Capítulo Trinta e Oito

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Olhei a paisagem do lado de fora do carro e respirei fundo.

Eu queria evitar esse dia.

Parece estranho, deveria ser a primeira coisa que eu buscaria fazer quando voltasse.

Mas cá estou eu, com medo de enfrentar a realidade dolorida de minha vida.

A caminho do cemitério onde o primeiro amor da minha vida estava, minha vó foi meu primeiro amor por assim dizer, não amor romântico, amor de vida, um amor inacabável em meu peito.

Não quero nem dizer amor pelas obrigações, noites mal dormidas, idas ao hospital, deveres que quebrou a cabeça me ajudando, quero dizer amor pela dedicação, pelo carinho, pela importância, pelos conselhos, pelo olhar caloroso, pelas palavras carregadas de amor, por fazer algo que não era sua responsabilidade se tornar seu propósito.

Minha vó me moldou, fez meu caráter, me ensinou, educou, criou.

Mil vezes eu falei, mil vezes eu repetiria.

Não havia dor maior que perder um familiar, e eu perdi todos...

Minha mãe morreu em meu parto, meu pai morreu em uma emboscada, minha vó morreu em um tiroteio.

Não tinha mais ninguém, mais ninguém que pudesse chamar de meu.

Mas no fundo... Na verdade bem no raso, eu sabia que era um grande mentira.

De mim não viria mais uma grande família, mas eu estava construindo uma.

"Ah, mas família é aquela que se nasce"

Não.

Família é aquela que se ama, que se faz questão, é quem você pode contar quando precisa, é pra quem você conta uma novidade, um momento feliz de sua vida.

A família que eu nasci toda estava abaixo da terra, num lugar reservado no céu e em meu coração eternamente, mas a família que eu iria criar, que estava moldando sempre estaria ali ao meu lado, não literalmente sempre, claro, mas naquele momento que eu precisava, eles estavam ao meu lado, aquele momento parcialmente feliz de minha vidas eles estavam ao meu lado, àquele instante que eu mais precisei, eu pude contar com eles.

Eu os amava e tenho certeza que minha vó, meu pai e minha mãe estavam contentes lá em cima pelo caminho que eu estava tomando.

- Chegamos ao destino senhora. - Avisou o motorista. Sorri em resposta e comecei a me aprontar para sair.

- Obrigada. - peguei a bolsa lilás e coloquei em meu ombro, sai do carro e fechei a porta.

Fiquei uns segundos observando o carro até virar a esquina, protelando até quando pude meu próximo passo.

Inspirei fundo e ajeitei Milena em meu colo.

- Vamos meu amor? - perguntei retoricamente para neném em meus braços. Ela gemeu e se remexeu e agarrou a barra de minha blusa com as mãozinhas pequenas, sorri com aquela mania fofa e respirei fundo outra vez. - Vamos.

Virei-me para entrada do cemitério e encarei as altas e enferrujadas grades do portão, estava entre aberta e vinha um grupo de pessoas lá de dentro para saída.

Caminhei em passos lentos e adentrei o lugar, o ambiente era ao mesmo tempo melancólico e amedrontador, a casinha pequena da guarita estava fechada com dois homens lá dentro, o grupo de pessoas passou ao meu lado e alguns sorriram e assentiram para mim, num cumprimento singelo.

- Boa tarde moça, posso ajudar? - O guardinha chamou minha atenção e me virei para o mesmo.

- Claro, eu procuro um... É... - Me atrapalhei nas palavras.

Como devo chamar o lugar que minha vó foi enterrada? – Pensei, nevosa.

A situação séria cômica se não fosse verdade, respirei fundo sentindo o ar me faltar e meu coração acelerar.

– Senhora, só me diga o nome e eu a guio. - Ele disse calmamente, talvez percebendo meu nervosismo.

- É... Lucia. - molhei os lábios apreensiva. - Lucia Santana Gonçalves.

- Irei procurar no banco de dados, espere um minuto. - Assenti e ele  se virou entrando novamente na casinha.

