P.O.V Bárbara Castro
Hoje completa o terceiro dia da minha mãe comigo. Aos poucos, bem poucos, ela estava se soltando e ficando a vontade. Ela se sentia na obrigação de fazer comida e deixar pronta para sempre que eu chegasse mesmo eu dizendo que não era necessário. A casa estava sempre limpa e organizada, o que me incomoda muito pois parece que ela busca sempre ser útil de alguma forma.
Para tentar nos distrair, assistimos a novela juntas durante a noite, comentamos sobre mas eu simplesmente não consigo me concentrar. Achei que depois que ela viesse pra cá meus problemas acabariam e nós finamente poderíamos viver nossos dias de Glória, mas não. Sua adaptação estava sendo lenta e de alguma forma, me parece que ela sente falta da vida que tinha. O que me mata por dentro. Mas, o que me deixou exatamente pensativa foi ter visto algumas chamadas perdidas dele no celular da minha mãe. Questionei ela da forma mais branda possível mas ela pediu para que eu esquecesse, que não era nada demais.
E agora estou aqui, sentada de frente para a terapeuta por de alguma forma meus problemas se tornaram ainda mais torturantes e a melhor opção foi buscar ajuda e orientação. Meu pés balançam freneticamente, e minhas mãos suadas são limpas no meio moletom a cada 5 minutos, mas a mulher a minha frente parece não se importar. Juliana, a profissional que está me atendendo, faz algumas perguntas básicas antes de começarmos. E então, a pergunta que não quer calar vem logo em seguida, me torturando de todas as formas.
- Me conta Bárbara, o que te trouxe até aqui? - Meu coração acelerou quando ela me olhou dentro dos olhos. Eu sabia a resposta, mas de alguma forma ela simplesmente não conseguia atravessar minha boca.
A expressão calma e paciente de Juliana foi me acalmando aos poucos, ela não me pressionou e nem me perguntou mais de uma vez. Ela apenas aguardou pacientemente eu me sentir confortável o suficiente para conseguir falar, aderindo ao silêncio também. Passo a língua sobre meus lábios ressecados e respiro fundo, juntando toda a força que havia dentro de mim para formular a frase que finalmente iniciaria essa consulta.
- A minha mãe sofre de violência doméstica. - Consegui dizer em alto e bom tom, mas ainda sim fugindo de seu olhar. Fugindo do talvez julgamento que viria ao pensar que eu vivi junto com ela todos esses anos e não consegui fazer nada para ajudá-la.
Encontrei seu olhar acolhedor quando finalmente tive coragem de encara-lá e isso foi o suficiente para que eu conseguisse falar. Retornei ao meu passado rapidamente e contei a ela tudo o que consegui, tudo o que tive forças e quando me dei conta, já estava falando do dia em que finamente consegui sair de casa. Eu não consegui conter as lágrimas, falava em soluço enquanto sentia tudo aquilo queimar dentro de mim. Não sabia que precisava tanto desabafar, até finalmente acontecer.
- Bárbara, isso é muito difícil. Você é uma mulher forte e extremamente corajosa por estar aqui encarando o seu problema e buscando ajuda. - Ela diz com um sorriso carinhoso.
- Obrigada. - É tudo que eu consigo dizer. - Mas não me acho corajosa, demorei muito para conseguir vir até aqui. Filipe tinha razão quando disse que eu fujo dos meus sentimentos. - Disse seu nome pela primeira vez em dias. Eu simplesmente não conseguia encara-lo.
- Quem é o Filipe na sua vida, Bárbara? - Ela me pegou de surpresa.
Respirei fundo e contei toda nossa história desde que nos conhecemos, contei tudo o que aconteceu e finalmente tirei outro peso de mim. Juliana me ouviu atentamente, o que fez com que eu contasse tudo com mais detalhes. Me senti mais motivada a por tudo para fora, e me dei conta de que tudo o que aconteceu entre mim e Filipe era de fato nossa história. Nós vivemos muitos altos e baixos, sem dúvida.
- Entendi. - Juliana anotou e se voltou para mim. - E você gosta do Filipe, Bárbara? - Concordo com a cabeça mais rápido do que eu esperava. - E você se sente pronta para entrar em um relacionamento agora? - Um nó se forma na minha garganta.
- Não. - Digo.
- Você acha que isso pode ser reflexo do exemplo que você teve dentro da sua casa? - Ela pergunta novamente.
- Não, na verdade não sei. - Respiro fundo. - Eu vi tudo acontecer entre meus pais, e... E eu sei identificar traços de um agressor de longe, e é o tipo de coisa que eu me mantenho mais longe possível. Eu só tenho medo de... Eu só tenho vergonha de falar sobre tudo isso com alguém. Ser vulnerável e transparente sobre meus sentimentos pra mim é difícil, eu nunca tive que fazer isso antes. Sempre guardei tudo pra mim. - Minhas palavras atropelaram uma as outras na pressa de falar.
- Entendo. - Juliana diz e anota novamente. - Você concorda comigo que se você gosta e está disposta a futuramente se relacionar com Filipe, você vai precisar trabalhar isso em você? - Concordo com a cabeça. - Isso não é fácil. O que você está enfrentando não é fácil, mas você é forte, e vai conseguir passar por isso. - Ela sorri e faz um movimento acolhedor com as mãos. - Mas Bárbara, você acredita que não encarar o problema, vai de fato fazê-lo sumir? - Nego ainda em silêncio.
Ela se levanta e sorri novamente, caminhando até uma gaveta e retirando algo da mesma. Nesse meio tempo limpo as lágrimas que ainda marcavam meu e observo ela retornar a minha direção, me estendendo um panfleto.
- Aqui diz algumas coisas importantes, te aconselho ler com calma e tomar uma decisão. - Me levanto e pego o mesmo de sua mão. - Lembre-se, você não está sozinha.
- Obrigada Juliana! - Observo o panfleto sobre violência doméstica e formas de denunciá-la e o guardo na minha bolsa.
- Bom, para essa semana eu quero te deixar um pequeno exercício. - Assinto com a cabeça para que ela continue. - Sempre que lidar com algo que mexa com seus sentimentos, fale com você mesma. Se você bater o dedinho na parede e sentir dor, diga a si mesma o que está sentindo. Ok? - A encaro um pouco confusa mas ela apenas sorri.
- Ok! - Digo e então caminho lentamente junto com ela até a porta do consultório.
- Nos vemos semana que vem, Bárbara!
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WAR com Filipe Ret • By Tory
Fanfiction"Somos reféns da nossa chama, réus do desejo que arde. A ilusão nos acompanha e o fim segue desconhecido. Luxúria ou Trauma? Não se preocupe, sou obstinado e, só pra você lembrar, estou louco para voltar." - Obra ficcional. Nada escrito condiz com a...