Entre sonhos e realidade

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Na manhã seguinte, depois de acordar de mais um pesadelo na qual eu não conseguia explicar, decidi ir atrás de Si-a e dizer que estava disposta a aceitar o que ela havia me dito no dia anterior. Eu ainda não estava pronta para aceitar ou vivenciar meu passado novamente, mas estava ficando impossível dormir daquela maneira. Eu tinha que fazer alguma coisa a respeito.

⎯ Eu aceito. ⎯ Eu disse para Si-a quando havia apenas nós duas e Ji-Woo na mesa da cozinha. Os outros de alguma forma tinham sumido, principalmente Cha Eunwoo que nem mesmo apareceu para tomar café.

⎯ Ótimo, querida. ⎯ Respondeu ela contente, enquanto colocava pedaços pequenos de comida no prato de Ji-Woo. ⎯ Eu estava esperando por sua resposta.

⎯ Do que vocês duas estão falando? ⎯ Ji-Woo perguntou. Eu podia sentir que ela não estava se aguentando de curiosidade, mas era uma pena porque eu não estava disposta a compartilhar isso com mais ninguém.

⎯ Isso não é conversa para crianças. ⎯ Si-a repreendeu.

⎯ Crianças são melhores que adultos hoje em dia. Você não sabia? Posso fazer o que quiser e a desculpa vai ser que eu ainda sou apenas uma criança.

⎯ Muito esperta, mocinha. Só que as coisas não funcionam bem assim. ⎯ Si-a se levantou da cadeira remexendo em sua bolsa. Provavelmente checando se não tinha esquecido nada. ⎯ Vamos, Ye-jin!

⎯ Vamos? Vamos aonde? ⎯ Perguntei com a boca cheia, esquecendo completamente a falta de educação.

⎯ Vamos para uma consulta com a especialista. Você me disse que concordava.

Sim. Eu concordava. Só não sabia que seria tão depressa.

Enquanto Si-a dirigia, eu olhei pela janela a viagem inteira sem dizer uma palavra. Estava nervosa a ponto de entrar em colapso, mas tive que me segurar porque eu achava que era assim que uma garota corajosa agiria.

Quando chegamos ao consultório me peguei pensando se deveria desistir, pois as paredes brancas me trouxeram uma sensação ruim que preferi ignorar enquanto estivesse ali. Ainda assim, era impossível não olhar para elas, pois estavam por toda parte.

⎯ Só precisamos esperar aqui, tudo bem? ⎯ Si-a me encarou sem piscar, tentando me tranquilizar. Não deixei que ela soubesse que não estava funcionando.

⎯ Tudo bem. ⎯ Respondi baixinho e verifiquei as horas no celular. Passavam tão devagar que me perguntei se não estava em um sonho novamente, embora isso não fosse possível já que lembrava ter acordado naquela manhã.

⎯ Que lugarzinho chato! ⎯ Ji-Woo resmugou.

⎯ Eu disse que você deveria ter ficado com Kevin. Por que não me ouviu? ⎯ Si-a perguntou um pouco mais ríspida.

⎯ A viagem pareceu mais interessante. ⎯ Ji-Woo suspirou enquanto olhava para as paredes brancas assim como eu. ⎯ Além disso, Kevin está sempre ocupado.

⎯ Acho que não vai demorar muito, Ji-Woo. ⎯ Eu disse para ela. ⎯ Logo estaremos de volta em cas...

⎯ Você é a Ye-Jin? ⎯ Um mulher alta, com uma prancheta na mão veio até nós.

⎯ Sim?

⎯ É a sua vez. ⎯ Levantei imediatamente e Si-a fez o mesmo. ⎯ Me acompanhem!

Descobri um pouco antes de entrar no consultório que Si-a era amiga da mulher que iria me ajudar. Isso me tranquilizou de uma forma inexplicável, mas ainda assim o nervosismo não foi embora completamente.

⎯ Você pode entrar. ⎯ A outra mulher que nos acompanhou até a frente da sala disse.

