Capítulo 21 - Wonderland

380 20 1
                                    

POV Lola Grace McLean


Desvio os olhos do livro que estou lendo para ver Panda, minha gata, entrar pela janela. É uma gata completamente independente, vai e volta, uma Maine Coon preta e branca muito esperta na verdade; dizem que essa raça se apega aos donos, não sei se concordo. Ela pula e aterrissa com graça na escrivaninha onde estou lendo, tampando minha visão do livro.

- Ei, garota. Que tal ir um pouco pro lado? — sussurro.

  Panda meche o rabo e então abaixa a cabeça. Ela entorta a cabecinha na direção do meu colar, que à noite sempre deixo na escrivaninha. Minha mãe me deu esse colar para que eu lembrasse de quem eu sou, e me lembro claramente das palavras até hoje "tão delicada quanto perigosa, tão bela quanto dura, mas sempre preciosa"  foi o que disse. Sorrio ao lembrar. Nunca me desgrudo do colar desde que Piper me deu, no meu aniversário de dez anos. A rosa de rubi costuma reluzir no meu pescoço todas as manhãs.

  Quando me dou conta do que a gata fez, ela já está na janela de novo. Pulando para um passeio noturno no acampamento com o meu colar na boca! Ah, não. O que essa gatinha travessa pretende agora?

 Saio correndo atrás de Panda em alta velocidade, iluminada apenas pela luz da lua. Maldita gata, se me pegarem andando pelo acampamento essa hora... bom, ser filha de dois heróis fantásticos acaba sempre amenizando as punições, menos quando meus pais descobrem, claro. Como segunda opção ainda tenho o charme, não sei usar tão bem quanto minha mãe, mas consigo me virar. Passo pelo refeitório, facilmente localizável mesmo com pouca luz — na verdade nem é tão pouca, já que a lua está brilhando com uma intensidade surpreendente, dizem que quanto Ártemis está ativa a lua brilha mais, o que será que a deusa está fazendo agora?

  Panda faz uma curva brusca quando chega à praia e a acompanho, o bom de ser bem treinada é que se é resistente, ainda sinto que posso correr muito mais e meu folego está estável ainda —apesar de que não costuma durar muito. Penso em como deve ser estranho para alguém que avistasse de longe uma garota com um vestido azul e verde florido longo e de mangas compridas correndo atrás de uma pequena gatinha pela areia da praia depois do toque de recolher. Meu cabelo bate no meu rosto bloqueando partes da minha visão com os fios negros, mas não me incomoda, tenho que pegar meu colar de volta, alguma hora essa gata vai desacelerar e cansar da brincadeira.

  Reconheço que já corri de mais quando percebo que estou no estuário do Riacho Zéfiro. Tem alguém sentado nas pedras em frente ao lago, quase me desespero, mas logo percebo que é um campista adolescente e que não olha pra mim, está conversando com as naídas do riacho. Por um momento pensei que Panda fosse pular para o lago, mas ela me choca ainda mais, entregando o colar cuidadosamente na mão estendida do campista, que já parou a conversa, e some saltitante. O campista se volta para mim, chego mais perto e me dou conta de quem é. O cabelo castanho encaracolado e os olhos claros acentuados pelo luar são inconfundíveis. Eric. Por que ele fez minha gata trazer meu colar até ele? Não basta me incomodar em aula?

- No meio da noite? Sério? — Indago levemente estridente, já estou começando a ficar com sono, minha paciência está no limite. — Devolve meu colar, vai.

- Hum. Não sei, não. — Ele responde me encarando com os olhos travessos que sempre decoram suas expressões. — Talvez.

- O que você quer? — Pergunto entediada.

- Só um minuto. — Ele caminha até o fim do estuário, para a parte que já é o Estreito de Long Island. Abaixa e cochicha para uma naída. Sinto um formigamento estranho e mordo o lábio. Não sei explicar o porquê aquilo soou vulgar para mim e não quero que se repita, simplesmente estou incomodada pela hora, é isso, claro.

Sangue DivinoOnde histórias criam vida. Descubra agora