Algo Nele

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Março já ia se esgotando e eles, jovens adultos que buscavam se encontrar, nem notaram o mês passar tão rapidamente. Entre estudos e trabalho, a única coisa certa para Ross, Rocky, Maia, Raini, Vanessa, Laura e Ryan era o café da manhã na casa de Laura e as sextas-feiras de pizza, que foi movida e agora acontecia na cobertura de Vanessa.

— Laura, aquilo que eles falaram na reunião vai mesmo acontecer?

Raini perguntou a amiga após duas horas de conversas com toda equipe de trabalho.

— Qual tópico?

Ela desceu as escadas já avistando um certo loiro atravessando a rua de mãos dadas com a criança de  cabelos castanhos.

— Transformar a livraria em um serviço online. Você acha que isso vai dar certo?

Trabalhar em uma Livraria em tempos que se podia ter livros na palma das mãos era arriscado e eles sabiam disso. Contudo, trabalhar um sem a presença do outro era mais perigoso ainda.

— Pode dar muito certo como pode dar muito errado. Acho que vale a pena arriscar.

A gerente opinou ainda prestando atenção no garoto do outro lado da rua.

Ross estava limpando o óculos da criança com tanto cuidado que era irritante para pessoas a sua volta.

— Você e a palavra arriscar na mesma frase, acho que não entendendo mais o mundo.

Ryan comentou, mas Laura estava concentrada observando Ross. Ele pôs as lentes contra o sol para ver com total clareza as possíveis manchas no óculos. Quando fez isso, seus olhos também ficaram sob o sol fraco da manhã e ela viu algo que acontecia raramente, os olhos castanhos dele ficaram mais claros, quase que verdes, graças a claridade.

— Efeito Ross?

Maia perguntou aos amigos ao observarem a amiga parada no meio das escadas.

— Com certeza.

Eles passaram deixando ela no meio da escadaria.

— Isso é maluco, ela sabe disso?

Raini comentou

— Vocês sabiam que hoje é 31 de março?

Maia olhou para o calendário em cima da mesa. Ela não via aquelas folhas há tempos. Era a primeira vez em semanas que ela via o pequeno caderno com folha dos meses. Não era culpa dela ou de qualquer um deles, a vida estava muito agitada.

— Impossível, o último dia que me lembro é 12. Ninguém passa do dia 12 para 31 do nada.

Ryan riu achando ser impossível ter passado tanto tempo.

— Sim, por isso se passou duas semanas.

Maia falou.

— Bom dia. — Ross entrou no estabelecimento com seu belo e cansado sorriso de sempre. — Como vocês estão?

Nas últimas semanas ele se concentrou totalmente em cuidar de Riley e de seu novo trabalho. Estás foram suas únicas prioridades.

Inda passava tempo com o grupo, mas estava sempre afastado de Laura.

— Chocados, como se passou tanto tempo? O que eu fiz em todo esse tempo ?

Ryan pegou o calendário e ficou analisando.

— Algumas coisas entre dormir e trabalhar.

Maia falou rindo do amigo.

— Tia Raini, posso comer um biscoito ou qualquer coisa doce?

Riley não querendo participar da conversa deles foi até a tia.

— Não, você não pode. — Laura desceu as escadas rapidamente. — O que você está fazendo aqui? Faltam mais três horários para o final da sua aula.

— Você esqueceu de entregar meu livro do último horário.

Riley lembrou deixando Laura espantada. Passando o dia na sua cabeça ela realmente não entregou o objeto.

— Ela pediu para professora me ligar e eu trouxe ela aqui.

Ross completou a fala da filha. As professoras o amavam.

— Caramba! Desculpa Girafinha, vou buscar para você.

Laura beijou o topo da cabeça dela chateada consigo mesma por ter esquecido isso.

— Laura e esquecimento na mesma sentença. Em que mundo paralelo estamos vivendo?

Maia olhou para Raini preocupada.

— Acho que sei o que está acontecendo. — Raini avisou rindo e olhando para a razão da confusão mental de Laura parada no meio da Livraria com as mãos nos bolsos e cantarolando baixo alguma música. — Eu já volto. — Foi atrás da amiga, que provavelmente estava procurando o pertence da filha.  — O livro está dentro da bolsa.

— O que? — Assustou com a presença de Raini, mas ouviu o conselho dela. — Obrigada.

— Laura, espera. — Raini colocou a mão no batente da porta impedindo ela de sair. — Quer conversar?