⎯ Ye-Jin, não vou poder entrar junto com você. ⎯ Si-a explicou me pegando desprevenida. Minha mão já estava tocando a maçaneta para abrir a porta, mas depois daquilo eu murchei novamente. ⎯ Por favor, não se preocupe. Ela fará um trabalho incrível e você se sentirá melhor. Eu prometo.

Assenti lentamente concordando com Si-a e entrei na sala sozinha já que não me restava outra escolha.

⎯ Oi. ⎯ Eu disse para a mulher sentada à mesa na minha frente. Ela estava com muitos papéis na mesa, mas ao invés de olhar para eles, ela olhava para mim sorridente.

⎯ Oi... Ye-Jin, certo?

⎯ Sim. ⎯ Sorri também, um pouco mais calma. Pessoas que demonstravam segurança me deixavam tranquila e eu sabia que isso não acontecia da minha parte já que eu mostrava bastante insegurança.

⎯ Eu me chamo Eui-Ju. ⎯ Ela fez um gesto para que eu me sentasse. ⎯ É um prazer conhecê-la.

Fiquei em silêncio, pois não sabia o que dizer depois daquilo, mas Eui-Ju era uma especialista e sabia como continuar a conversa.

⎯ Para começar, eu preciso conhecê-la melhor. ⎯ Eui-Ju pegou uma outra cadeira e a colocou próxima a minha. ⎯ Se importaria de me contar mais sobre você?

Embora parecesse uma pergunta fácil, não chegava nem perto disso. E para não deixá-la esperando uma resposta, perguntei:

⎯ Pode me dar um exemplo?

⎯ Pode começar dizendo onde nasceu ou quem é sua família. ⎯ Ela explicou.

⎯ Bem... eu não tinha uma família antes de Jin-ah me adotar. Eu também não sei onde nasci e nem quem são meus pais biológicos. Eu só lembro de estar no orfanato. Sempre. ⎯ Contei. ⎯ Me desculpe, não lembro de muita coisa.

⎯ Isso não é um problema. Me conte apenas o que lembrar. ⎯ Eui-Ju pegou uma caneta e começou a anotar alguma coisa em um pequeno caderno e entendi que eu deveria continuar falando.

⎯ Hoje, me sinto ótima onde estou morando. Jin-ah me deu uma família extremamente acolhedora. Não tenho do que reclamar.

"Eu nunca imaginei que queria ser adotada até ser adotada"

⎯ Ótimo. ⎯ Eui-Ju assentiu como se realmente estivesse compreendendo tudo que eu falava. ⎯ Então... agora pode me dizer o que está incomodando?

⎯ Tenho sonhos quase todos os dias. Eles me deixam com falta de ar e nunca consigo voltar a dormir. ⎯ Só de lembrar os episódios fez meu estômago embrulhar. ⎯ Eles parecem muito reais, mas não consigo lembrar de ter realmente vivido essas coisas.

⎯ Posso ajudar você a se lembrar. Isso é uma decisão sua, é claro. ⎯ Eui-Ju parecia tão tranquila mesmo depois de eu ter contado minha história. Presumi que deveria ser assim mesmo. Muitas pessoas já estiveram no mesmo lugar que eu, contando uma história para ser ouvida por ela. ⎯ Você me disse que Jin-ah lhe deu uma família, certo? ⎯ Assenti e ela continuou. ⎯ Isso significa que as pessoas que viviam com você no orfanato não eram sua família?

⎯ Não tínhamos uma boa relação. Eu era a mais velhas e as outras eram apenas crianças.

⎯ Há alguém que sabe quando você chegou no orfanato? ⎯ Ela perguntou. ⎯ Alguém que sabe quem trouxe você?

Havia uma única pessoa...

⎯ Pelo que eu saiba, fui para o orfanato quando era um bebê. ⎯ Complementei meio sem graça. ⎯ Em uma cestinha. ⎯ Eui-Ju levantou a cabeça para me encarar e deve ter enxergado minha expressão de desconforto ao dizer que fui abandonada. ⎯ Há alguém que sabe exatamente o que aconteceu naquele dia.

Sra. Choi era esse alguém.

JUVENTUDE: Algum Lugar Que Só Nós ConhecemosOnde histórias criam vida. Descubra agora