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Como se tudo não pudesse piorar, Azriel fora mandado para uma missão de duas semanas no mundo humano. Depois que Lucien partira para a Corte Diurna de uma vez ficou a cargo de Azriel as relações com os humanos, um trabalho exaustivo e de muitas semanas as vezes, como aquela.
Assim que colocou os pés dentro do escritório de Rhysand levando o relatório disse:

- Como estão as coisas no Refúgio do Vento?

Rhys, sentado a grande mesa de madeira escura o olhou sem levantar a cabeça e depois deixou o papel que lia sobre.

- Bem, Cass esteve lá, o obriguei a ir por alguns dias, mas já está de volta.

- Gwyn veio com ele?

As sombras de Azriel espiralavam lentas pelos braços músculosos, Rhysand as analisava.

- Não, na verdade, parece que ela se adaptou muito bem por lá - o Grão-Senhor se recostou na cadeira e colocou as mãos juntas no colo ao cruzar as pernas. - Cassian disse que ela faz muito sucesso com as meninas, com as crianças... Os machos parecem respeitar ela e Emerie.

- Sério? - bom, era inacreditável.

- Fora o que Cassian disse, e acredito na palavra dele - respondeu Rhys. - Perguntei a ele quando elas querem que as busque, Emerie disse que quatro dias antes do Soltisico e Gwyn... - olhou bem para o irmão que trincou os dentes, as sombras chiando em seus ouvidos. - Parece que ela quer ficar lá por mais tempo...

- A neve vai aumentar.

- Ela sabe. Ofereci a casa de minha mãe para ela ficar quando Emerie vir.

- Ela vai ficar sozinha?

- Aparentemente ela quer ficar sozinha - respondeu Rhys suspirando. - Vai entender essas fêmeas... Trouxe o relatório?

Az apenas assentiu e se aproximou da mesa para entregar os papéis e relatar verbalmente, porém, suas sombras não ficavam caladas. Faltava uma semana para o Solstício de Inverno e em uma semana Illyria se tornaria um lençol branco de frio cruel e feroz. Seu coração apertava em pensar que Gwyn estaria lá e sozinha.

*
Emerie havia partido e o que sobrou a Gwyn fora se alojar na casa da mãe de Rhysand. Assim que abriu a porta fora recebida por um ambiente quente e agradável, a lareira já acesa, todos os armários abastecidos, girlandas penduradas, alguns enfeites de Solstício simples, mas que reluziam sobre a luz dourada das luzes feéricas e da lareira.
Gwyn se sentou no sofá onde havia uma mancha que poderia ter sido tirada dali, porem, alguém fez algo que a deixou permanente. O vento rugiu do lado de fora carregado de neve e a sacerdotisa olhou pela janela vendo os pedaços braços sendo levados com tanta força que pareciam linhas.

Nunca havia passado um Solstício sozinha, sempre na companhia das sacerdotisas, nos últimos anos na biblioteca e com Nestha e Emerie, mas quis ter aquele tempo para ela, sabia que era por que queria evitar Azriel, queria evitar ter que topar com ele durante ou depois das festividades. Ficar longe naquelas semanas estava sendo... Normal? Não, não era normal, ela se sentia vazia e inquieta, o laço sempre puxando e puxando e ela não sabia o que fazer.

Ela se levantou indo na direção da mesa da cozinha, talvez encontrasse um vinho, seria bom que tivesse. Vasculhou os armário em busca de queijo e pão, viu que havia ingredientes para fazer uma janta decente no dia de Solstício, que deleite.
Gwyn ajeitou tudo sobre uma tábua de madeira sobre a mesa, pegou uma taça e o vinho que havia encontrado bem no fundo do armário, certamente Rhysand o havia escondido de Cassian, o que era bom, ela não era o Cassian.

Apoiou a garrafa na mesa e pegou um abridor, enfiou a ponta espiralada na rolha e girou afundando o instrumento, mas então batidas fortes soaram na porta a assustando. Gwyn ficou em alerta e pegou uma faca afiada, outras batidas. Não pensava em ninguém que fosse até ali... Será que algum macho descontente com a sua presença estava utilizando a nevasca para atacar? Pois ele poderia tentar.

Gwyn se aproximou da porta lentamente, como um felino espreitando a presa. Outras batidas soaram. Mas ela parou subitamente ao sentir aquele puxão agudo e dolorido em seu estômago... Aquilo era... Perdeu toda a postura de ataque e avançou na porta a abrindo de uma vez já olhando para cima e encontrou a face queimada de frio de Azriel que vestia roupas pesadas de inverno e um capuz.

- Posso entrar?

A pergunta reaverbou pelos ossos de Gwyn que estremeceu ao sentir a brisa fria tocar seu rosto e vapor sair por sua boca entreaberta. As sombras de Azriel dispararam dele até a fina fumaça branca se enrolando nela, pareciam felizes e logo foram até Gwyn se enrolando nos cabelos soltos da ruiva.

- A casa é sua - ela disse abrindo espaço para o macho passar pela porta. Neve caindo de seus ombros e botas, havia partes congeladas de suas roupas pretas e suas asas estavam esbranquiçadas com uma fina camada de gelo.

- O que veio fazer aqui? - perguntou ela baixinho e fechando a porta. Não o olhou nem por um segundo.

- Vim te buscar - ele disse. - Não pode ficar aqui...

- Mas eu quero ficar aqui. Rhysand disse que estava tudo bem em ficar.

- Não quer dizer que é o certo - se voltou para Gwyn tirando o capuz de sua cabeça revelando os cabelos negros bagunçados e úmidos.

- Não quero ir, Azriel - ela respondeu enfim se voltando para ele. - Estou bem, tem tudo o que eu preciso aqui...

- Não tem suas amigas. É o primeiro Solstício de Cassie, não quer mesmo participar?

Claro que ela queria, mas por culpa dele preferiu se ausentar e continuar se recuperando do laço.

- Claro que sim, eu só preciso de um tempo para mim. Apenas isso.

- Gwyn...

- Obrigada por ter vindo me convidar, mas eu não saio daqui até a neve diminuir - disse determinada e cruzando os braços.

Azriel ergueu as sobrancelhas, as sombras se espalhando pela casa, como se estivessem totalmente a vontade, em seu ambiente natural.

- Então você não me da escolha - ele disse indo até a porta. Gwyn suspirou em certo alívio achando que ele enfim partiria, mas o guerreiro abriu a porta, se abaixou por alguns segundos do lado de fora e então retornou com uma bolsa grande e fechou a porta atrás de si.

- Vou ficar.

- Você o que?! - o coração de Gwyn pareceu gritar junto dela. Aquilo não podia estar acontecendo.

- Não vou te deixar sozinha, não é justo com você - ele continuou indo até as escadas.

- Azriel!

- Além disso eu posso te ajudar com a questão do treinamento das meninas, já que Emerie não está - parou no pé da escada e a olhou. - Pode não gostar mais de mim, Gwyneth, mas não vou te abandonar aqui.

Ela apenas o encarou em silêncio o vendo subir as escadas. Aquilo só podia ser uma punição, não, com toda certeza era uma punição ou carma, e um dos grandes. A sacerdotisa se jogou no sofá ainda de boca aberta, o laço pareceu se apertar ainda mais, suas mãos tremiam. Ela ficaria sozinha com o parceiro - que não sabia que era seu parceiro - durante dias, até que ela finalmente decidisse voltar para casa.

Canção de Sombras. CONCLUÍDO. Onde histórias criam vida. Descubra agora