Eu já estava farta. Tudo aqui já estava me consumindo. Novamente meu pai chegou bebado em casa, quebrando móveis, discutindo com a minha mãe e a humilhando de todas as formas. Meu peito subia e descia rapidamente enquanto observava toda aquela cena, eu não podia fazer nada a respeito dele mas poderia fazer por ela.
- Mae, você não precisa aguentar isso. - Repouso a mão nos seus ombros. - Vamos embora daqui!
- E ir pra onde Bárbara? Deixar seu pai aqui? - Ela estava vermelha, com lágrimas nos olhos. Também já estava cansada de tudo aquilo. - Você está louca!
- Louca é você de aceitar viver todo esse inferno, eu não aguento mais! - Aponto para o meu pai, e ela o observa.
- Vai embora Bárbara! - Ela diz e por um momento eu não entendo. - Vai embora! Não tem nada que te prenda aqui, então vai viver a sua vida! Se não aguenta mais, vai! - Ela me encara dentro dos olhos. Não havia peso em suas palavras, ela realmente estava me mandando ir. Não parecia remorço, nem briga, ela sabia que de alguma forma ficar ali estava atrasando a minha vida.
Vou em direção ao meu quarto e pego a primeira mochila que vejo. Não há tempo de escolher nada, eu só queria me afastar desse lugar o mais rápido possível. Boto tudo que acho necessário, e por fim pego todo o dinheiro que havia recebido desde que havia sido mandada embora do último emprego.
Chego na sala e observo meu pai abrir a geladeira bruscamente e ao ver que não tinha nada do seu agrado, empurrar a mesma em direção ao chão. Minhas mãos vão na boca. Ele parte em direção a minha mãe e segura a mesma pelo rosto.
- Você não presta nem para fazer uma comida, sua vagabunda! - Ele diz e lhe acerta um tapa. Não era a primeira vez que eu me via diante dessa situação.
- Mae! - Corro em sua direção mas ela me impede com um grito.
- Vai embora, Bárbara! Sai daqui agora! - Ela diz com dificuldade enquanto seu rosto ainda estava sendo segurado por ele.
- Isso, some sua piranha! - Ele diz entre os dentes antes de acertar mais um tapa na cara da minha mãe. Saio antes que se conclua a cena.
Bato o portão e me apresso pela rua. Meu coração estava acelerado e minhas mãos suando, como todas as vezes. Vizinhos que estavam no portão me olhavam com pena, eles sabiam o que se passava dentro da minha casa. Para evitar os olhares caminho rápido em direção ao terminal de ônibus que ficava algumas ruas depois da minha casa.
Eu quero sumir. Quero sumir daqui o mais rápido possível. Queria poder estalar os dedos e minha vida mudar totalmente. Queria ter tido uma infância normal, com um pai saudável e uma mãe feliz. Queria ter sido feliz. Dentro de mim só havia angústia e raiva.
Sento em um banco do terminal e ali, vendo aquelas pessoas com suas malas, se despedindo de seus familiares, e com seus destinos definidos, me vejo sem chão. Pra onde eu vou? Eu não tenho pra onde ir. A culpa de ter deixado minha mãe nas mãos daquele crápula me consumia mas eu não podia voltar atrás, não se eu quisesse dar uma vida melhor para ela. Eu preciso seguir.
Peguei meu celular e rolei minha lista de contatos, a maioria dos amigos que tinha moravam próximos a mim e continuando nesse lugar, eu não vou me reerguer. O nome de Fernanda me chama atenção como uma possibilidade. Estudamos juntas na UFRJ durante nosso primeiro período, ficamos muito próximas mas tive que trancar minha matrícula para trabalhar e ajudar minha mãe a pagar as contas de casa, já que meu pai havia abandonado o trabalho para ficar na porta do bar.
A ideia martela na minha cabeça, mas desde que saí da faculdade não tive mais tanto contato com Fernanda, os problemas eram tantos que eu tinha vergonha de desabafar com a mesma sobre o que acontecia dentro da minha casa. Respirei fundo e liguei. O nervosismo tomou conta de mim e a vontade de desligar e fingir que nada aconteceu era grande, mas havia um propósito maior que o medo de ser rejeitada pela mesma. Eu preciso continuar.
- Oi Babi, quanto tempo! - Nanda atende do outro lado da chamada e um alívio percorre meu corpo, ouvir sua voz me lembrava de todos os momentos bons que nós tivemos.
- Oi Nanda, desculpa te ligar assim, mas eu preciso de um favor seu. - Desembucho sem delongas.
Expliquei a ela o que pude por telefone e ela acatou totalmente a ideia de me ajudar. Eu sabia que Fernanda morava sozinha, e não era tão dependente dos pais quanto eu, apesar de terem uma boa condição. Ela me passou seu endereço e me explicou como chegar. A tensão percorreu meu corpo e então entrei no ônibus.
Somente quando o mesmo deixou o bairro em direção a rodovia me dei conta do que havia acabado de fazer. Eu deixei tudo pra trás, eu finalmente deixei tudo pra trás e tive que a coragem que durante todos esses anos a minha mãe não teve. Não pude conter, as lágrimas rolavam pelos meus olhos. Eu vou conseguir um trabalho, vou juntar dinheiro e tirar ela daqui. Vou dar uma condição de vida melhor pra nós duas e por mais que tudo o que havíamos sofrido seja culpa do meu pai, ainda vou ajudá-lo a se tornar um ser humano melhor.
VOCÊ ESTÁ LENDO
WAR com Filipe Ret • By Tory
Fanfiction"Somos reféns da nossa chama, réus do desejo que arde. A ilusão nos acompanha e o fim segue desconhecido. Luxúria ou Trauma? Não se preocupe, sou obstinado e, só pra você lembrar, estou louco para voltar." - Obra ficcional. Nada escrito condiz com a...