Enquanto ele mexia no computador teclando qualquer coisa, eu respirava, incontáveis vezes inspirei e expirei, sentindo ansiedade e apreensão a cada segundo que se passava, meu peito subia e descia e aos poucos meu coração se acelerava mais e mais, o que eu estava fazendo? Quem eu queria enganar? Aquilo iria doer tanto que poderia comparar a uma facada em meu peito, eu não estava bem, não estava feliz, não estava seguindo minha vida, estava me enganando, me iludindo com uma felicidade que ainda não sentia, não totalmente pelo menos...

- Vamos?

- Claro.

Caminhei atrás dele por longos minutos, o lugar parecia nunca chegar, ele se guiava por um papel escrito números que eu não entendia, Mili dormia calmamente em meu colo enquanto eu sentia que iria vomitar a qualquer segundo.

O coração martelando em meu ouvido, o nó em minha garganta me deixando ansiosa e agoniada.

- Aqui. - Ele parou há alguns centímetros do túmulo.

- Será que... Você poderia...

- Claro, se não se lembrar do caminho de volta, daqui a meia hora volto pra conferir. - Garantiu e então foi embora.

Eu fiquei cerca de cinco minutos olhando ele ir embora e depois o nada, não tive coragem de me virar, me senti sem chão, sem rumo, sem iniciativa.

Olhava para os lados respirando pesado e tremendo de leve. Milena se remexeu e então abaixei meu olhar.

Ela estava acordada, me encarando tão fixamente que quase pensei que ela entendia e sentia minha frustração, ela agarrou a barra de minha blusa como de costume e fez um barulho com a voz, tipo um gemido feliz, foi impossível não relaxar e sorrir com aquele ato, ela foi minha calmaria àquele instante, afaguei ela em meus braços e  finalmente me virei.

Caminhei em passos lentos até seu túmulo, era simples, havia flores muchas e quase murchas, me agachei e me sentei sobre a pedra.

- Oi vovó...

Instantaneamente senti uma pontada em meu peito, como doía imagina-la ali embaixo.

- Estou com tantas saudades. - Funguei. - Queria você aqui, queria sentir seu abraço, seu cheirinho de camomila, queria ver você, conversar, ouvir-la, ai vó... - Inspirei forte, senti as lágrimas descerem pelo meu rosto, senti o nó em minha garganta doer, senti minhas mãos tremerem...

- Dói. Dói tanto vovó. Eu tô tentando, tô tentando ficar bem e seguir em frente... Mas... - Então desabei, chorava de tremer os lábios, de sentir meus olhos e bochechas encharcadas, doía tanto aquele sentimento, aquele momento, eu a queria.

- Eu... Eu passei por tanta coisa vó, sofri tanto naquele lugar, foram meus piores momentos na vida e eu só queria seu abraço, só queria ouvi sua voz dizendo que tudo iria ficar bem. - Respirei fundo tentando me recompor. - Mas...- Limpei o nariz com a toalhinha. -  Coisas boas também aconteceram comigo, vó. Eu sou mamãe agora, sabia? Bom é uma longa história, com um começo triste... Mas eu fiz uma promessa vó, e vou honrar minha palavra, vou me dedicar a essa menininha linda como nunca fiz em minha vida. Eu mal a conheço mas já a amo imensamente. Ela amaria tanto a senhora, e você a ela...

Chorei por pelo menos quinze minutos a fio, desabei por completo, derramei todo meu luto e tristeza que me privei antes, chorei de doer, chorei de soluçar, de minha garganta implorar por um segundo de calma pra eu poder respirar bem, chorei, eu chorei vovó, eu sofri e senti, com todo meu corpo e minha alma, eu fui partida em pedacinhos aquela semana, aquele lugar me machucou imensamente, mas eu me reergueria, voltaria a ser feliz, a ser aquela menina sorridente e amável que eu era.

- Você sempre estará comigo vovó, independente de tudo, sempre estará em meu coração. - Solucei de dor.

- Para sempre ao meu lado...

Amor De Bandido - Livro I | TrilogiaOnde histórias criam vida. Descubra agora