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Gwyn não podia acreditar que realmente havia pedido para que Azriel a tocasse. Mas ainda bem, ele não o fez, mas numa forma punitiva pela mentira que ela havia dito. Era claro que não estava pensando em Bardhyl quando se sentiu excitada, Azriel estava em todos esses pensamentos e a sacerdotisa tinha vergonha de admitir que até mesmo antes do laço surgir.

Mas aquilo não importava agora, nem a vergonha e nem o fato de que realmente queria que ele pelo menos lhe beijasse. O importante estava atrás da porta da casa simples no Refúgio do Vento, a casa da família de Elena.

Azriel bateu firme na madeira três vezes enquanto Gwyn ficou ao seu lado tentando espiar a casa pela pequena fresta da cortina na janela. Não via muita movimentação ali dentro, porém, logo escutou passos indo até a porta e a mesma ser destrancada.

O casal olhou para ali se deparando com Jasper, a mãe de Elena. A fêmea estava pálida, os cabelos soltos e despenteados, o avental e o vestido... Sujos de sangue.

— Jasper o que?... — ia dizendo Gwyn assustada e dando um passo em frente quando o berro de dor de um macho ecoou por toda a casa assustando ela e deixando Azriel em alerta.

— É Elena... — disse a fêmea dando espaço para que os dois visitantes vestidos em armaduras pretas de couro que adentraram em sua residência enquanto ela corria em direção a cozinha, em direção aos gemidos e urros de dor do macho.

Quando chegaram ali, o estômago de Gwyn pareceu uma grande pedra de gelo em seu interior e bile lhe ardeu a garganta.

Era Zayn, irmão mais velho de Elena, tendo a ferida do esquerdo que fora arrancado de modo grosseiro sendo cuidada pela mãe e pelo pai.

— O que aconteceu? — perguntou Azriel institivamente ficando mais próximo de Gwyn que quase não conseguia respirar olhando para aquela cena. Desde a guerra, ela não ficava confortável perto de corpos dilacerados e sangue, havia visto demais.

— A coisa — disse o pai de Elena fazendo a esposa olhá-lo com reprimenda. — Aquilo que salvamos na montanha fez isso.

— Não fale assim de Elena — disse Jasper  limpando o ferimento de Zayn que a olhou com pesar nos olhos.

— Aquela não é mais Elena, mãe — ele disse e a fêmea negou com a cabeça ignorando. Zayn então olhou para Gwyn.

— Não sabemos o que é, mas aquilo dentro do quarto não é minha irmã.

— Começou há alguns dias — disse o pai de Elena. — A menina começou a ficar diferente, não que tivesse um temperamento fácil, mas piorou muito e então... Ela tentou atacar Jasper. Zayn entrou no meio e teve o braço  arrancado como se fosse um boneco de papel. Aquilo não é a criança que eu e minha esposa fizemos.

— Ela está apenas doente! — disse Jasper após terminar o curativo do filho e então olhou para Gwyn e Azriel com os olhos cheios de lágrimas. — Por favor, dêem uma olhada nela, talvez vocês possam ajudar, levar ela até o Grão-Senhor... Por favor.

A fêmea juntou as mãos sujas de medicamento e sangue em frente ao corpo em súplica. Azriel olhou bem para os dois machos ali, o pai da menina deu as costas para todos, o irmão abaixou a cabeça, asas murchas quase tocando o chão.

Gwyn não pensou duas vezes em aceitar ver Elena e então Jasper guiou ela e Azriel até o quarto da menina e assim que abriu a porta um cheiro pútrido como um campo de cadáveres invadiu as marinas da valquíria que segurou firme para não demonstrar ânsia, se Azriel sentiu o mesmo não transpareceu um fio.

O trio adentrou no quarto e olharam para a cama onde a garota alada estava amarrada com diversas cordas, não estava acordada no momento e Gwyn não a reconheceu.

Os cabelos escuros haviam caído parcialmente ficando apenas alguns longos chumaços na cabeça, a pele parecia fina e mole, em algumas partes como nos braços havia desaparecido ficando apenas os músculos, no rosto não era diferente, a boca havia aumentado, a linha quase chegando as orelhas da menina que respirava tão rápido que era impossível contar sua respiração. 