— Por que? O que aconteceu?

— Laura,  vou ser direta, porque você sabe que sou assim.— Cruzou os braços e ficou de frente a ela. — Você está com saudade de Ross.

— Eu o que? — Segurou a risada nervosa e desistiu de passar por ela. — Como sentir saudade dele, se o vejo o tempo todo. Ele é pai da minha filha, esqueceu?

—  Não, eu não esqueci, mas agora você só vê ele, sem conversas, beijos ou amassos. Ele é como seu colega.

Raini disse muito segura do que dizia e após o silêncio de Laura, soube com certeza que tinha razão.

— Por que acha isso?

Não estava dizendo que era verdade o que Raini supôs, apenas deixando ela explanar seu pensamento.

— Você está dizendo coisas que geralmente não concorda e é contra, esquecendo coisas que geralmente não esquece nunca e nessas últimas semanas você trabalhou em escala industrial sozinha. — Raini contou o que já estava notando há tempos, mas não tinha dito ainda. —  Eu sei que você ama esse trabalho, mas te conheço bem o suficiente pra saber quando está fugindo de algo. 

— Por que você tem que me conhecer tão bem? — Laura sentou-se no chão e descansou as costas no armário. — Eu gosto do Ross e sinto que cometi um erro não conversando com ele. Aquela menina era mesmo só uma colega de trabalho.

— Precisam conversar, esclarecer as coisas entre vocês.

Raini aconselhou pegando na mão dela.

— E sabe o mais irritante disso tudo? Eu realmente sinto falta dele, não tanto das conversas e risadas, mas do corpo dele.

Ela assumiu isso escondendo o rosto.

— O que?

Raini segurou a risada ao ver a cara dela. 

— Eu sei, é estranho para mim, se fosse Maia falando, seria ok, mas eu? Sempre me achei no controle do meu corpo. Mas, todas as vezes que eu vejo ele na minha frente,  lembro daquela noite e do corpo dele, braços e a boca dele.

As caras e bocas que Laura fazia ao falar disso era impagável. Era como se fosse teletrasportada para aquele momento.

— Ok, entendi.

— Está vendo? Eu preciso evitá-lo.

Laura jogou a cabeça batendo ela no armário.

— Você gosta dele.

Raini olhou nos olhos da amiga  vendo que isso era um fato. Ela gostava de Ross de uma maneira totalmente romântica.

— Eu sei. — Ele grunhiu de raiva. —  Mas, ao mesmo tempo quero apertar aquele pescoço. — Ela gesticulou como se ele estivesse bem ali na sua frente. — Somos tão complicados, mas damos tão certo, sexualmente falando.

— Acho que nunca vi você falando assim de alguém, nem David.

— Pois é, entende a gravidade? Preciso ficar longe dele.

— Bom, odeio ser eu a dar essa notícia, mas você meio que teve uma filha com ele, evitá-lo pode ser difícil. — Raini avisou rindo e levando ela a rir também. — Escuta, não estou dizendo que acho Ross menos complicado do que você ou a relação de vocês, mas me parece que está dificultando demais. Por que simplesmente não esquecem essa noite e voltam a amizade de antes? Está triste ver ele e você desse jeito. Querem conversar e não fazem isso. 

— Parece ser um bom plano. Obrigada.

Elas se abraçaram e Laura voltou para a frente da livraria certa do plano da amiga. Bastava esquecer os últimos acontecimentos e voltar a amizade de antes. Fácil. Ela pensou dessa forma.

Contudo, assim que passou pela porta do cômodo que estavam e voltou para a parte central da Livraria viu Ross rindo de alguma coisa e quando ela ouviu o barulho da risada sem graça dele parou, não ficou estagnada, por ouvir a risada em si, mas por saber que aquele som que durou menos de cinco segundos não era de algo que achou totalmente engraçado, apenas parcialmente. O som que ele emitia quando achava algo realmente muito engraçado era outro, sem perceber ele batia na sua coxa e caia para o lado. Sempre.

Quando se deu conta que sabia disso, Laura parou e quis voltar para trás, porém insistiu por alguns passos. O que fez Laura  realmente retroceder e entregar o livro para Raini, foi quando Ross a olhou. Aquela rápida troca de olhares que durou menos de cinco segundos.

— Você entrega.

