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17 de julho de 1986

- Onde você pensa que vai?

Escutei a voz do meu pai corroendo pelos meus ouvidos. Me virei devagar para ele e o vi me olhando com uma expressão brava. Ele segurava um cigarro entre os dedos enquanto se apoiava na mesa.

- Me senti melhor, estava indo para a escola. - Inventei uma desculpa.

- Você é uma péssima mentirosa. Achou que não tinha ninguém em casa? Eu não deixaria você sozinha.

- Me desculpa pai, eu juro que eu iria voltar logo. - Disse em desespero.

Ele veio em minha direção e me deu um tapa estalado. As lágrimas já escorriam pelo meu rosto. Eu murmurava "desculpa" várias vezes, ainda sentindo o peso de sua mão.

- Chega! Não quero ouvir mais desculpas nem mentiras suas. Você anda cada vez mais difícil de lidar. Quem você ia ver, hein? Seu namoradinho? - Gritou.

- Não, pai. Eu te juro! Me desculpa.

- Com quem então?

- Com ninguém!

Mais um tapa foi dado, mais lágrimas escorriam, mais desculpas foram ditas, mais gritos foram dados.

- Não seja tão cínica. Vá para seu quarto. Se não vai me contar nada, eu descubro sozinho.

Ele soltou o cigarro, pegou seu casaco e saiu pela porta da frente. As lágrimas escorriam muito rápido e eu não conseguia segurar os soluços.

Papai era louco. Ele faria qualquer coisa pra descobrir o que eu iria fazer. Qualquer coisa. E eu não podia fazer nada pra impedir ele. Então, subi as escadas e fui até meu quarto, onde me tranquei e chorei mais nos meus lençóis.

Até que senti cheiro de fumaça. Não me importei muito por achar que era mamãe que tinha queimado algum bolo ou algo assim.

Mamãe estava acostumada a ouvir as brigas entre meu pai e eu e meu irmão. Por isso, nem tentava mais entrar no meio ou perguntar se estava tudo bem. Eu odiava isso.

Ouvi um grito vindo do quarto dela. Rapidamente, me levantei e tentei ir até lá, mas a porta não estava abrindo. O que estava acontecendo?

Notei que o cheiro de fumaça estava ficando cada vez mais forte. Olhei por baixo da porta e vi fogo. Merda.

- Mãe? - Gritei. - Mãe! A senhora, está bem?

Gritos desperdiçados. Ninguém me respondeu. A fumaça entrava no meu quarto cada vez mais e eu me afogava nela.

Entrei no banheiro do meu quarto, procurando algo pra me ajudar. Encontrei um pano de limpeza e o molhei, colocando entre a boca e o nariz, para abafar a fumaça.

Logo, vi a porta caindo. O fogo havia dominado ela e já percorria dentro do meu quarto.

Antes que pudesse se alastrar, saí do quarto correndo, tentando achar um jeito de sair dali o mais rápido possível. Havia fogo por todo lado e as escadas já não eram uma opção.

O ar estava quente e cada vez mais difícil de ser encontrado. Sem pensar muito, pulei do 2⁰ andar da casa. Eu não podia morrer agora, nem desistir de tentar encontrar uma saída.

- Alysson! - Mamãe gritou.

Acordei me levantando da cama de imediato. Eu tentava encontrar o ar, da mesma forma que tentava no dia do incêndio. Tinha sido só uma lembrança.

- Aly, está tudo bem? - Perguntou Eddie preocupado.

Logo, me lembrei que ele tinha dormido aqui ontem. Olhei para a janela e ainda estava escuro. O garoto se levantou da cama também, me abraçando fortemente.

- Eddie. - O chamei com desespero.

- Oi, oi. Eu tô aqui, tá bom? Está tudo bem. Foi só um pesadelo, eu tô aqui contigo.

Eu chorava em seu peito, sem conseguir me soltar dele. Meus soluços eram tão altos que acordaram Steve. Que rapidamente, veio até meu quarto preocupado.

- O que aconteceu?

- Eu não sei. Ela acordou assim. - Respondeu Eddie.

- Ei, Aly. A gente tá aqui com você. Se acalma, por favor.

Eddie se soltou do abraço e me colocou sentada na cama. O garoto foi até a cozinha, voltando com um copo d'água.

Eu tentava raciocinar tudo o que tinha acontecido. Agora, as memórias estavam claras pelo meu cérebro. Eu me lembrava de tudo.

No meu sonho, ninguém estava em casa, então eu saí. Na vida real, eu achei que ninguém estava em casa e tentei sair.

- Ele está vivo. - Susurrei.

- O que? Quem está vivo, Aly? - Perguntou Steve.

- O papai. Não estava em casa no dia do incêndio.

Os dois garotos se olharam assustados. Meu rosto estava todo molhado de lágrimas e suor. Alguns fios de cabelo pregavam nele, mas logo, Eddie os colocou para trás.

- Aly, agora são 04:25 da manhã. Acha que consegue dormir? - Perguntou Steve.

Balancei a cabeça em negação, enquanto olhava para o chão. Eu definitivamente, não conseguiria. Tudo aquilo veio à tona muito rápido.

Eu não sabia o que fazer. Papai estava vivo. Então tudo o que os policias achavam que sabiam, era mentira. E ele estava à solta por aí em algum lugar. Só esperando algo, pra voltar para nossas vidas e fazê -las um inferno de novo.

Eu não podia lidar com isso. Minha cabeça estava a mil. Eddie e Steve tentavam a todo custo me ajudar a acalmar, mas nada dava certo.

Consegui cochilar por alguns minutos no ombro de Eddie, mas sempre sonhava com aquele dia, de novo e de novo. Eu acordava mais assustada a cada cochilo, então resolvi não tentar mais.

Eddie e Steve também só tinham conseguido cochilar. Eu me sentia mal por isso. Por incomodar eles com isso. A sensação era horrível.

O despertador tocou, eu me levantei parecendo um panda com tantas olheiras. Meus olhos estavam pesados e vermelhos de tanto chorar.

Steve disse que me levaria no psicólogo ainda hoje, e me proibiu de ir na escola. Eddie concordou com isso, então eu não tinha muito a fazer.

Eddie não saiu do meu lado nem por um segundo. Ele estava sempre perguntando se eu estava bem, sussurrando coisas como "vai dar tudo certo" e segurando minha mão a todo instante.

Eu era muito grata a ele por isso. Provavelmente teria perdido a cabeça sem ele comigo, do meu lado.

Eu estava em busca de respostas e consegui isso. Só não sei se, agora, eu queria tanto elas como eu pensava.

me and your mamaOnde histórias criam vida. Descubra agora