Gwyn sentiu Azriel pegar gentilmente em seu pulso e ela o olhou vendo que a cor havia desaparecido do lindo rosto do parceiro e os olhos estavam brilhando em alerta.

— Já chamamos várias curandeiras — disse Jasper. — Mas você é uma sacerdotisa, não é? — olhou para Gwyn que retribuiu o olhar. — Pode tentar salva-la?

Tudo o que a valquíria conseguiu fazer fora abrir a boca, mas nenhuma palavra saiu, nada, como iria dizer a aquela mãe que não fazia ideia de como salvar a menina?

— Seu marido tem razão — disse Azriel e ambas o olharam. — Eu sinto muito...

— Não! — gritou Jasper se aproximando mais da filha amarrada a cama. — Eu tenho certeza que isso pode ser revertido! Eu tenho certeza! Minha filha está ali dentro!

A fêmea chorava em desespero e então o marido chegou a porta e Azriel o olhou. Gwyn olhava de Jasper para os dois machos quando o parceiro negou sutilmente com a cabeça para o pai de Elena que assentiu de volta e olhou para Jasper.

— Sabe algo sobre isso? — perguntou o macho para Azriel, mas olhando para a esposa que negava freneticamente e abrindo as asas e os braços em frente a cama, tentando proteger Elena.

— É uma ameaça muito grande, não sabemos ainda o que de fato são. Mas estão no fundo das montanhas e cavernas, onde Elena estava... — explicou Azriel. — Apenas se levarmos o corpo poderemos saber o que aconteceu.

— Não! — berrou Jasper e Gwyn a olhou com pesar. — Por favor, por favor não deixe que isso aconteça! Ela adora você! Ela vive dizendo o quando quer ser igual a você! Não pode deixar que a matem!

Gwyn deu um passo a frente para poder acolher a mulher, pelo menos tentar, mas quando um grito agudo e bestial ecoou pelo quarto fazendo toda a casa tremer a Valquíria levou as mãos aos ouvidos os tampando e caiu sobre os joelhos. Quase que automaticamente uma sombra a cobriu e quando viu era Azriel literalmente a cobrindo com o próprio corpo e sombras, as asas fechadas em sua volta.

Fora rápido demais, o sangue de Jasper esguichou pelo ar pintando as paredes com respingos de cor rubi e a coisa a empurrou contra o chão, com unhas e dentes rasgando as asas da fêmea. O marido agiu rápido o bastante para pegar a espada e cortar a cabeça da criatura antes que os dentes longos e afiados como facas cravassem no pescoço de Jasper que agora chorava e gritava no chão tentando levar as mãos as asas retalhadas.

A cabeça de Elena rolou até parar em frente a Gwyn, com os olhos leitosos virados para a valquíria que se encolheu mais a segurança do corpo de Azriel que a abraçava com um braço e na mão livre tinha uma espada.

Gwyn voltou o olhar para Jasper que gritava e chorava se joelhos sendo amparada pelo marido, mas não era pelas asas completamente destruídas que a fêmea chorava, mas sim pelo corpo mutante da filha agora decapitado.

O irmão de Elena chegou a porta vendo toda a cena e correu até a mãe para ajudar o pai a levá-la até a curandeira, mesmo que Jasper berrasse desesperada por Elena que já não existia mais há muito tempo.

— Tirem essa coisa da minha casa — disse o marido de Jasper. — O que quer que fez com a minha filha, agora ela está vingada.

A família illyriana saiu do aposento e então Azriel finalmente saiu de cima do corpo encolhido de Gwyn que olhava ainda quase sem piscar para a cabeça da coisa.

— Azriel... — ela disse o olhando por cima do ombro e o parceiro a olhava impassível. — O que diabos foi isso?

O mestre-espião suspirou e com um olhar de quem dizia te conto em casa ele se abaixou novamente embainhando a adaga e passou os braços em volta de Gwyn surrussando que sentia muito pelo o que havia acontecido com Elena.

A sacerdotisa valquíria olhou novamente para aquela cabeça decapitada, mão sentia pesar naquele momento, nem tristeza, apenas raiva, raiva de que uma coisa daquela havia acontecido justamente com Elena, uma garota com um futuro brilhante e Gwyn faria questão de acabar com o que quer toque tivesse feito aquilo com a menina.

Canção de Sombras. CONCLUÍDO. Onde histórias criam vida. Descubra agora