Laura colocou o livro da filha nas mãos da amiga e voltou para a sala de antes. Que ela, ele, eles fossem complicados, realmente era assim, entretanto a ligação e o desejo um pelo outro era simples e os sinais que seu corpo dava para ela eram bastantes claros. Não poderia esquecer Ross.

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— O que aconteceu com você?

Maia entrou no apartamento de Laura horas depois.

— Como assim?

Laura estava com sua confortável calça de pijama, um top e um grande balde de pipoca doce.

— Laura, seu turno termina às 18:00 horas e agora é 15:00 horas. O que aconteceu? Você está de pijama e de top, por quê?

Maia questionou ainda muito confusa e preocupada.

Laura deixou a Livraria minutos depois de Ross sair. Ela precisava de um banho gelado, comer algo muito doce e vinho, uma taça de vinho ajudaria muito também.

— Minha blusa de pijama está sujo e eu não faço ideia onde está a parte debaixo desse top.

Ela respondeu se jogando no sofá.

— Não lavou roupa essa semana? Você não está bem, eu sinto isso. O que está acontecendo?

Maia olhou para a garrafa na mesa de centro e fez rápidos cálculos. Ela provavelmente tinha tomado meia garrafa.

— Eu quero transar. — Laura admitiu. — Sabe quanto tempo faz que eu não faço sexo? Vou te dizer, quinze dias. Não é muito tempo, certo?

— Você está bêbada? Legal. Isso é ótimo. Você não vai voltar para o trabalho.

Maia pegou o celular e avisou os seus amigos.

— Talvez para você ou Vanessa isso seja muito tempo, mas não para mim, porque já passei muito tempo sem isso, sexo. — Laura sentou-se no sofá e encheu a boca de pipoca. — Quando estive grávida da Emma, Riley e outros grandes períodos fiquei sem transar, mas por que então eu pareço um animal agora?

— Eu de verdade não sei. Você sempre me pareceu bem. Poucas vezes na vida te vi reclamando por não transar.

Maia sabia que conversar com uma Laura bêbada era algo inútil, mas  não voltaria para o trabalho naquele momento mesmo.

— Exatamente. Sabe o que eu não posso viver sem? Bacon. Eu amo bacon. Ovos, eu gosto, mas bacon, eu amo. Sabe do que mas eu gosto?

Ver Laura conversar ainda mastigando era uma visão para poucos.

— Não faço ideia.

Maia estava rindo dela como não fazia há muito tempo.

— Ross. Eu gosto dele e da boca dele e de como ele sabe onde colocar aquela boca.

— Isso é muita informação Laura.

Maia avisou se levantando e querendo calar a amiga.  

— Eu não quero transar com qualquer pessoa, quero transar com Ross.

— Você pode fazer isso, tenho certeza que ele não iria se opor.

— Mas, para fazer isso eu tenho que admitir que ele é o único para mim e que acredito nele.

— Por que não assumi isso? Acabou de admitir que quer ficar com ele.

Maia depois de tantos anos de amizade percebeu algo, Laura bêbada assumia as coisas muito mais rápido.

— Porque não é simples assim. Nada com a gente é. Você sabia que ele fica muito mais bonito com o cabelo bagunçado? Odeio quando ele tenta arrumar e passa gel naquilo.

— Você está se apaixonado Laura.

Maia assegurou, mas sabia que a amiga nem estava a ouvindo.

— Ele fica com as mãos no bolso quando está tímido, o que acho muito fofo. — Ela contou rindo. — Quando ele está cansado coloca a mão no pescoço e tenta abafar o bocejo.

— O que mais?

Ainda que Laura não tivesse a escutando, queria deixar a amiga divagar suas ideias, mesmo que estivesse bêbada.

— O olho dele ficar mais claro quando está no sol e ele falou que nunca cantou Something para nenhuma mulher, eu achei que era brincadeira, mas já o escutei cantar todas as músicas dos Beatles e Something nunca foi uma delas.

— Sério?

Pelo que Laura falava, ele também era apaixonado.

— Sim. Ele sente cócegas na barriga e é engraçado como ele se contorce quando minha unha passa no abdômen dele. Eu gosto quando ele olha pra mim e como ele beija meu pescoço e depois aquele beijo desce e...

— Entendi. Já entendi muito bem. Você precisa tomar banho e depois conversar com Ross.


Maia tentou levantar ela, mas agora ela parecia muito mais pesada 

— Maia, não conta para ele, mas Ross é o meu Something

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