Capítulo 25 - Chile

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Estamos há dez dias no mar, desde que saímos do Acampamento Júpiter. Nossos dias são um tédio, sempre a mesma coisa, mesmos hábitos, mesmas paisagens, mesmas pessoas. Nada disso me incomoda, na verdade. O que me incomoda são meus sonhos. Já na primeira noite em que dormimos no mar, meus pesadelos começaram.

  Na maior parte das noites, sonho com o descontrole, não conseguir me segurar, acabar usando meus poderes e com isso sou condenada a uma vida imortal sozinha. Pode parecer bobagem, mas é horrível. Eu me controlei na ilha, preferi morrer a ter que ser imortal, e mesmo assim, o fato de que meu controle pode fraquejar me aflige. Não que eu vá falar disso com os outros.

  Três noites depois que partimos pelo Pequeno Tibre tive um sonho que não foi um pesadelo, mas me fez acordar e pensar que o real pesadelo era a vida que estou vivendo aqui e agora, da qual não posso escapar só me beliscando. Eu sonhei com uma vida alternativa, uma vida onde eu acordaria de manhã com a minha mãe me sacudindo, passasse o café da manhã ouvindo piadas do meu pai e onde Annabeth me deixaria na escola à caminho do trabalho. Uma vida em que eu e meus pais estaríamos em Nova Roma, sem maldição, sem abandono, sem complicações. Uma vida onde eu realmente tinha uma família que eu amava e que me fazia feliz. Tudo se foi assim que acordei. Sonhei com algo tão simples, mas que nunca pude ter e percebi que minha vida já era um pesadelo, e que estou indo cada vez mais fundo nele, alcançando as partes mais obscuras, porque assim, talvez, eu possa acordar ou transformar o pesadelo em sonho. 

  Hoje meu sonho foi diferente, bem diferente dos outros. Eu estava envolta no breu, não conseguia enxergar absolutamente nada, e então ouvi aquela risada áspera e cortante de Nyx. Tudo pareceu estremecer. Uma luz acendeu como um holofote e tudo a minha frente mudou de cor, ficou branco, num ponto que chegava a cegar. A fonte da luz estava ao meu lado, constatei, mas quando olhei para o lado vi apenas uma mão se destacar no breu, e da mão é que a luz saía, sendo assim, era impossível localizar a dona da mão. E acordei. Foi estranho.

  Passei os dias olhando o mar e estudando mapas do Chile; treinei um pouco também, é verdade.

  Aparentemente, Hécate continua de olho. Ninguém percebe o nosso barco, nunca. Nathan disse que isso com certeza era manipulação da névoa e obra da Deusa da Magia. E tem mais. A tinta com que escrevemos "Destino" na lateral do barco brilha de noite, como neón, só que mais forte apesar do tom escuro, e é obvio, não sai de jeito nenhum. É muito bom, temos invisibilidade, luz noturna e não tivemos que retocar o nome do barco.

Agora, finalmente, olho da proa do barco e posso ver o porto de Antofagasta, onde vamos "ancorar". O crepúsculo se estende pelo céu, então quando chegarmos, já será noite, ninguém vera o barco por causa da névoa e ninguém vai nos notar muito em terra, já que vai estar escuro. Um grande problema é que San Pedro de Atacama fica a aproximadamente seis horas de carro do porto, mas como não sabemos dirigir e nem temos dinheiro, seriam três dias a pé. Passei muito tempo fazendo cálculos para encontrar uma solução que não chamasse a atenção até que Nathan lembrou do táxi. O táxi cinza hiper-rápido das velhas cegas aparentemente pode ir de qualquer lugar à qualquer lugar contanto que seja por terra. Como não pensei nisso? Enfim, temos nossa solução. Em poucas horas saberei se minha teoria está correta.

  Já expliquei à Sophie e Nathan o porquê de eu ter dito que tínhamos que ir a San Pedro de Atacama. É simples de entender, eu já conhecia esse lugar, devo ter lido sobre ele, e quando visitei meu subconsciente, ele me mostrou a frase "O lugar com o céu mais escuro e nítido do mundo", então eu lembrei. Lembrei do nome do lugar. San Pedro de Atacama. Se fossemos encontrar Nyx, teria que ser na Terra, não no Tártaro, e se ela fosse se manifestar em algum lugar da Terra, com certeza seria o que possui o céu mais escuro e bonito. Ela é a noite em si, tinha que estar em um lugar com características acentuadas. Esse lugar tem que ser San Pedro de Atacama, ou não tenho mais muitas ideias e teremos que... sei lá, visitar o centro da Antártida.

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