1. Chuva

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CHARLIE DETESTAVA A RÁDIO SILÊNCIO.

     A Rádio Silêncio nada mais era do que a rede de notícias do colégio Truham, comandada por um grupo de alunos insuportáveis da turma superior; eram quatro alunos no total, mas somente dois deles apresentavam o programa, e o resto apenas usava a rádio para escapar das aulas e jogar conversa fora. As manhãs no Truham nunca foram tão irritantes — renderam ao Tao enormes enxaquecas por causa das constantes reviradas de olho e das vezes em que franziu o cenho com muita força.

     Durante muito tempo, depois de terem espalhado que Charles Spring é gay, os integrantes da Rádio Silêncio caçoavam do garoto ao vivo utilizando codinomes e enigmas, mas pararam quando o Sr. Ajayi — o professor de artes que ajudara Charlie com toda a questão do bullying — descobriu todo o esquema.

     No começo dessa semana, o pobre Charlie foi cansado para a escola. Quando entrou no prédio principal da escola, cerrou os olhos e torceu para não ouvir aquela mesma ladainha (palavra que aqui significa "conversa recheada de masculinidade tóxica" de sempre), mas se decepcionou ao ouvir as vozes dos locutores. Desta vez, havia mais um aluno falando: o próprio Harry Greene, se gabando pelo seu aniversário durante o feriado de Saint George's Day. E é claro que comentariam sobre o que aconteceu entre Nick e Harry.

     Mas, para a sua surpresa, não o fizeram. Ao invés disso, brincaram novamente com o fato de que Charlie agora fazia parte do time de Rúgbi. Tao aproximou-se de Charlie, pousou sua mão no ombro do amigo e disse, calmamente: — Ignore-os.

     Charlie assentiu: — Mais um dia.

     — Mais um dia...

     — Como está a Elle? — perguntou. Não recebera notícias da amiga desde o feriado, quando a garota fora impedida de sair de casa a pedido de seus pais, então começara a se preocupar. Tao balançou a cabeça positivamente, e silenciosamente, o que aqui significa "ela está bem, apesar de tudo".

     — Não se preocupe — disse, enfim — Elle está bem. Ela e os pais tiveram uma... uma conversa séria sobre o que descobrimos.

     — Os documentos em latim — lembrou Charlie.

     — Exato. Mas... — Tao hesitou — Escuta, Charlie. Sinto muito pelo o que aconteceu com o Nick — ele disse, parecendo chateado consigo mesmo.

     Charlie deu de ombros: — Foi um plano estúpido. Foi muito estúpido achar que o Nick mataria um lobisomem. Ele parecia... parecia estar sob o controle daquela coisa. Não estávamos preparados.

     Tao fez um gesto de concordância com a cabeça. Caminhando pelos corredores, encontraram-se com Isaac e seguiram para a primeira aula. Charlie sabia que aquele não seria um bom dia, entretanto, o que o garoto sabia era que, apesar do plano não ter dado certo, Nick estava bem.

     Durante toda a aula de história, lembrou-se do que aconteceu após a emboscada dos caçadores; não vira os pais dele Elle, então correu o mais rápido que pôde na direção contrária aos caçadores armados, fugindo das pessoas que o conheciam (principalmente o Harry Greene).

     Charlie lembra de ter corrido o mais rápido que as suas pernas permitiam, sem olhar para trás. Abandonou o parque e deixou as luzes, os brinquedos, o bosque e Nick para trás. Também lembra de não ter acreditado que Ben era um deles; Ben fora mordido por um lobisomem, assim como Nick, e isso tornava a sua situação ainda mais séria. O garoto quis gritar para toda a vizinhança ouvir, mas não o fez.

     O choro preso em sua garganta.

     Ele havia beijado Nick Nelson. Estava genuinamente apaixonado pelo amigo, e agora estava sozinho, com medo, fugindo das gotículas de água que caíam lentamente, e com frio. Verificou o celular mais uma vez e percebeu que correra durante uns vinte minutos, o coração quase saltando pela boca, e não recebera uma mensagem sequer dos amigos. Quando se deu conta, já atravessava a porta de casa, chorando.

     — Filho — a primeira pessoa que o abraçou fora o seu pai, preocupado — O que houve?

     Nenhuma resposta. Apenas uma dor incessante. Havia perdido Nick para a escuridão. E nada mais importava.

     No dia seguinte, amanhecera chovendo. Era uma chuva forte. Charlie não dormiu; não conseguiu pregar os olhos por mais de trinta minutos, pois sempre acordava, esperando por mais mensagens dos amigos, ou de Nick — até mesmo do idiota do Ben —, mas não recebera mensagem alguma até o almoço.

     Quando levantou, ainda morrendo de sono, ouviu a mãe e a irmã conversando no andar inferior. Não estava com muita fome, então foi ao banheiro lavar o rosto e escovar os dentes.

     Tori apareceu na porta do banheiro, onde teve um vislumbre da dimensão da depressão de Charlie, de braços cruzados. Com um leve aceno da cabeça, e a encostando na porta, ela pergunta: — Como estás?

     — Bem — Charlie não se demorou — Tudo bem.

     Ela sabia que o irmão mais novo mentia, mas não discutiu. Gostava de quando o garoto era sincero durante suas conversas; Tori entendeu que a situação era diferente, e que Charlie estava preocupado com Nick.

     De repente, a campainha toca. A mãe dos meninos pede ao Charlie que verifique quem é. O garoto obedeceu, ultrapassando Tori. Lá embaixo, para a sua surpresa, descobriu que era Nick quem estava esperando, todo encharcado.

     — Oi — disse o garoto.

     — Oi — Charlie o puxou para dentro, quase sem perceber. Os dois garotos se entreolharam, Charlie ainda boquiaberto. Largou a maçaneta da porta e agarrou Nick pelo pescoço, abraçando-o.

     Ele estava bem.

     — Charlie...

     — Nick...

Unstoppable: A "Heartstopper" TaleOnde histórias criam vida. Descubra agora