1

1K 22 0
                                    

Hailey Rhode — LA, Califórnia

Os filmes mostram o processo do luto de uma forma muito mais agressiva do que como ele realmente é, principalmente quando se trata de doenças terminais e essas coisas, não que seja completamente ruim afinal é pelo bem da arte!

Mas toda essa versão do luto cinematográfica, criou algo na minha cabeça que eu gosto de chamar de 'morte ilusória'.

Percebi isso quando meu pai recebeu a um ano e alguns meses, o resultado de câncer, metástase. No início, foi como uma bomba caindo bem na minha cabeça e derrubando as torres gêmeas que eram meu pilar, não gosto de comparar, mas caso fosse eu poderia dizer que vivi meu 11 de setembro dentro da minha cabeça, em pleno 4 de Julho.

No meio do processo, tivemos uma bomba de esperança quando os exames se mostraram positivos. Foram uns dois meses de felicidade pura dentro de casa, que calharam de cair no mês do meu aniversário e do natal, tornando as duas datas como umas das melhores da minha vida.

E no fim do processo, quando estávamos ainda no meio de uma bomba de esperança, o médico nos preparou para o pior. Meu pai já estava com meses contados de vida, que poderia se prolongar com o uso adequado dos remédios, com repouso e um resto de vida calmo. Mas a cura, não era uma opção nossa, nem uma oportunidade dele.

E eu espero o momento em que a descarga de luto que vejo nos filmes e séries acontecerem comigo.

Desde o dia em que meu pai fechou os olhos, dentro do quarto dele e com minha mãe ao lado dele segurando sua mão, Alaia aos pés dele chorando baixinho e eu do outro lado com a cabeça deitada no seu colo, eu tenho derrubar uma lágrima sequer, mas não consigo.

Não somente eu. Alaia e a mamãe também não derrubaram sequer uma lágrima. No velório, éramos provavelmente as pessoas mais calmas e serenas do local. Dias depois, a vida começou a seguir e nós três não tivemos tempo de chorar.

Alaia teve que voltar para o trabalho dela. Eu tive que voltar para minha faculdade. Mamãe teve que achar algo para fazer, afinal, ela mesma disse que não poderíamos parar nossas vidas simplesmente pelo fato de ela ter ficado viúva, por mais que tenhamos insistido para que ela viesse morar conosco.

E por mais que Charles, quando conseguiu uma transferência do seu trabalho e infelizmente isso foi muito depois do enterro do papai, tenha oferecido a mesma coisa para ela, nossa mãe ainda sim insistiu em continuar morando na mesma casa em que viveu com meu pai por toda a vida deles juntos.

Mesmo assim, quase diariamente eu venho fazer visitas a minha mãe. Ela aos poucos está retomando velhos hábitos, voltando a pintar, fazendo um pouco de cada coisa que ela gostava quando era mais jovem.

Hoje, ela resolveu pintar. Estou sentada no sofá bege que está no meu antigo quarto, seu atual estúdio de trabalho. Ela está sentada em um banquinho minúsculo, com vários pincéis na mão e dando os retoques, que eu acredito serem os finais, em um quadro magnífico.

— Pronta para me dizer o que é isso? — Pergunto quando ela se levanta, alonga o corpo e devolve os pincéis a bandeja onde eles estavam quando cheguei.

Estou a oito dias acompanhando o processo dela em tornar uma tela em branco em uma... Rua. Uma rua?!

— É a Itália. — Ela responde como se tivesse decifrado minha expressão confusa enquanto analiso a tela.

— Uma rua da Itália? Este é seu quadro? — Pergunto curiosa e ela sorri levemente, fazendo o cabelo branco balançar naturalmente.

— Sim. É uma rua se Florença, na Itália. Um lugar especial para mim. — Ela esclarece com poucas palavras e tira o quadro do cavalete para deixar apoiado na parede do canto.

— Nunca me disse que esteve na Itália. Foi uma viagem com o papai?

— Não. Estive na Itália quando era nova demais para pensar em conhecer seu pai, me casar e ter uma família. Tinha 19 anos, tudo que eu queria era viver uma vida louca no estilo mais Italiano possível.

— E você conseguiu? — Minha curiosa bate mais alto na portinha da minha mente.

— Com toda certeza. Fiz amigos, fiz histórias e além de tudo, fiz muitas inspirações para telas. Pintei várias enquanto ainda estava lá, mas deixei a maioria dos quadros por lá. — Ela parecia livre e espontânea a cada palavra que pronunciava sobre o lugar.

E já não via minha mãe agir deste jeito a um tempo.

Não que ela tenha se tornado uma viúva deprimida, carente ou tristonha. Muito pelo contrário, era como se ela tivesse ganhado uma vida além. Mesmo assim, essa é a primeira vez que a vejo falar com tanta leveza sobre algo desde tudo que aconteceu.

— Tem contato com seus amigos? — Cruzo minhas pernas até parecer novamente a criança de 5 anos que ela colocava no balcão da cozinha para conversar enquanto ela preparava o jantar.

— Não muito. Falava com muitos deles até alguns anos, mas com o tempo os contatos se perdem, as pessoas vão embora e acabamos não tendo tempo de trocar contatos. — Essa é a única coisa que parece desanimar ela ao falar sobre isso.

— Por que nunca me falou sobre essa viagem tão especial para Florença? — Ela parece notar que está em um interrogatório e sorri desconfiada.

— Está querendo chegar em algum lugar mocinha? — Ela tira o avental amarelo e sujo de tinta.

— Sabe onde quero chegar! — Enrolo a ponta do meu cabelo no indicador. — Quero histórias de Florença, quero saber sobre a Itália e sobre esses seus amigos que nunca ouvi falar.

— Quer saber de tudo? Absolutamente tudo? — Ela puxa o banquinho para perto do sofá e eu confirmo como uma criança aceitando o melhor doce do mundo.

— Tudo bem, não vai ser uma missão impossível. Se prepare, as histórias são longas!

Amore Estivo Onde histórias criam vida. Descubra agora