dar aparência 
Ao que não dispõe de essência… 
Ter o fetiche de  experiências que nada são além de um despetalar…
E consumir e consumir-se
Antes de sumir… 

Dizer que não há deuses, 
Porque se não pode prová-lo… 
E apagar as imaginações criativas 
Que davam feições a infinitos mundos nas estrelas,
Que  punham ordem  na balbúrdia dos instintos 
E estabeleciam leis pelas quais o caos ansiava… 

E caíram!
Ou antes: Saltaram ao abismo! 
Desistiram da altura para habitar na superfície fria e úmida do lodo… 

Tinham asas mas lhes atearam fogo 
Para dizer que voar era privativo de
Quem sorve ilusões… 

E fizeram isso de propósito
E se acharam tão nobres, 
com o ranho do seu fracasso a manchar-lhe os rostos… 
Puseram com orgulho o cilício
Do solipsismo,
Masturbando-se com as lâminas de sua solidão, 
Perfurando seus órgãos com os trépanos do desassossego 
Para afirmar-se humanos, 
Prosopo criado 
no dorso de um animal selvagem,
Que cavalga à sombra dos outros,
Esquecidos de haver quem tenha alguma vez pensado em si...
 

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